![]() Semeando um Fantasma
Original:Zhong gui / Seeding of a Ghost
Ano:1983•País:Hong Kong Direção:Kuen Yeung Roteiro:Kamber Huang, Yee-Hung Lam Produção:Mona Fong Elenco:Norman Chu, Phillip Ko, Maria Jo, Jung Wang, Mi Tien, Hussein Abu Hassan, Hsin-Nan Hung, Man-Biu Pak, Jaime Mei-Chun Chik, Tien-Chu Chin, Wai Lam, Chuen-Sing Lee |
Em meio à pancadaria do cinema asiático, Semeando um Fantasma (Seeding of a Ghost, 1983) se mostra um pouco “fora da curva“, prestes a apagar as luzes de um estúdio em decadência. Na verdade, a Shaw Brothers, uma das maiores fábricas de produção de Hong Kong, já estava bastante incomodada com o despontar de indústrias rivais e sentia o mercado, principalmente o internacional, disposto a abraçar a reprodução doméstica, tanto a televisão quanto o digital. Assim, o longa de Kuen Yeung estava entre as últimas tentativas de atrair público aos cinemas, o que justifica boa parte de seu caráter exploitation, e acabou por se tornar mais cult do que propriamente lucrativo.
Fundado em 1925, pelos irmãos Runje, Runme e Runde, a Shaw Brothers atingiu seu ápice na década de 60, com sucessos como O Grande Mestre Beberrão (1966) e Espadachim de um Braço (1967), explorando o que viria ditar o principal interesse pelo cinema de Hong Kong: filmes violentos de artes marciais. Com centenas de produções em seu catálogo, não demoraria para o estúdio encontrar rivalidade na Mingxing Film Company (1922-1937) e principalmente no Golden Harvest (1970-2009), que em 1973 lançaria Operação Dragão (Enter the Dragon) com Bruce Lee. Além dele, talentos em ascensão como Jackie Chan e John Woo mostravam a fórmula do cinema popular dos próximos anos, um estilo bem distante do “bug-barfing” ao qual se enquadra Semeando um Fantasma.
Não quer dizer que o filme seja uma das produções mais nojentas do cinema oriental, longe disso, mas seu estilo apelativo não se importa em explorar corpos femininos e bizarrices como um cadáver prestes a dar à luz, uma moça introduzindo um palito gigantesco no ânus de um rapaz e pessoas cuspindo larvas e comendo cérebros. Por essas e muitas outras, em sua mistureba de gêneros, entende-se por que Semeando um Fantasma foi se tornando mais interessante e cultuado com o passar dos anos, uma pérola que vale a pena conferir no catálogo no box Obras-Primas do Terror Asiático, da Versátil.
Com roteiro de Yee-Hung Lam e Kamber Huang, a trama tem início quando o motorista de táxi Chow (Phillip Ko Fei) atropela um estranho que repentinamente cruzara seu caminho. Logo, a partir do sumiço do corpo e a aparição no interior de seu veículo, ele percebe que se trata de um xamã, que fugia de um cemitério ao ser flagrado profanando túmulos. Ao deixá-lo em sua moradia, mesmo com todo o apoio, o feiticeiro avisa que Chow será acometido por um grande azar envolvendo a família – um conceito que deve ter inspirado Stephen King na escrita de “A Maldição”, lançado um ano depois.
Não demora para o infortúnio infligir o bom motorista. Sua esposa Irene (Maria Yuen) inicia um caso com o apostador Anthony Fong (Norman Chu), após uma série de flertes no cassino onde ela trabalha. Apaixonada pelo rapaz e disposta a deixar o marido, algo não correspondido por Fong pelo fato de sua esposa ser uma rica jogadora, Irene é abandonada na rua, sendo atacada, violentada e morta por dois marginais. Chow, que descobriu o corpo com a ajuda do fantasma de sua esposa e até identificou os criminosos, percebe que precisará da ajuda do necromante para perpetuar uma vingança sobrenatural não apenas contra os assassinos, mas também contra o amante de sua finada esposa, a partir de magia oculta.
Relutante, o xamã resolve ajudá-lo, mas já anuncia que o ritual, intitulado “semeando um fantasma“, trará para o motorista consequências devastadoras. O cadáver de Irene, já em estado avançado de decomposição, é colocado sobre a mesa para os encantamentos: enquanto ela movimenta seus olhos demoníacos e mexe a boca, as vítimas são afetadas com visões aterrorizantes de seus alimentos, e outras esquisitices como a ebulição de líquidos até mesmo do vaso sanitário, a aparição súbita da cabeça de Irene em um balde de bebidas, a substituição da esposa durante o sexo e até a exposição de suas próprias vértebras. Ao mesmo tempo, tanto Chow quanto o feiticeiro passam a apresentar mudanças no corpo, com deformidades, escamas e pelos, deixando para o ato final o ponto alto das bizarrices com o nascimento de uma criatura com dentes afiados e tentáculos, aparentemente fugida de O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter.
Apesar do emaranhado de absurdos e a junção de elementos de kung fu, porno softcore e fantasia, com possessão e cadáver flutuante, rostos dissolvidos e desmembramento, Semeando um Fantasma está longe de emular produções mais ousadas do período como Hung bong (1981) e Mo Toi (1983) e de considerações como a produção mais sangrenta de Hong Kong. Como outros filmes de Yeung, o filme demora a mostrar a que veio, com sequências de nudez feminina, o casal de amantes correndo lentamente na praia e lutas mal coreografadas, com trilha incidental realizada com um indigesto saxofone.
Com um roteiro repleto de falhas, como a da polícia que desaparece do filme durante a investigação e personagens facilmente se cruzando em locais distintos, além de efeitos baratos e a exploração de cenários capengas, Semeando um Fantasma ainda assim diverte como parte da trajetória do cinema exploitation de Hong Kong. Provoca risos involuntários da mesma forma que repulsa e olhares para um cinema de excessos, feito para quem aprecia filmes que fogem dos lugares comuns.