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Lovecraft: Sr. Providence
Original:Le Bestiaire du Crépuscule
Ano:2025•País:França
Páginas:128• Autor:Daria Schmitt•Editora: DarkSide Books

Que existem inúmeras adaptações, releituras e inspirações baseadas nas obras de H.P. Lovecraft não é novidade para ninguém. O autor, muito conhecido por suas histórias de horror cósmico e weird fiction, pode não ter sido popular em vida, mas seu legado se eternizou após sua morte. É muito fácil pensar em alguma produção, seja cinematográfica, literária ou até mesmo musical, que bebeu da fonte de algum conto de Lovecraft. Mas quantas delas usam de fato a pessoa por trás daquelas perturbadoras histórias? Uma dessas obras é da historiadora, arquiteta e ilustradora Daria Schmitt. Em seu quadrinho Sr. Providence, publicado no Brasil pela DarkSide Books, Daria celebra o autor e seu mundo estranhamente fantástico.

Providence é zelador de um parque, mas este não é um parque comum. Ao menos, não para ele. O excêntrico zelador vê coisas à espreita que mais ninguém vê, sabe de segredos que mais ninguém sabe, e é guardião daquele lugar, sempre atento e pronto para proteger aqueles que não imaginam os perigos que se revelam no parque com o cair da noite. Providence possui um fiel escudeiro, o gato Maldoror, e juntos patrulham o parque para se certificarem de que tudo está nos conformes. Porém, uma nova diretora assumiu o lugar, e ela não tem tempo para a vívida imaginação de Providence e seus monstros que só ele enxerga. Quando o zelador encontra um misterioso livro dentro de um lago, coisas cada vez mais estranhas começam a acontecer, e definitivamente não são produto de sua criativa mente.

A história é cativante e de fácil leitura, com personagens curiosos. As pessoas julgam o zelador e acham-no estranho apenas pela sua visão diferenciada do mundo, e isso nos é passado de forma que nos identificamos com o protagonista. O fato de realmente existirem coisas e acontecimentos sem explicação plausível no parque retrata um pouco de como pessoas que pensam e se expressam de forma diferente das massas se sente. A mensagem do quadrinho, além da óbvia homenagem a Lovecraft, é que ser diferente, criativo e autêntico não é motivo de vergonha, e sim de celebração. Ver o mundo de forma mais ampla, enxergar além e não se forçar a se encaixar nos moldes impostos pela sociedade é uma libertação, e é exatamente isso que o desfecho mostra. Também trata de questões de saúde mental, um tema recorrente nas obras de Lovecraft e que, provavelmente, ele próprio teve que lidar. Vale citar que Daria, mesmo celebrando e ressaltando a importância da obra do autor, também não deixa de lado todas as problemáticas e opiniões repreensíveis envolvendo-o e, por isso, transforma seu personagem em alguém cheio de empatia e aborda o assunto de forma inteligente em sua obra.

A arte do quadrinho é majoritariamente em preto e branco, entretanto, nos momentos nos quais Providence – que possui a aparência de Lovecraft, e seu nome também é uma homenagem ao escritor, que nasceu na cidade de Providence – está sonhando ou vendo as estranhas criaturas que habitam o parque, a arte se torna extremamente vívida e colorida, como se o seu mundo e sua existência enfim fizessem sentido quando as vê. Os traços dos desenhos de Daria Schmitt, além de serem um deleite para os olhos, conseguem traduzir de forma assombrosa todos os elementos fantásticos encontrados nas obras de Lovecraft, a estranheza das figuras, o absurdo do que está sendo visto e o mistério por trás dessas histórias, tudo isso em forma de arte.

Há inúmeras referências ao universo de Lovecraft aqui, como o livro encontrado no lago, uma das criaturas presentes ser um polvo gigante (é claro que Cthulhu não podia ficar de fora de um quadrinho que homenageia seu criador, não é?), e a principal delas é se conectar diretamente com o conto O Estranho Casarão nas Brumas, escrito pelo autor em 1926. O texto aparece de forma integral e ilustrada pouco antes do final do quadrinho.

Sr. Providence é um quadrinho cheio de um universo fantástico que aborda os limites de sonho e realidade, o belo e o bizarro, com arte ao mesmo tempo sombria e vibrante e que celebra e reforça a importância de Lovecraft e suas obras, mas também é uma história dedicada a todos aqueles que enxergam o mundo de um jeito diferente.

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