Vítimas indefesas de monstros e seres do espaço com suas naves, raios e superinteligência. Impotentes com os predadores assassinos e conquistadores de uma nova ordem social para o planeta. Assim somos vistos e retratados na maioria das histórias de invasões alienígenas à Terra em um dos temas mais explorados de toda a ficção científica. Seja na literatura, cinema, quadrinhos, televisão.
Quero mostrar a vocês que não somos tão indefesos e inocentes assim. Também temos naves, inteligência, tecnologia e anseio selvagem quanto qualquer civilização extraterrena com intenções de invasão e conquista. E há vários exemplos dentro da ficção científica que ajudam a desmistificar a visão passiva e indefesa que temos, como mostrada no clássico de H.G. Wells, A Guerra dos Mundos, ou no mega-sucesso de bilheteria planetária Independence Day.
O tema de invasão ao nosso planeta é um dos mais explorados porque no fundo não é destituído de um certo grau de realidade. Quando olhamos para o céu estrelado, nos perguntamos o que é isso que está à nossa frente, e que surpresas pode nos reservar.
Entre outras, a possibilidade de vida em outros planetas. Como seriam eles? Suas formas, sua cultura, sua inteligência. Queremos crer que eles são pacíficos e cheios de boas intenções. Mas não estamos a salvos de, apesar de desenvolvidos tecnologicamente, eles serem cruéis e sanguinários conquistadores, invasores. Ora, afinal de contas a história dos povos do nosso próprio planeta é feita de civilizações social e tecnologicamente “desenvolvidas” que estabeleceram impérios e domínios dos mais tirânicos e a grande parte de povos “primitivos“, “bárbaros“.
As histórias de invasões da Terra a outros planetas repete o mesmo esquema das invasões alienígenas, só que com os papéis invertidos: se dividem em dois modelos básicos: o primeiro seria o “civilizatório“, parecido com a ideia de “colonizar” e ajudar povos mais “atrasados” social e cientificamente a atingirem nosso grau de “evolução“. O segundo é a pura e simples pilhação. Invadimos e conquistamos com o único objetivo de explorar os recursos naturais do planeta, ou nele se estabelecer matando ou desprezando a vida que possa existir no local invadido.
O primeiro modelo de invasão é muito mais encontrado quando os invadidos somos nós, como no clássico, O Fim da Infância (Childhood’s End, 1956) de Arthur C. Clarke. Uma supercivilização alienígena chega à Terra e muda radicalmente o modo de viver de todos os humanos. Realizam uma utopia de bem estar, ainda que sem liberdade alguma. Parece que não cai bem à nossa imaginação (e autocrítica) ensinar quem quer que seja, quando nem ao menos entendemos a nós mesmos.
O escritor inglês Brian Aldiss escreve em 1964 Os Negros Anos Luz (The Dark Light Years) e nos lança a uma fulgurante e mortal guerra na Terra de 2035. Duas potências político-econômicas dominam o planeta: a sua Inglaterra e uma emergente nação do Sul, que virou literalmente o “país do futuro“, adivinhou? Sim, a potência em questão é o Brasil. E a guerra entre os dois povos não se restringe à Terra. Eles partem para o planeta chamado 12B. Objetivo: chegar lá primeiro e se apossar, garantindo recursos econômicos estratégicos para vencer a guerra.
Cegos em sua sede guerreira eles chegam e continuam sua disputa neste planeta. Só que lá vivem os utods, mergulhados na lama e na imundície. Isso para os padrões estéticos terrestres, pois dentro de seus enormes corpos, existem mentes capazes de elaborar uma complexa filosofia e de aperfeiçoar uma tecnologia muito mais sofisticada que a humana. Só que os terráqueos os tratam como pouco mais do que animais asquerosos. São mortos sem piedade. Um genocídio em nome dos valores civilizatórios humanos.
A terrível verdade sobre os utods aparece quando eles são trazidos à Terra e descobre-se a crueldade e indiferença com que o Homem tratava estes seres. Aldiss trabalha aqui com arrogância e prepotência do Homem, de ser visto como o centro do Universo, criado para o seu dispor. Assim como faz com os animais e plantas de nosso próprio mundo. Esta notável história nos mostra também que a incapacidade humana de se comunicar com outras culturas diferentes da sua pode trazer conseqüências das mais desastrosas, como por exemplo na conquista da América pelos europeus, e o que fizeram com as culturas nativas do continente.
Este tema é muito frequente nas histórias de invasão e guerra da Terra com outras civilizações. Aparece também em um dos primeiros romances de Arthur C. Clarke, Areias de Marte (Sands of Mars, de 1951), embora o tratamento seja leve e superficial no conjunto da história. Chegamos à Marte, instalamos uma colônia e só depois descobrimos uma estranha forma de vida inteligente no planeta. O contato, embora amigável, não desencoraja os terráqueos a fazerem do planeta vermelho o seu novo mundo.
Marte, aliás, não poderia ficar de fora de um tema como invasão. Aqui mais uma vez o lugar comum é a invasão dos ‘baixinhos verdes com anteninhas na cabeça‘ e nenhuma piedade de nós, pobres e indefesos mortais. Assim como Clarke, Ray Bradbury investe seu talento no planeta vermelho, escrevendo uma das mais belas páginas da história da ficção científica com As Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles, 1951). Em mais pura poesia em prosa, Bradbury nos conta a colonização humana em Marte. Aqui a “invasão” se dá no sentido da aparição no céu de misteriosos globos azuis. Formas de vida muito antigas do planeta que abandonaram a superfície e a vida material e não dão a mínima para a chegada de seus novos donos:
– Eu sempre quis ver um marciano – disse Michael. – Onde estão eles, papai? Você prometeu.
– Estão aí – disse o pai.
Colocou Michael nos ombros e apontou para baixo.
Os marcianos estavam ali. Timothy começou a tremer.
Os marcianos estavam ali – no canal – refletidos na água. Timothy, Michael, Robert, mamãe e papai.
Dá água ondulante, os marcianos ficaram olhando um tempo enorme para eles…
Saindo da poesia e entrando na guerra novamente, uma história de temática semelhante à Os Negros Anos Luz é Jem de Frederik Pohl, escrito em 1979. Pohl é reconhecidamente um dos mais críticos e irônicos escritores que a ficção científica já conheceu. Boa parte de sua obra tem como analogia uma crítica social aos valores contemporâneos de nossa sociedade de consumo capitalista, como no clássico Os Mercadores do Espaço, escrito em parceria com Cyril M. Kornbluth, de 1952, onde o mundo é governado por corporações industriais tendo a publicidade como sua principal fonte de poder.
Jem é o nome do planeta descoberto numa Terra à beira de uma guerra no século 21. Nosso planeta mantém um equilíbrio de terror bem parecido com a Guerra Fria, só que são três as potências e não duas como em nossa história real. Banhas (América e Rússia), Oleosos (Inglaterra e Oriente Médio) e Acocas (formado pelos países do Terceiro Mundo sob a liderança da China). Eles partem para Jem vendendo a ideia para seus respectivos povos de que farão deste mundo a utopia política que não conseguem na Terra. Nem que para isso tenham de se exterminar mutuamente para construir seu paraíso ideológico. Pior do que isso é o desprezo com que eles tratam as formas de vida nativas do planeta. Três espécies o habitam: uma aérea, uma terrestre e uma subterrânea.
Em sua guerra intestina os blocos políticos usam os jemianos como bem entendem, estabelecendo inclusive alianças com suas diferentes espécies para exterminar o bloco político inimigo. Um grande painel social do que fazemos em nosso próprio mundo, onde as potências políticas e econômicas jogam seus interesses globais em detrimento do desenvolvimento de países menos desenvolvidos.
O destino que os humanos tem em Jem lembra muito o dos aliens de A Guerra dos Mundos de H.G. Wells.
Também nos damos mal em outra história clássica de invasão terrestre. Floresta é o Nome do Mundo (The World for World is Forest, 1972) de Ursula K. Le Guin, a mais prestigiada escritora de ficção científica de todo o mundo. Batizamos um planeta que é um paraíso de florestas como o sugestivo nome de Novo Taiti. E chegamos pilhando e devastando as matas para suprir a economia e a ecologia de uma Terra totalmente esgotada. Lá vivem os critures. Um povo dócil, pacífico, facilmente escravizado. Mas até certo ponto… Surpresas terríveis estavam à espera dos “umenos” – como os nativos chamavam os humanos invasores. E de certa forma também para os critures, uma cultura não tecnológica que baseava as suas relações sociais através de sonhos partilhados por toda a sua sociedade. Com a luta com os umenos, a guerra e morte se incorporam aos seus sonhos, os transformando em pesadelos.
Outro escritor dos mais talentosos e que ainda consegue dar um toque de humor ao assunto é Robert Scheckley, no conto “Os Monstros” – que abre a excelente coletânea Inalterado por Mãos Humanas. Aqui a história é narrada do ponto de vista dos alienígenas e os monstros em questão somos nós. Seguinte: chegamos a um certo planeta. O povo deste mundo tem de matar as mulheres casadas a cada 25 dias, porque o número de mulheres é incrivelmente maior que o de homens. Eles ficam chocados quando vêem que os terráqueos não matam suas mulheres. E resolvem, então, fazer o serviço…
O problema da guerra pura e simples dos humanos com outra raça inteligente do universo também pode ser tratado como tema de invasão, embora seja uma variação do assunto em si. Fazendo esta ressalva, podemos citar também O Jogo do Exterminador (Ender’s Game, 1986), de Orson Scott Card. Travamos uma guerra com os belicosos insecta. Garotos com qualidades excepcionais são treinados para combates simulados prevendo uma defesa à iminente invasão dos alienígenas. Ender é um dos garotos treinados. Depois de anos de treinamento intensivo ele é enviado a uma “simulação” que mudará os destinos da Terra, de Ender e dos insecta. Uma aventura de tirar o fôlego que não foge à reflexões importantes quanto ao respeito tanto à liberdade individual dos cidadãos até a uma questão tão ou mais dramática: o destino de uma civilização alienígena inteligente.
Neste romance de Card – que teve mais três sequências – se coloca em questão também a dificuldade de entendimento e estranhamento de outra cultura, como um componente importante da não-aceitação daquilo que consideramos como racional e civilizado. Tendemos a ter medo ou agredir (ou ambos) a tudo aquilo que não entendemos. Estendendo esta questão ao nível cósmico podemos ter uma guerra interestelar pela dificuldade de comunicação e aceitação de uma cultura muito diferente de tudo aquilo que nos é mais sagrado.
Também Joe Haldeman trabalha com este mesmo tema em The Forever War, de 1976. Aqui os aliens são os Taurans. A incompreensão é mútua. A guerra é desleal, mortal e bárbara. A referência clara de Haldeman são as atrocidades da Guerra do Vietnã, do qual ele foi combatente. Este clássico de guerra e ficção científica ainda não foi publicado em língua portuguesa, mas existe uma versão em quadrinhos, chamada A Guerra Eterna, muito bem produzida, com argumento do próprio Haldeman e desenhos de Mark van Oppen, publicado em 1989 pela editora portuguesa Meriber-Liber.
Você deve estar se perguntando: Será que só a literatura tem histórias de invasões da Terra? Não, mas a quantidade de histórias no cinema e na TV é muito, muito pequena. Parece que ver os bravos mariners descendo em outros mundos com raios laser e armas nucleares não dá muito ibope.
O já comentado clássico de Ray Bradbury teve uma versão para TV em 1980 numa minissérie de seis horas de duração. Uma produção da NBC que chegou a ser exibida no Brasil sem o brilho poético do texto de Bradbury.
A cultuada e superpopular série Jornada nas Estrelas (Star Trek) ousa no tema. Ela não é uma série de invasão terrestre. Embora ela lidere uma Federação Unida de Planetas numa guerra sem tréguas aos klingons e romulanos (na clássica), aos ferengis e borgs (Nova Geração) e outros aliens menos cotados dos remakes Deep Space Nine e Voyager.
Na série clássica em quase todo o planeta que a Enterprise chega, Kirk lembra a Spock e McCoy para em hipótese alguma desrespeitar a ‘Primeira Diretriz‘ – a de não interferir com a cultura e o desenvolvimento histórico natural dos povos visitados. Pois bem, Kirk é o primeiro a jogar os regulamentos da Federação no lixo para resolver seus probleminhas imediatos.
No episódio “Uma Pequena Guerra Particular” (“A Private Little War”), do segundo ano de produção, Kirk e seus pupilos chegam a Neural. Lá os klingons chegaram primeiro e estimulam uma guerra entre os povos do planeta ajudando um dos lados com seus armamentos. Com o argumento de que é necessário haver um equilíbrio armado entre os povos em disputa, Kirk distribui fasers ao povo em desvantagem. É o velho recurso militar de usar os mais fracos para os interesses maiores dos impérios invasores em questão. Este episódio é a mais clara crítica de Gene Roddenberry à invasão americana ao Vietnã e causou muita polêmica na época quando a guerra estava no auge.
Star Trek teve alguns episódios em que a missão da Enterprise era justamente investigar uma alteração no desenvolvimento de uma civilização alienígena com a presença invasora de terrestres. Aqui o roteiro se equilibra entre o cômico e o ridículo.
É o caso de “Padrões de Força” (“Patterns of Force”) – um oficial da Federação impõe o nazismo como solução aos problemas do planeta Ekos -, (mas o cômico é Kirk se passando como oficial da SS para armar um golpe contra o regime). Outro é “Um Pedaço de Ação” (“A Piece of the Action”), o mais engraçado e absurdo: o planeta Iotia é visitado cem anos antes pela nave U.S.S. Horizon, que deixa acidentalmente o livro Chicago Mobs of the Twenties, que conta a história das máfias americanas na Chicago dos anos 1930. Pois bem, os iotianos imitam literalmente os dizeres sociais do livro reproduzindo a mesma sociedade a centenas de anos-luz do paraíso de Al Capone. Kirk se faz passar por mafioso para contornar o incontornável. Vale pelas situações engraçadas. Não dá para levar a sério.
Fora Star Trek a invasão dos terráqueos a outros mundos é tão rara quanto a visita de um alienígena bondoso em nosso planeta, embora ET e Klaatu já tenham vindo parar no terceiro planeta do Sistema Solar, para fazer amigos. E, ao seu modo, tenham feito mais história do que sanguinários invasores sem cérebro e muitos tentáculos para a diversão dos pouco exigentes com uma boa história, e a riqueza de inescrupulosos executivos de Hollywood. Invasores da inteligência e da criatividade de um tema tão fascinante e caro ao homem: vida extraterrena!