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Os Anfitriões
Original:American Gothic
Ano:1987•País:UK, Canadá
Direção:John Hough
Roteiro:John Hough, John Hough, Michael Vines
Produção:Christopher Harrop, Christopher Harrop
Elenco:Sarah Torgov, Terence Kelly, Mark Erickson, Caroline Barclay, Mark Lindsay Chapman, Fiona Hutchison, Stephen Shellen, Rod Steiger, Yvonne De Carlo, Janet Wright, Michael J. Pollard, William Hootkins, Steve Oatway

Os perversos serão castigados!

É válido observar e compreender a referência direta, presente no pôster e também no título original em inglês, do slasher Os Anfitriões à mais famosa obra do artista plástico americano Grant Wood, o quadro American Gothic. Finalizada em 1930, a pintura mostra um fazendeiro ao lado de sua filha, com um forcado na mão direita e uma icônica casa em estilo neogótico regional ao fundo. À obra foram atribuídas diferentes interpretações com o passar dos anos: originalmente, os críticos entendiam que a imagem ironizava o modo de vida rural; contudo, após o fim da chamada Grande Depressão, por volta de 1939, a leitura de American Gothic foi redefinida como uma alegoria à resiliência do espírito nacional americano, e por consequência, alegoria aos valores tradicionais e conservadores que teriam ajudado a América a superar a crise.

No longa-metragem dirigido pelo cineasta britânico John Hough, conhecido pelos clássicos As Filhas de Drácula (1971) e A Casa da Noite Eterna (1973), o espectador acompanha Cynthia (Sarah Torgov, de Almondegas, 1979), uma jovem que após um período internada em um hospital psiquiátrico, embarca com o marido Jeff (Mark Erickson) e os amigos Rob (Mark Lindsay), Lyn (Fiona Hutchson), Paul (Stephen Shellen) e Terri (Caroline Barclay) rumo a ilha onde passou a lua de mel. A ideia de Jeff era evitar que Cynthia retornasse à casa onde viveu uma tragédia familiar: o afogamento do filho pequeno em uma banheira. Porém, o plano é interrompido quando o avião monomotor em que viajam sofre uma pane e o piloto é obrigado a pousar em uma ilha desconhecida no Pacífico. O pouso ocorre sem maiores problemas e todos entendem o acidente como uma inesperada oportunidade para aproveitar a beleza natural da região. Entretanto, ao descobrir que serão incapazes de reparar a aeronave, eles decidem explorar a ilha à procura de algum abrigo. Surpreendentemente, o grupo encontra uma antiga casa, à primeira vista, abandonada. Mas logo conhecem os donos do local, um misterioso casal de idosos que vive como se estivesse no início do século passado. Seguidores de um rígido código moral e religioso, eles desaprovam as novas tecnologias, o sexo antes do casamento, as roupas curtas, os palavrões e os cigarros. Amigáveis à princípio, pouco a pouco se revelam assustadores e perigosos.

“Senhor, nós agradecemos

pelas bênçãos…

E oramos para que no Futuro,

permaneça assim…”

(Pa, em sua prece antes da refeição oferecida aos visitantes)

Escrito por Burt Wetanson e Michael Vines, o roteiro parte de duas das convenções mais adotadas em produções do subgênero slasher. A primeira é escolher personagens estereotipados, como a protagonista emocionalmente instável e os jovens paspalhões que buscam apenas diversão sem responsabilidade. A seguinte convenção é inserir este mesmo grupo em um ambiente natural adverso e distante de seu habitat original. Porém, o grande mérito do enredo de Os Anfitriões está na concepção da família de vilões. Se afastando de outros slashers que são referências do gênero e exploram assassinos em série, muitas vezes mascarados ou deformados, como Sexta-Feira 13 (1980) ou famílias disfuncionais (e canibais), como Quadrilha de Sádicos (1977) e O Massacre da Serra Elétrica (1974), Os Anfitriões apresentam antagonistas cuja grande deformidade se manifesta em um extremismo pautado em princípios conservadores de família e religião; princípios que autorizam uma série de atrocidades a serem cometidas em nome de Deus e dos bons costumes. É neste ponto que o longa se relaciona, mesmo que em oposição, a mensagem conservadora e enaltecedora das supostas qualidades americanas representadas pelo quadro American Gothic. Esta camada latente, mas pouco discreta, se mostra uma crítica sócio-política pertinente, que infelizmente, se confirmou atemporal. Ainda que, neste embate entre o tradicional e o liberal (aqui estou me referindo essencialmente aos costumes), o posicionamento político tomado pelo roteiro seja evidente ao definir e desenvolver os vilões como conservadores e cristãos, um contraponto leve é construído aos expor os amigos da protagonista como fúteis, barulhentos e desrespeitosos, estimulando o espectador a desejar, em muitos momentos, a inevitável morte de boa parte dos membros deste grupo.

O efeito incômodo provocado pelo perfil anacrônico da família liderada por Ma (interpretada por Yvonne De Carlo, da série Os Monstros, de 1954) e Pa (o Padre Delaney, em Terror em Amityville, 1979), alcança um patamar ainda mais perturbador quando são apresentados os três filhos do casal, Fanny (Janet Wright, de O Homem das Sombras, 2012), Woody (Michael J. Pollard, ator indicado ao Oscar por Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas, 1967) e Teddy (William Hootkins, de Dust Devil, 1992). São pessoas de meia-idade vestidas e agindo como se fossem crianças. Algumas situações e diálogos entre os “irmãos” sugerem também uma possível relação incestuosa na família, o que potencializa a trama de forma bizarra. Ao mesmo tempo, as brincadeiras infantis deixam de ser inofensivas para se transformar em crueldade e violência. Outra situação que reforça mais a sensação de estranhamento é Fanny cuidar de sua boneca como se o brinquedo estivesse vivo e fosse seu filho de verdade; boneca que descobrimos posteriormente ser um bebê recém-nascido mumificado.

Entretanto, não é a ousada crítica explícita à hipocrisia de parte da sociedade americana ou a construção inovadora dos vilões, os únicos pontos positivos de Os Anfitriões. O longa ultrapassa a perspectiva proposta pela definição mais básica do subgênero slasher, ao mesmo tempo em que inverte a previsibilidade do desfecho, presenteando o público com um brutal, sangrento e inesperado ato final. Em uma primeira reviravolta, depois da desconcertante morte de todos os amigos, e do próprio marido, Cynthia aparece vestida com roupas infantis, se tornando parte da estranha família. Mas em uma confusão com Fanny, a boneca-bebê-mumificada é quebrada ao meio; este incidente leva Cynthia a se lembrar da morte do filho e a um novo colapso psicológico, se tornando uma descontrolada assassina e eliminando assim, um a um, os membros do excêntrico grupo de vilões.

“Bem, eu tenho algo para

ti, eu renuncio à Deus!

Renuncio a você e concedo

minha alma a Satanás!”

(Pa, ao descobrir a morte de seus familiares)

É interessante também que o mórbido final não entregue todas as respostas, provocando e convidando o espectador a completar algumas lacunas, como uma espécie de quebra-cabeças a ser decifrado. Ou seja, afinal, entre outras questões, por que esta estranha família está se escondendo em uma ilha no meio do Pacífico? Por que os filhos (se é que são) com mais de 40 anos se comportam como crianças? Quem são os pais do bebê mumificado?

É curioso que, apesar do enredo fazer alusão a costumes da sociedade americana, Os Anfitriões é, na realidade, uma coprodução britânica canadense, cujas filmagens ocorreram entre os anos de 1986 e 1987 em locações no próprio Canadá, mais especificamente no belíssimo conjunto de ilhas da Columbia Britânica, mesma região onde foram rodadas as duvidosas refilmagens A Névoa (The Fog, 2005) e O Sacrifício (The Wicker Man, 2006). O longa foi exibido pela primeira vez na França em 1987, no Festival de Cannes, com o título internacional American Ghotic. No entanto, na versão lançada em VHS no Reino Unido, no mesmo ano, o filme foi chamado de Hide And Shriek, algo como Esconda-se e Grite, fazendo alusão a uma brincadeira infantil. Chegou aos Estados Unidos no ano seguinte, recuperando o título original com o qual ficaria conhecido permanentemente.

Os Anfitriões pode ser considerado um dos primeiros chamados slashers tardios, produções do subgênero lançadas após a primeira e forte onda, aquela composta principalmente por produções como Halloween, Sexta-Feira 13 e suas diversas continuações e variantes, lançadas na metade inicial da década de 80. Simultaneamente, toda a inventividade do enredo, com seus personagens doentios e nada agradáveis, comprova que o slasher não é um gênero menor dentro do horror; ao contrário, é um gênero cuja simplicidade é cativante, mas que não se esgota e pode ser sempre renovado e reinventado, sem a necessidade de orçamentos expressivos ou exuberantes efeitos especiais.

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