Provavelmente não passou pela cabeça do irlandês Bram Stoker que o seu Drácula influenciaria tanto e por tanto tempo a cultura e o comportamento dos jovens ao redor do mundo. Stoker não inventou o mito do vampirismo, até por que mito não se inventa. Mas o seu misterioso personagem serviria de inspiração para o cinema, que acabaria desconstruindo, reinventando e popularizando a imagem do vampiro, chegando até aquela que conhecemos hoje.
Vampiros Mudos e em Preto e Branco
Curiosamente, a primeira adaptação de Drácula para os cinemas foi uma versão não autorizada. O cineasta alemão F. W. Murnau não conseguiu entrar em acordo com a família Stoker quanto aos direitos autorais, mas isso não o impediu de lançar em 1922 Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror. Bastaram algumas alterações, Conde Drácula transformou-se em Conde Orlok e a Inglaterra de 1897 transportou-se para a Bremem alemã de 1938. Entre as sombras e as luzes do expressionismo alemão surgia o primeiro grande vampiro do cinema, interpretado pelo ator Max Schreck. Até hoje, esta versão não oficial e muda de Drácula é considerada uma das mais assustadoras, principalmente pelo visual nada sedutor do Conde: careca, corcunda, com as orelhas e os dentes pontiagudos. Uma diferença interessante entre a concepção visual do vampiro de Murnau e a imagem clássica do personagem são exatamente os dentes. Em vez de caninos, o Conde Orlok apresenta os incisivos salientes. O vampiro, em Nosferatu, é a fiel representação do horror, materializada numa criatura de aparência abominável e sedenta de sangue.
Oito anos depois, já em solo americano, a Universal Pictures daria voz a Drácula e viria
a rodar o mais importante filme sobre vampiros já realizado. Esta voz traria o sotaque refinado e aristocrático do ator húngaro Bela Lugosi, que já interpretava o personagem num espetáculo em cartaz na Broadway havia alguns anos. Nascia neste momento o vampiro do modo romântico como seria eternizado pelos cinemas: educado, inteligente e sedutor. A figura do Drácula com sua elegante capa preta, os caninos protuberantes e o olhar perturbador, tornaria referência obrigatória para o gênero, influenciando todas as futuras adaptações do livro de Bram Stoker. O sucesso, de público e de crítica, e a exposição de Bela Lugosi nas várias continuações rodadas pela própria Universal transformaram o ator no primeiro grande ícone do cinema de horror. Associado à imagem do vampiro, personagem e intérprete se fundiram, criando um vínculo confuso que acompanhou a carreira do ator até a sua morte em 1956.
A Universal ficou conhecida por, após o êxito de bilheteria de Drácula, adaptar todos os chamados monstros clássicos, como o monstro de Frankenstein, A Múmia, O Lobisomem, O Homem Invisível e O Fantasma da Ópera. Pela primeira vez o gênero fantástico entrava em evidência, tornando-se extremante popular e imortalizando outros nomes, como os dos atores Boris Karloff e Lon Chaney Jr., que juntavam-se a Bela Lugosi no hall dos primeiros ídolos americanos do cinema de horror.
No entanto, a Universal acabou explorando a exaustão o personagem criado por Bram Stoker. Continuações de qualidade duvidosa, inserindo filhos, filhas e noivas para Drácula e ainda crossovers como A Casa de Drácula, onde o Conde contracena com o Monstro de Frankenstein e o Lobisomem, acabaram desgastando a imagem do vampiro diante o público, que já não levava a sério as produções do estúdio. Uma última reunião dos monstros clássicos aconteceria na comédia que se tornaria o símbolo da decadência do gênero dentro do estúdio, a paródia caça-níqueis Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948).
Os Vampiros em Cores da Hammer
Em 1958, a produtora inglesa Hammer adquiriu os direitos para filmagens de Drácula e dos outros célebres personagens de horror da Universal.
O primeiro grande trunfo do estúdio era uma inovação recém criada chamada technicolor. Finalmente o público veria o vermelho extravagante do sangue das pobres vítimas de Drácula. Procurando atrair ainda mais o público masculino, a Hammer não pensou duas vezes e aumentou as doses de erotismo e sensualidade, inserindo lindas mulheres em decotes quase sempre generosos.
Outra vantagem do estúdio britânico era poder contar com a paisagem do velho mundo como cenário. Enquanto os americanos utilizavam cenários artificiais, a Hammer abusava das tomadas externas, mostrando castelos verdadeiros e belas florestas naturais.
Assim como a Universal projetou os astros Bela Lugosi e Boris Karloff, a Hammer imortalizou os atores Christopher Lee como Conde Drácula e Peter Cushing como o caçador de vampiros Dr. Van Helsing. Grande parte do sucesso do novo ciclo de Dráculas do estúdio inglês deve-se a atuação marcante e enigmática de Lee.
Dentre uma dezena de produções vampíricas, quatro se destacam por marcarem um novo começo para a mitologia do personagem: O Vampiro da Noite (Horror of Dracula, 1958), Drácula – O Príncipe das Trevas (Dracula – Prince of Darkness, 1966), Drácula – O Perfil Do Diabo (Dracula Has Risen From the Grave, 1968) e O Conde Drácula (Scars of Dracula, 1970).
Mas nem só de Drácula sobreviveram os vampiros da Hammer. O estúdio resolveu adaptar o escritor que segundo os especialistas é a maior influência literária de Bram Stoker, o também irlandês Sheridan LeFanu. Foram três filmes de erotismo ainda mais acentuado, que ficaram conhecidos como a Trilogia Karnstein: Carmilla, a Vampira de Karnstein (The Vampire Lovers, 1970), Luxúria de Vampiros (Lust For a Vampire, 71) e As Filhas de Drácula (Twins of Evil, 71).
Eu Era Um Vampiro Adolescente
Anos 80. Foram-se os hippies. Foi-se a disco music. Foram-se os hormônios a flor da pele dos vampiros da Hammer. O mundo se renova. O cinema entra na era dos efeitos especiais e dos blockbusters. Chega a hora do cinema romper com o personagem de Bram Stoker e criar novos vampiros. Esqueça o passado e o romantismo. Os vampiros vivem no presente. Em vez de castelos, as criaturas estão nas grandes cidades. Podem ser seu vizinho. Em vez de música clássica, a trilha sonora agora é rock and roll. Os vampiros são jovens e bem-humorados.
Três filmes são emblemáticos desta fase, que alguns chamam de terrir: A Hora do Espanto (Fright Night, 1985), Garotos Perdidos (Lost Boys, 1987) e Deu a Louca Nos Monstros (Monster Squad, 1987).
Vampiros em Crise
Ainda na década de oitenta surge um novo tipo de personagem no cinema: o vampiro atormentado. É o vampiro reflexo do homem moderno: inacabado, repleto de dúvidas e muitas vezes deprimido. Um dos primeiros exemplares desta nova categoria aparece numa produção de 1987, dirigida por uma mulher, a cineasta californiana Kathryn Bigelow. Em síntese Quando Chega a Escuridão é um road movie que narra a história de amor dramática entre uma vampira e um rapaz do interior. Outro bom exemplo de vampiros depressivos é a ótima adaptação do romance de Anne Rice, Entrevista Com Vampiro (Interview witth a Vampire, 1994). Em tom introspectivo e melancólico, o vampiro Louis (interpretado pelo galã Brad Pitt) conta para um jornalista todas as suas desventuras, desde que foi mordido, 200 anos antes.
Uma produção recente que merece destaque é o sutil Deixe Ela Entrar (Låt Den Rätte Komma In, 2008). Esta excelente produção sueca conta o drama da delicada amizade entre dois adolescentes: Oskar, um garoto solitário e esquisito que é frequentemente humilhado na escola e Eli, uma vampira que vive os seus eternos 12 anos de idade.
Retorno aos Clássicos
Com Drácula, de Bram Stoker (1992), o cineasta Francis Ford Coppola presta uma grande homenagem ao personagem, rodando um filme cujo roteiro tenta ser fiel ao livro e o visual (cenário, efeitos e cores) se assemelha ao das produções antigas. Seguindo esta mesma perspectiva, é lançado dois anos depois Frankenstein, de Mary Shelley, dirigido pelo britânico Kenneth Branagh (1994).
Em 2000, é a vez de Nosferatu ser homenageado com A Sombra do Vampiro. Misturando personagens reais e ficção, o filme mostra o set de filmagens da produção de 1922 sendo aterrorizado por um vampiro de verdade. A criatura seria o próprio o ator Max Schreck, interpretado brilhantemente por Willian Dafoe.