A Invenção do Monstro – Do Golem ao Zumbi (2018)

5
(1)
A Invenção do Monstro - Do Golem ao Zumbi
Original:
Ano:2018•País:Brasil
Autor:Fernando Vugman•Editora: Luva Editora

It´s alive…it´s alive!“. Os monstros sempre estiveram presentes no imaginário popular, desde a infância até a vida adulta, adquirindo concepções e características próprias, dependendo da cultura da região e da bagagem de conhecimento. Aqueles sons estranhos no guarda-roupas e o simples gotejar de uma torneira na cozinha já são capazes de construir criaturas horrendas e assustadoras, muitas vezes inspiradas na literatura, e quase sempre no cinema. Contudo, a própria gênese do monstro é muito mais complexa do que sonha nossa vã-filosofia, uma vez que ele pode nem sempre ter aspectos padronizados e visíveis, sendo camuflados por rostos simpáticos e comportamentos exemplares. Até mesmo o uso do termo pode vir acompanhado de um teor simbólico, embasado por atitudes consideradas fora do comum, inumanas. Então, o que seria realmente um monstro e por que ele perturba sonos e cria traumas? Um trabalho bastante interessante sobre o tema pode ser encontrado no fantástico livro de Fernando Vugman, A Invenção do Monstro – Do Golem ao Zumbi, publicado pela Luva Editora em 2018.

A obra é fruto de um imenso trabalho de pesquisa que procurou mostrar a origem de alguns dos monstros mais populares da literatura e do cinema, em descrições comparativas e repletas de informações e curiosidades. Iniciada com um belíssimo prefácio do professor João Luiz Vieira, que aborda os principais temas e suas influências, a publicação começa investigando o Mito do Monstro, passeando por dados históricos, pelas metáforas associadas ao termo e as heranças malditas, culminando numa perspectiva moderna. Mencionando os principais clássicos do cinema de horror, como os inevitáveis O Massacre da Serra Elétrica, Halloween, A Hora do Pesadelo e até O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, que desperta arrepios com o sugerido, a introdução é um grandioso chamariz para o restante da obra.

A partir do primeiro capítulo, dos cinco propostos, há análises bem contextualizadas dos mais diferentes monstros, respeitando seus gêneros e concepções. A lenda do Golem, na crença judaica, em suas várias versões, é o primeiro estudo feito pelo autor e que permite comparações a outros mais populares como a Criatura de Frankenstein, de Mary Shelley; Shakespeare é abordado com sua clássica A Tempestade, que, com o temível Caliban, remete aos monstros de A Ilha do Dr.Moreau; e ainda sobra tempo para explorar o simbólico e paradoxo O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, a genealogia dos zumbis e o despertar dos vampiro, na noite gótica que deu vida ao horrores que iriam nos acompanhar a partir do século seguinte.

Além de resenhas minuciosas de obras e filmes, o que atrai em A Invenção do Monstro é o estudo elaborado pelo autor a contextos e influências. Como exemplo, o leitor poderá encontrar reflexões sobre o papel da mulher vitoriana na construção da personagem Mina Murray em Drácula de Bram Stoker; ou até mesmo, no conflito entre Ocidente e Oriente, com o passeio de personagens por endereços sinistros, sempre revisitados pelos autores, além de seus limites. A linguagem dos monstros também é um fator importante na observação de suas obras, quando eles passam a se auto-questionar, tentar entender sua existência e seu caráter horripilante. É possível perceber no bom trato de Vugman aos clássicos a relevância histórica do gênero e o quanto ele pode ser um retrato dos comportamentos de uma sociedade mutável e em constante construção.

Os únicos pesares da obra – compreensível pela necessidade de limitação – são as ausências de outros monstros importantes como a Múmia e o Lobisomem, além é claro de uma invasão ao universo das criaturas contemporâneas como Michael Myers, Freddy, Jason, Chucky, entre muitos outros. Talvez eles ocupassem um papel mais relevante e divertido ao estudo do Mito do Monstro que o gângster e seu crescimento na ruptura do sonho americano. Ainda assim, é passível de entendimento dessa abordagem não tão ampla, e com pouca variedade de criaturas, pela força reflexiva nos que são bem representados. A criatura de Frankenstein, por exemplo, tem grande parte de seus filmes analisados, incluindo até mesmo a comédia O Jovem Frankenstein, de Mel Brooks.

E o leitor ainda encontra uma dedicação imensa e bem-vinda aos zumbis, lembrando de toda a sua cronologia, da época haitiana até os tempos atuais, com a série The Walking Dead. Os mortos andantes, na excelente avaliação de Vugman, simbolizam um mundo degradante, mas ainda em movimento, e que adquirem voracidade como reflexo da identidade humana pela deglutinação de valores e culturas. Se não sobra mais espaço no inferno, o processo pode ser observado de maneira mais otimista como um Zumbilândia, longa que também é lembrado no livro.

Para os pesquisadores e curiosos pelo subgênero dos monstros, ou até mesmo aquele leitor que quer entender a concepção das criaturas que, inspiradas por páginas sangrentas, transformaram o cinema num circo de horrores – e deve ser entendido como uma grata evolução -, A Invenção do Monstro – Do Golem ao Zumbi é altamente recomendável e merecedor de ocupar um espaço em sua estante assombrada.

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 1

Nenhum voto até agora! Seja o primeiro a avaliar este post.

Avatar photo

Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *