4.6
(9)

Um Drink no Inferno
Original:From Dusk Till Dawn
Ano:1996•País:EUA
Direção:Robert Rodriguez
Roteiro:Robert Kurtzman, Quentin Tarantino
Produção:Gianni Nunnari, Meir Teper
Elenco:Harvey Keitel, George Clooney, Juliette Lewis, Quentin Tarantino, Salma Hayek, Cheech Marin, Danny Trejo, Tom Savini, Fred Williamson, Michael Parks, John Saxon, Marc Lawrence, Kelly Preston

Quando o vampirismo abraça a diversão, o gênero é agraciado por filmes fantásticos como A Hora do Espanto (1985), Os Garotos Perdidos e Quando Chega a Escuridão (ambos de 1987), além de Vampiros de John Carpenter (1997) e Um Drink no Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996), o melhor trabalho de Robert Rodriguez. Distante da concepção original, que trazia as “criaturas da noite” como seres por vezes romantizados, envoltos em erotismo e estabelecidos em castelos e mansões góticas, os vampiros de Quentin Tarantino e Robert Kurtzman (O Mestre dos Desejos, 1997) são seres vorazes e abomináveis, agressivos e caçadores, representando metaforicamente a visão que os americanos têm dos mexicanos.

Lançado no Brasil em abril de 1996 – tive o privilégio de vê-lo nos cinemas em uma pré-estreia no shopping Plaza Sul -, o longa chamava a atenção pela tagline: “Eles mataram 13 policiais, 4 civis e são os heróis. Imagine os vilões.“, além, é claro, de referenciá-lo aos trabalhos anteriores dos envolvidos, como Pulp Fiction e A Balada do Pistoleiro. Um Drink no Inferno conquistou quase U$60 milhões em sua passagem pelo mundo todo, com mais de 60% de aprovação no Rotten Tomatoes, ainda que também tenha sido malhado por alguns críticos mal humorados como Desson Howe, do The Washington Post, que o definiu como “um monumento à sua própria falta de imaginação“, o que, convenhamos, é uma opinião absurda tendo exatamente no acerto imaginativo um dos seus principais méritos.

Trata-se de um filme dividido em duas partes: com uma hora de road movie, com dois criminosos em uma tentativa de fugir dos EUA com o fruto do roubo e tendo uma família de refém; e pouco mais de quarenta minutos de um terror claustrofóbico, em que os sobreviventes tentam se defender de uma horda de monstros sanguinários em uma boate. As duas são funcionais, seja pelo protagonismo de bandidos insanos com frases muito bem colocadas no roteiro de Quentin Tarantino, ou pelos personagens peculiares que são descobertos em um cenário libidinoso com músicas características e danças sensuais. Tudo funciona bem para a proposta divertida, como os efeitos especiais e a maquiagem, a trilha sonora e o bom humor, assim como o ótimo elenco e a direção consciente de Rodriguez.

Tem início na loja de bebidas Benny’s World of Liquor, onde o atendente Pete Bottoms (John Hawkes) folheia uma revista e tem uma conversa tranquila com o texas ranger Earl McGraw (Michael Parks, que já atuou com o mesmo personagem em Kill Bill, Planeta Terror e À Prova de Morte), sabendo da fuga de dois perigosos assaltantes, Seth (George Clooney) e Richie Gecko (Quentin Tarantino). Ao ir ao toalete, os irmãos aparecem com uma refém, com as insinuações de Richie de que o balconista teria mandado um sinal para o policial. Eles voltam a se esconder, com a máxima de Seth, sem uma tradução adequada: “Everybody be cool. You… be cool.“. Menos de um minuto depois, Richie estoura a cabeça do ranger, dizendo que teria visto um sinal feito com os lábios, e acontece o confronto com Pete, resultando em seu corpo queimado, ainda atirando na dupla, e um furo na mão do vilão.

Seth: Nunca tente fugir de nós. Eu tenho seis amiguinhos e todos eles podem correr mais rápido do que você.

Pela estrada, com os créditos surgindo elegantemente, a imagem permite que o público veja a tal funcionária do banco que fora sequestrada e anunciada em uma reportagem na TV com a repórter Kelly Houge (Kelly Preston, que voltaria a fazer o mesmo papel em Eles Matam, Nós Limpamos) entrevistando o agente do FBI Stanley Chase (John Saxon em participação especial). Quando a matéria se referencia a Richie como um estuprador, o público já entende o destino da sequestrada, depois que Seth a deixa sozinha com o irmão. Perto dali, uma família faz uma refeição em um restaurante, planejando os rumos da viagem de RV e falando sobre a falta de fé do ex-pastor Jacob Fuller (Harvey Keitel), depois que perdera a esposa em um acidente. Ele está acompanhado de seus filhos, Kate (Juliette Lewis) e Scott (Ernest Liu), sem imaginar que momentos depois quase atropelarão Seth e serão visitados pelos irmãos, requisitando o veículo e a presença deles até chegar ao México para encontrar o bandido Carlos (Cheech Marin, em um dos seus três papéis no filme), que irá ajudá-los a chegar em El Rey.

Kate: Onde você está nos levando?
Richie: México.
Kate: O que há no México?
Richie: Mexicanos.

Quase são descobertos pelo guarda da fronteira (novamente Cheech Marin), mas conseguem fazer a travessia e rumar para o ponto de encontro, a boate Titty Twister. Uma parada de caminhoneiros e motoqueiros, o ambiente já deixa transparecer sua personalidade, com dizeres luminosos e seios em destaque, além da chamada do porteiro (outra vez Cheech) sobre as mais variadas vaginas presentes no local. Seth e Richie o golpeiam na entrada, e adentram com a família em um ambiente imenso, com belíssimas mulheres seminuas dançando por todos os cantos, ao som da trilha sonora da banda Tito & Tarantula, com “Angry Cockroaches” e depois a excelente “After Dark“, em uma das melhores cenas do filme, quando acontece o show da Santanico Pandemonium – referência ao filme Satânico Pandemonium (1975), de Gilberto Martínez Solares -, na interpretação de Salma Hayek, inicialmente com uma cobra envolta ao pescoço.

No ambiente, destacam-se o bartender Razor Charlie (Danny Trejo, com mais de 400 papéis no currículo, como o do anti-herói Machete), o cliente Sex Machine (Tom Savini, em um de seus melhores papéis), que possui uma arma no genital e habilidade com chicote, e o grandalhão Frost (Fred Williamson), que foi combatente do Vietnã. Bebidas e confusões acontecem no recinto, até que o olhar da Santanico pede que as portas do estabelecimento sejam fechadas para “servir o jantar“. Todas as mulheres e atendentes se transformam em vampiros e começam a atacar o público, obrigando a família Fuller a se unir com Seth, depois que Richie teve o ombro dilacerado para posteriormente se transformar em monstro.

A sequência é frenética, mostrando vários episódios divertidos de combate, como o de Frost, que usa as pernas de uma mesa para cravar quatro vampiras, e a luta de Sex Machine pelas mesas de bilhar. Alguns dos vampiros acabam se transformando em outras criaturas, como um morcego gigante e outras aberrações (algumas deixadas de fora da edição final, mas podem ser vistas em vídeos especiais no Youtube), até que todos estejam mortos e tenham sofrido combustão. Ouvindo sons de morcego do lado de fora, o combate com um vampirizado Sex Machine permite que uma passagem se abra para as criaturas, e todos se escondem em um depósito, preparando-se para um confronto final. É claro que você poderia se perguntar por que eles não esperaram amanhecer, mas nem irá se importar desde que uma luta desigual aconteça com mais momentos intensos de diversão.

Seth: Você tem uma cruz?
Jacob: No RV.
Seth: Em outras palavras, não.
Scott Fuller: Do que você está falando? Temos cruzes por todo o lado. Tudo o que você precisa fazer é juntar dois gravetos e obter uma cruz.
Sex Machine: Ele está certo. Peter Cushing faz isso o tempo todo.

Um Drink no Inferno está entre os meus filmes favoritos de vampiro. É daqueles que você acaba assistindo diversas vezes até perder a conta, sabe boa parte das falas – as que estão em destaque neste texto, por exemplo -, e gosta de todas as ideias apresentadas, todas as decisões do roteiro, além dos aspectos técnicos, como os enquadramentos, o posicionamento da câmera (tem até a assinatura de Quentin Tarantino na cena do porta-malas) e os efeitos especiais e visuais, proporcionados por Robert Kurtzman e Greg Nicotero. Até mesmo a caracterização do personagem de Tarantino, como uma pessoa violenta e com tendências esquizofrênicas, denota um cuidado especial na profundidade de Richie. George Clooney também está bem à vontade em seu papel de vilão-herói, mesmo o ator na época sendo mais reconhecido como um popular doutor de Plantão Médico. E pensar que ele quase fora substituído por Joseph Pilato, conforme trailer disponível na internet com direção de Kurtzman.

Vendido como um filme B principalmente pelo trailer mal concebido, Um Drink no Inferno não se pode definir com esse rótulo. Muito bem realizado e distante de designações trashes, o filme é um ótimo acerto de todos os envolvidos, e despertaria o interesse no desenvolvimento de uma franquia. Depois vieram os inferiores Um Drink no Inferno 2: Texas Sangrento, de Scott Spiegel, e Um Drink no Inferno 3: A Filha do Carrasco, de P.J. Pesce, ambos de 1999. E também seria produzida a série de TV, lançada em 2014, com o envolvimento de Robert Rodriguez. Teve três temporadas, ampliando a mitologia proposta no primeiro filme. São amostras de que o filme original assumiu a vestimenta de um clássico, e que iria inspirar muitas outras obras do gênero.

Carlos: Então, o quê? Eles eram psicopatas, ou…?
Seth: Eles pareciam psicopatas? É assim que eles se pareciam? Eles eram vampiros. Psicopatas não explodem quando a luz do sol os atinge, por mais loucos que sejam!

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Média da classificação 4.6 / 5. Número de votos: 9

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5 Comentários

  1. Esse filme jamais deixará de ser divertido.

  2. Filme espetacular e até de certa forma, muito subestimado. A virada de chave , quando se transforma em filme de vampiros, é sensacional. E aquela cena com a Salma Hayek…

  3. Filme épico!
    Um dos últimos a retratar vampiros com certo respeito.
    Ideia genial e atuações incríveis 😀
    O filme é carismático e pesado!

  4. Esse filme é muito arte rsss, e eu sempre fico de cara de ver Juliette Lewis, Harvey keytel, Danny trejo, Tarantino, George cloney, Robert Rodriguez, e até o John saxon (nem lembro dele nesse filme), vampiros, tudo no mesmo balaio. Massa demais rsss é quase um Marte ataca!, uma grife de atores foda num filme maravilhoso de absurdo

    1. Esse filme e nostálgico demais. Uma obra clássica. E a cena da Salma Hayek então…

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