Desde Na Solidão da Noite, percebeu-se que o formato antologia, a reunião de pequenas histórias de terror tendo um fio condutor em comum, é uma maneira bem atrativa para o gênero fantástico. Após essa congérie pioneira, o formato se multiplicou em dezenas de outros contos, sobrenaturais e urbanos, com vínculo a HQs ou simplesmente como produções à parte, aproveitando o ótimo custo-benefício proporcionado. Contudo, apesar dos exemplares em boa quantidade, nota-se que a licantropia nunca foi um dos temas preferidos pelos realizadores, como se a maldição da criatura fosse além da aparição da Lua Cheia.
Uma das prováveis teorias desse descaso com o tema pode ter relação com as dificuldades envolvidas, que vão desde o uso de efeitos especiais caprichados, passando pelas longas horas de maquiagem e até mesmo pela necessidade de filmá-las quase que inteiramente em ambientes noturnos. Se a opção de escolher esse formato pelas produtoras, como a especialista Amicus, está no orçamento reduzido, os lobisomens acabam não sendo uma opção viável, mesmo tendo em vista os inúmeros fãs desse subgênero. Ainda assim, é possível encontrar alguns exemplares, bastando apenas prestar atenção ao ciclo lunar e fazer uma breve pesquisa em seu catálogo pessoal.
O primeiro homem-lobo das antologias oriunda da década de 60, mais precisamente do ano 1965, no exemplar pioneiro desse formato pelo estúdio inglês Amicus. Com direção de Freddie Francis e estrelado por um novinho Donald Sutherland e pelos lendários Christopher Lee e Peter Cushing, é este último que se sobressai em As Profecias do Dr.Terror, ligando as histórias através das cartas de Tarô lidas durante uma viagem de trem a cinco estranhos pelo “Doutor Terror” com sua “casa dos horrores“. Logo o primeiro segmento, intitulado “Lobisomem“, Neil McCallum interpreta Jim Dawson, um arquiteto que foi chamado para a antiga morada da família, vendida para uma viúva (Ursula Howells) que pretende fazer algumas mudanças em seu interior. Após ouvir os primeiros uivos, ignorados pela anfitriã, ele logo percebe que terá confrontar uma criatura insana, uma herança assassinada por um antecedente e que agora busca vingança.
Com os baixos recursos da produção, o segmento praticamente não apresenta a criatura, apenas seus dentes em movimentos rápidos da câmera. Aparentemente, o diretor não tinha interesse nesse subgênero ao apresentar possivelmente a história mais fraca da antologia, lenta e discreta, embora seja lembrada como a primeira produção de lobisomens nesse formato curto. Se o exemplar inicial não trouxe assim uma boa recordação, o filme seguinte superou as expectativas ao apresentar uma antologia inteira com histórias da criatura. A Companhia dos Lobos, de 1984, de Neil Jordan, traz uma referência à Chapeuzinho Vermelho, com contos curtos envolvendo licantropia, nas narrações da vovó (Angela Lansbury), unindo-os em um relato único.
Também foi realizado com um orçamento baixo, com filmagens em estúdio, mas os efeitos de maquiagem compensaram o trabalho, levando-o a vários prêmios. Só para se ter uma ideia, os lobisomens, vítimas de uma metáfora sobre a puberdade e a perda da inocência, rasgam a pele de seus hospedeiros, na maior expressão de dor que um amaldiçoado pode sentir. Eles aparecem aos montes, sejam num jantar entre nobres ou simplesmente na cartilha do conto infantil, com a protagonista, vestida em tons vermelhos, decide visitar a vovó. Um filme belíssimo, com conteúdo mágico e uma atmosfera lúgubre.
Em 1986, mais uma referência à Chapeuzinho, mas numa versão mal contada e exageradamente erótica. Trata-se de Contos do Terror, de Jeffrey Delman, com o segundo segmento trazendo um homem amaldiçoado pela Lua, tendo que tomar remédios para evitar a transformação. Quando a Chapeuzinho Rachel (Nicole Picard) leva por engano os medicamentos do rapaz, imaginar se tratar de remédios para a avó, resta à criatura visitá-las para se vingar de sua condição inevitável. Mal dirigido e apelativo, a maquiagem até disfarça a pobre realização, embora o lobisomem não apareça mais do que cinco minutos em cena, num final óbvio, bobo e sem ousadia, como o contador de histórias (Michael Mesmer) que tenta convencer o sobrinho a aceitar seu sono.
Lobisomens voltariam a aparecer no obscuro Exhumed, de 2003, uma antologia dividida em três episódios envolvendo mortos-vivos e um artefato poderoso em períodos de tempo distintos. O terceiro capítulo ocorre em um futuro pós-apocalíptico onde gangues rivais de vampiros e lobisomens roqueiros se enfrentam nas cidades em ruínas. A maquiagem é extremamente simples – com a aparência lembrando as criaturas das séries Buffy, A Caça-Vampiros e Angel -, e as atuações são amadoras ao extremo, lembrando o espectador que se trata de uma produção independente, dirigida e roteirizada por Brian Clement. O destaque fica por conta da relação lésbica entre as criaturas na pele da vampira Cherry (Chelsey Arentsen) e na lobisomem Zura (Chantelle Adamache) e algumas cenas de nudez gratuitas.
Contos do Dia das Bruxas seria a próxima produção com pequenas histórias a ter a licantropia envolvida. Lançado em 2007, por Michael Dougherty, o longa traz contos de horror com personagens que se cruzam numa única noite de Halloween, em sequências não lineares ao estilo Pulp Fiction. Anna Paquin faz Laurie, uma das garotas que procuram diversão na noite fantasiadas de princesas e personagens infantis. Elas cruzam o caminho de uma criatura assassina, mas as aparências podem enganar nessa noite maldita repleta de surpresas. Os efeitos são extremamente adequados para a proposta, lembrando as transformações vistas em A Companhia dos Lobos, porém o que chama a atenção são as divertidas interpretações caricaturais e a produção bem realizada.
Por fim, o último segmento a ter uma referência aos lobisomens está na antologia Chillerama, lançada em 2011, com o envolvimento de vários nomes do gênero como Adam Green, Joe Lynch e Tim Sullivan. O conto “I Was a Teenage Werebear“, de Sullivan, traz Sean Paul Lockhart como Rick, um rapaz que está confuso em relação aos sentimentos que tem pela namorada Peggy Lou (Gabrielle West), principalmente quando ele conhece Talon (Anton Troy). Quando assume sua homossexualidade, ele se transforma num “werebear“, uma criatura similar a um lobisomem, mas com roupas de couro. Ambientado em 1962, trata-se de uma paródia – também assumida – a musicais e filmes como Grease, Juventude Transviada e até a Saga Crepúsculo. O uso do termo “bear” (urso) faz parte da cultura gay representada por homens peludos e com barba – algo que soa interessante e inovador pela relação com licantropia, o “sair do armário” e “transformação“. Pelos efeitos toscos e pela ideia criativa, a antologia inteira já vale uma conferida, principalmente pelo episódio “The Diary of Anne Frankenstein“.
É provável que possam existir outras produções, divididas em pequenas histórias, sobre o subgênero licantropia, pois o universo cinematográfico vai além do popular, do que é divulgado nos canais de cinema. Optei por não relacionar curtas-metragens em produções isoladas, nem episódios de séries de TV como A Casa do Terror da Hammer e seu capítulo Os Filhos da Lua Cheia – algo que rende outros artigos, com mais ampla pesquisa. De todo modo, o que se nota é que são realmente poucas as antologias que contenham a criatura da noite, um pecado que poderia culminar numa revolta sangrenta em um certo período do mês. É bom ficar atento!
Você conhece os 5 tipos de LOBISOMENS? Dá uma olhada então 🙂
https://www.youtube.com/watch?v=j2dD8AGT2iE&t=2s