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Calafrio #1
Original:Calafrio #1
Ano:1981•País:Brasil
Páginas:48• Autor:Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, Edgar Allan Poe, Maria A.Godoy, Gedeone Malagoia, Lyrio Aragão, Edmundo Rodrigues•Editora: Editora D-Arte Ltda, Editora Abril

Quem é fã absoluto de horror sabe que é difícil se ater somente à literatura e o cinema. Pode-se incluir nesse pacote os jogos de horror – videogame, tabuleiro e de fuga -, os fanzines e também os quadrinhos fantásticos. E nisso o Brasil sempre foi muito bem alimentado! Se você nunca ouviu falar das revistas Kripta, Mestres do Terror, A Tumba do Drácula e Calafrio, é provável que não teve uma experiência de horror completa. Se não sabe quem é Rodolfo Zalla e Eugênio Colonnese, o problema é ainda maior. Autores como Rubens F. Lucchetti, Gedeone Malagoia, Maria Aparecida Godoy, Luís Meri e tantos outros, das variadas revistas do gênero, serviram para a minha formação como apreciador do gênero, crítico e até escritor.

Embora traziam excelentes adaptações de obras de Edgar Allan Poe, Bram Stoker e H.P.Lovecraft, nossas HQs tinham como diferencial ambientações no Brasil, histórias criadas pelos nossos autores e não simplesmente traduzidas de produtos internacionais como as da reconhecida E.C. Comics. Assim, é divertido acompanhar enredos envoltos em assombrações do interior, em cidades pequenas ou até metrópoles, com referências à cultura brasileira – algo que a Calafrio fez muito bem. Circulando entre 1981 e 1993, a revista atravessaria formatos e saltaria entre editoras, nos anos posteriores, uma prova do quanto o material sempre despertou o interesse de fãs de quadrinhos e de antologias do gênero.

Rever essas histórias é um resgate aos bons tempos do horror em quadrinhos. A primeira edição, produzida pela Editora D-Arte Ltda e distribuída pela Editora Abril, trazia na capa uma referência ao conto Morella, de Edgar Allan Poe, e menção ao Dossiê Negro com a história “A Ilha dos Ratos“, e a tagline: “48 páginas de terror alucinante“. Além destes dois segmentos, Calafrio #1 traz os contos “Minha Tia Amélia“, “Treze Anos no Mar“, “O Carro Vermelho“, “Os Mortos Voltam?“, “O Tesouro Macabro“, “A Dança dos Fantasmas“, “A Ovelha Negra” e “Requiem para um Pistão!“, com enredos que envolvem vingança sobrenatural, lugares macabros e maldições.

Em “Minha Tia Amélia“, com texto de Maria A.Godoy e arte de Rodolfo Zalla, uma moça tem lembranças estranhas sobre o comportamento de sua tia quando ela tinha seis anos: algo sobre uma corda, sons de ranger e uma risada sinistra. Seu psiquiatra Jaime acredita que o passado pode ter relação com a sua personalidade e sugere que ela vá visitar a tia, seu único parente ainda vivo, em seu casarão, propondo sua ida junto, apresentado como noivo. Após uma longa viagem de trem e carroça até alcançar o destino, os dois resolvem passar a noite lá, descobrindo uma verdade horrenda iniciada pelo toque do piano até concluir com uma grande surpresa. Os traços perfeitos de Zalla dão um tom ainda mais macabro ao enredo, explorando feições e sombras. Só os últimos quadrinhos que acabam de maneira convencional, numa típica facilitação do enredo.

Treze Anos no Mar” vem em uma trama curtinha, de uma única página, sobre um baleeiro que encontra o navio fantasma Octavius, com os corpos congelados de seus tripulantes em novembro de 1762. Bons traços e uma amostra curiosa sobre o que pode ter acontecido ali, deixando boa parte do complemento para o próprio leitor. Já “Morella“, com os excelentes desenhos de Eugenio Colonnese, fala sobre a morte da personagem-título no nascimento de sua filha Leonora, culpando-a por seu destino trágico. Sendo afastada pelo pai Locke, ela resolve retornar a morada da família, um casarão gótico com quadros imensos e cortinas, para tentar entender seu passado. Seu pai inicialmente a trata com desdenho e só pede que ela fique longe de um quarto em específico, local em que guarda um segredo terrível. A ideia de retornar às origens, tentar investigar eventos mal explicados, sempre rende conteúdos assustadores, e aqui não seria diferente.

Depois dessa trama sobrenatural, a seguinte, “O Carro Vermelho” é parte da seleção “Mistérios do Mundo“, com texto do experiente Gedeone e arte de Zalla. Conta o causo assustador do carro dirigido pelo arquiduque Ferdinando e sua esposa, assassinados em 1914, o estopim da 1ª Guerra Mundial. O veículo passou a ser um item amaldiçoado por todas as pessoas que tentaram comprá-lo como um governador iugoslavo e Tiber Hirschfield. Fato curioso e interessante, com os quadrinhos explorando as tragédias envolvidas.

Outro conto macabro, com a apresentação de uma espécie de Guardião da Cripta, mostra as ações insanas do Capitão Brighton, depois que seu barco sofrera um naufrágio e ele optou por eliminar sua tripulação, sugerindo abrigo n”A Ilha dos Ratos“, lugar considerado amaldiçoado. Seu orgulho e insanidade o conduzirão à razão pelo qual a ilha é assim nomeada. Ótimos traços expressivos, com a cor preta servindo para trazer uma interessante atmosfera noturna. A arte maravilhosa de Colonnese retorna no ótimo texto de Helena Fonseca para “Os Mortos Voltam?“. Nele dois homens brindam à saúde num aniversário, quando um deles anuncia que aquela é sua última noite vivo pois será assassinado pelo outro, após o aviso do espírito de seu pai. Sem acreditar nessa possibilidade até por não ter uma razão para isso, o futuro assassino resolve tirar satisfações no túmulo do pai do amigo, numa conclusão sinistra no cemitério.

Lyrio Aragão é o responsável pelo conto seguinte, “Tesouro Macabro“, sobre os amigos Pablo e José andando a cavalo até serem surpreendidos por uma tempestade, obrigando-os a buscar abrigo numa caverna, onde encontram um esqueleto e um tesouro amaldiçoado. A ganância resultará numa surpresa na página seguinte, numa história curta, mas bem desenhada e sombria. Já Edmundo Rodrigues contribuiu na HQ com o divertido “A Dança dos Fantasmas“, ambientado na cidade de Sobradinho, com personagens com nomes engraçados como Manelão Meu-Cheiro e Ana Catingueira. Por ser um cobiçado dançarino, Manelão costuma somente convidar moças bonitas nos bailes em que frequenta, mostrando pouco interesse no convite da feia Ana: “Além de não saber dançar, ocê é mais feia que Juriti empalhada!“, ouvindo como resposta: “Tu ainda vai dançá cumigo. Nem que eu tenha que saí da tumba“. Nem é preciso dizer como esse causo macabro trará consequências sobrenaturais para o orgulhoso dançarino.

A Ovelha Negra” é também de Lyrio Aragão e traz no enredo de uma página Pedro Fonseca e um encontro maldito quando tentava roubar dos mortos em um cemitério. História simples, em poucos quadrinhos, ainda usando uma expressão que já não é mais usada atualmente por ser considerada racista. Os bons traços e a surpresa final ajudam a tornar a história levemente interessante. E, por fim, os mestres Gedeone e Zalla se unem para o segmento final, “Requiem para um Pistão!“, com apresentação mais uma vez de um morto-vivo, para falar sobre o compositor Hélio Santos, famoso pelas músicas, mas infeliz pelo fato de não poder desenvolver o estilo que gosta devido à pressão de sua esposa interesseira Norma. Depois que um incidente resulta na morte do rapaz, ele finalmente realiza seu objetivo para desespero da moça ao confrontar seu espírito vingativo.

Um ótimo ponto de partida para uma antologia que prometia ampliar seus arrepios nos números seguintes. Calafrio #1 já é item de colecionador, em valores salgados para quem quiser ter na estante, ou pode ser encontrado em alguns sites de download. Vale os calafrios!

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