por Gilson Moura Henrique Junior
Existe um processo na filmografia recente de Horror que espera “elevar” o gênero, a partir de uma caixinha estética que se junta a um modelinho aprazível para todos os públicos e tenta ser “esperto” ao mesmo tempo que se mantém comercial, como todas as obras produzidas na indústria cultural são.
Depois do sucesso das produções de Jordan Peele, que juntam Horror sem nenhuma vergonha do gênero com uma mensagem a ser dada, entranhada em todos os aspectos das obras, do roteiro à visualidade, uma parte da indústria resolveu tentar emular isso sem tanto conteúdo, afinal política pode ofender clientes, mas sem ter nem sucesso comercial, menos ainda empreender produções de qualidade.
Para o inferno do fã de Horror ainda se juntaram os ótimos Robert Eggers e Ari Aster, Panos Cosmatos e Yorgos Lanthimos como cineastas que, ao mundinho do gênero, faz horror com uma pegada artística mais palatável à crítica e ao público sem tanto estômago pra ver tripas escorrendo pela parede (com exceção do Cosmatos).
Nasce aí a bobajada de chamar produções de Horror com cagaço do gore de “Horror elevado”, que segue infestando as telas de cinema e os streamings de produções pouco condizentes com a qualidade visual e o cuidado rococó na produção de obras esquecíveis.
Para a desgraça do gênero, ainda deram poder excessivo ao sensacional diretor James Wan pra ele criar bobagens esteticamente cuidadosas em escala industrial, abastecendo prateleiras do consumo “exigente” de quem quer ver um terrorzinho básico de fim de tarde e pagar de intelectual depois porque entendeu a mensagem explicada de forma tão didática que até seu filho de seis anos entenderia.
E é nesse balaio de gatos mal nutridos e sem dentes que entram Apartamento 7A e A Casa Mórbida, produções de 2024 que abusam do esteticismo pra entregar um volumoso nada pras plateias.
No primeiro caso temos a maldição do prequel, que põe na tela o protótipo de Rosemary que deu ruim porque os inteligentíssimos bruxos do original de Ira Levin, adaptado por Roman Polanski em 1968, deram mole com uma janela aberta enquanto assistiam uma dança sem sentido de uma hospedeira do capeta antes de por todo o coven pra impedir que a tola personagem vivida pela excelente Mia Farrow fizesse merda.
No segundo temos o desperdício de atriz, de plot feminista e de ótima crítica social a respeito da misoginia no mundo da gastronomia, da violência contra culturas tradicionais e como o capitalista tem mais é que se danar, numa casa nem tão mórbida assim porque afinal é melhor fingir que se eleva numa mensagem linda se perdendo entre três mil plots ruins de roteiro que tornam a história toda sem sentido.
No filme da Rosemary sem Rosemary e na casa nem tão mórbida assim se desperdiçam tantas possibilidades de trabalhar a ambiguidade do que as protagonistas veem a seu redor (é delírio ou é real?), quanto se joga fora ao abraço aberto e carinhoso naquele Horror cheiroso que todos nós desejamos quando paramos pra ver estas bobagens.
Pior é ver que Apartamento 7A desperdiça o bom Jim Sturguess, a genial Dianne Wiest e a ótima Julia Garner, e A Casa Mórbida a ótima Ariana DeBose, que lutam por seus papéis em filmes catastróficos, com roteiros feitos na preguiça sem capacidade nenhuma de refinar o contar de suas histórias pra um público que não precisa ser cuidado como criança.
De tudo o que vale é ver Dianne Wiest prestar uma gigantesca homenagem à senhora Castevet de Ruth Gordon ao mesmo tempo em que faz uma interpretação original do mesmo personagem. Não é pouca coisa isso, ainda mais em um filme mal conduzido que só vale pelo esmero visual e pelas atrizes protagonistas.
Em A Casa Mórbida não vale nem ver Ariana DeBose tentar salvar o filme, ainda mais quando o final entrega de vez que toda aquela bobajada de mil trilhas pelo horror, que não chega a lugar nenhum em nenhuma delas, é só um prelúdio pra um lualzão redentor feito pra gerar lucro pro capitalista f$%$#$.
A questão toda é que, junto de Salem’s Lot (2024) e outros tantos filmes recentes de Horror, se busca menos contar uma história de forma original que encaixar a produção em classificação etária pra adolescentes verem.
O pior é que até pra fazer isso daria pra ter melhor esmero com a obra como um todo, para além do visual que adolescente nenhum está preocupado em ver (qualquer Pânico recente se encaixa em classificação etária desejada pelos produtores destes filmes e são filmes melhores).
A sensação de todos esses filmes tem o acréscimo de que parece que seus diretores são fãs do gênero, mas são fãs envergonhados porque acham que o gênero é “menor” e que eles precisam de mais para a carreira, numa espécie de síndrome de Wes Craven sem qualidade Wes Craven.
Então, esta espinafração é porque preciso dizer que essa balela, esse câncer de “elevar” o horror, é típico de quem não tem nenhum contato com o Horror, sua história e sua arte. Não tem nenhum filme recente que se preocupa tanto em “elevar o Horror”, que tenha a qualidade artística, política, estética e de escrita de roteiro de O Exorcista (1973), O Massacre da Serra Elétrica (1974), A Profecia (1976) e Carrie, A Estranha (1976), Invasores de Corpos, Halloween e Despertar dos Mortos (1978), feitos por diretores que sequer pensaram um segundo se suas obras seriam ou não arte sendo de Horror; eles foram lá e fizeram.
Estas obras de arte amplificaram o cânone que é elevado desde Nosferatu (1922), que teve em Drácula e Frankenstein (1931), Sangue de Pantera (1942), O Mensageiro do Diabo (1955), Os Inocentes e os geniais O Bebê de Rosemary e A Noite dos Mortos-Vivos (1968), que fizeram da história do Horror um grande caminhar sobre o legado da literatura e do teatro, trazendo o Grand Guignol pras telas de cinema sem medo de serem felizes.
A produção recente de horror sequer precisa destes dramas de produção pra encaixar seus filmes para plateias “elevadas”: há espaço pra todo mundo no mundo dos streamings cada vez mais presentes no consumo que o cinema em si.
Enfim, as produções “elevadas” recentes apenas elevam o tédio de quem as assiste. Vá ver por sua conta e risco.
Publicação original: Creeptica social foda – Apartamento 7A (2024), A Casa Mórbida (2024) e o “horror elevado” – Fantasmas assombram o multiverso