“Em 1980 a Paramount Pictures lançou tanto ‘Gente como a Gente’ – que ganhou o Oscar de melhor filme – quanto ‘Sexta-Feira 13’. Qual destes dois filmes você acha que é o mais lembrado atualmente?” – William Lustig
Capítulo 3 – A Cena do Crime – Os Drive-ins e a Rua 42
Através dos capítulos anteriores você já deve saber que dos anos 30 aos 80 um universo paralelo de produção e exibição de filmes se formou nos Estados Unidos, e o ponto neural de seu sucesso foi um fenômeno começado e proliferado nos States: os famosos drive-ins.
Uma breve introdução, portanto, deve ser feita para se entender um pouco da popularidade destes estabelecimentos e seu envolvimento com o exploitation: um drive-in é basicamente um cinema ao ar livre, com uma enorme superfície branca onde a película é projetada (qualquer coisa, de uma parede pintada a uma lona esticada),uma cabine de projeção, um grande estacionamento e, claro, um lugar para comprar pipocas e doces.
O primeiro drive-in foi patenteado em 1933 por Richard M. Hollingstead Jr., o filho de um magnata da indústria química. Sentindo-se acomodado com seu posto nos negócios da família, Hollingstead veio com a ideia para o projeto após notar dois problemas nos cinemas da época: se os pais com filhos pequenos quisessem ver um filme eles teriam que arrumar uma babá durante a noite e como a maioria dos cinemas ficavam nos centros urbanos, achar um lugar para estacionar era um inferno à parte.
Realizando o protótipo em suas próprias terras, experimentou diferentes opções para aperfeiçoar a projeção de som e vídeo. Após a patente, Hollinstead fundou o primeiro drive-in do mundo na cidade de Camden, Nova Jersey no dia 6 de junho de 1933. O êxito financeiro do empreendimento fez muitos abrirem os seus próprios por todo o país.
Os primeiros drive-ins tinham uma única fonte de som geralmente na frente do terreno, ou seja, se seu carro ficasse muito longe da tela, o áudio chegava atrasado em relação à imagem, além disso, o barulho incomodava os moradores nas proximidades dos estabelecimentos. O problema foi solucionado futuramente com auto-falantes portáteis individuais inseridos em cada vaga do drive-in (que muitas vezes eram roubados pelos frequentadores), depois a tecnologia evoluiu para que o som fosse transmitido através de uma frequência AM ou FM para o rádio do veículo, permitindo também a transmissão em estéreo.
Em 1948 havia cerca de 800 drive-ins nos Estados Unidos, número que explodiu para mais de 4 mil em 1958 e nos próximos 15 anos flutuaria entre 3300 e 3500. O número foi declinando com o tempo e no fim dos anos 80 – a década do VHS – a quantidade em funcionamento era menos de mil. A coisa só ia piorar com os multiplexes e o “jabá” delas com os estúdios maiores e hoje é coisa para nostálgicos apenas.
O grande trunfo dos drive-ins, diferentemente do que idealizava seu criador, era aliar três paixões do estadunidense médio: carros, cinema e sexo adolescente. Não tardou para que o horror invadisse também os drive-ins – filmes como Deathdream (1972), Kiss of Tarantula (1975), Na Mira da Morte (1968) e, claro, Drive-In Massacre (1976) possuem cenas de tensão rodadas dentro dos cinemas ao ar livre.
Outra coisa interessante era que você nunca sabia o que esperar de uma sessão em um drive-in. Os pôsteres e peças publicitárias desenvolvidos pelos distribuidores eram desenhados de tal forma que prometiam o “choque de sua vida” e “o espetáculo mais grosseiro de todos os tempos”, mas – variando de lugar para lugar – outras “forças” contribuíam para esta surpresa.
Os donos de drive-ins regularmente mudavam o título do filme em exibição e desenvolviam novos cartazes e letreiros – feitos a canetinha se fosse necessário. Um gerente podia pedir ao projecionista editar o filme, especialmente se a tela ficasse de frente para um acesso à rodovia, para não correr o risco de causar um “acidente” – um motorista na rua poderia ver sem querer um membro sendo cortado ou uma mulher pelada na tela do drive-in e bater com o carro.
Películas também eram cortadas a revelia para que os projecionistas ficassem com as partes “mais legais” de sexo e violência em sua coleção particular e, como se não fosse suficiente, a própria distribuidora editava versões diferentes de um único filme conforme as características culturais de cada região do país onde a película seria exibida – isso quando não era furtado um rolo de celuloide da cabine… Era um samba do afro descendente com problemas mentais.
A bagunça era tão grande que os fãs conversando entre si sobre o assunto encontravam discrepâncias absurdas na exibição do mesmo filme em locais diferentes, o que fez com que algumas produções ganhassem reputações míticas, forçando os fãs a se deslocarem às vezes centenas de quilômetros para o estado vizinho torcendo para que o mesmo filme estivesse sendo exibido lá sem cortes. Claro que se os drive-ins te deixassem na pior, sempre havia a opção de ir até Manhattan onde o El Dorado do exploitation estaria esperando…
A 42nd Street de Nova York, localizada entre as avenidas 7 e 8, era um círculo dantesco, mesclando casas de strip e cinemas num mar de concreto e néon que possuía um glamour diabólico. Mistura perfeita para se exibir um exploitation, o que originou as sessões duplas chamadas Grindhouses (se não sabe o que é uma Grindhouse, procure saber mais sobre os filmes Planeta Terror e À Prova de Morte, a sessão dupla de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez que homenageiam este movimento).
Para assistir um clássico do exploitation como Ilsa, She Wolf of SS (1975) ou Fight for your Life (1977) nesta rua era preciso nervos de aço, malícia e carregar um pouco de psicose na bagagem mental. Isto porque essas salas eram frequentadas por toda a sorte de malucos esquisitóides que compravam UMA entrada e permaneciam lá o dia inteiro. Drogas eram vendidas e consumidas indiscriminadamente e pessoas comercializavam e faziam sexo nos banheiros ou nos balcões, o que deixavam o chão e os bancos suspeitamente grudentos.
Alguns (muito poucos) iam para lá só pelo prazer da produção mesmo e pela possibilidade de encontrar uma diversão confortável em frente à tela grande, até porque boa parte dos cinemas da rua 42 eram casas de óperas desativadas.
Diretores como Willian Lustig (Maniac, 1980) e Frank Henenlotter (Basket Case, 1981) eram ardorosos espectadores dos filmes da rua 42. Lustig comenta: “Eu matava aula na escola para ir até a rua 42 e assistir um atrás do outro. Eu me apaixonava por todos eles“.
Infelizmente com a prostituição e as drogas se elevando a níveis epidêmicos na região da 42nd Street, o endereço passou a ser associado a falta de moralismo e a má influência dos jovens estadunidenses e pouco a pouco foi perdendo seu charme, porém isso não impediu que um verdadeiro êxodo se formasse por fanáticos por estas estranhas películas.
Capítulo 4 – Assassinos no Exploitation – Serial Killers, Psycho Killers e Slashers
Zodíaco, Charles Manson, David Berkowitz, Ted Bundy, John Gacy… Estes e outros serial killers se infiltraram no medo coletivo do povo estadunidense nos anos 60 e 70. Normalmente caracterizados como pessoas comuns, os serial killers de verdade se misturavam às pessoas nas ruas e a histeria não podia ser mais proveitosa para os produtores independentes. Assim não demorou muito para que a resposta do exploitation aparecesse nas telas da 42nd Street e nos drive-ins.
A fórmula no cinema era simples: maníacos que não se passavam por “gente normal” atrapalhavam a narrativa, então era melhor que a audiência apenas suspeitasse, tentasse descobrir quem seria o autor das fatalidades, alternando momentos de tensão, investigação e violência. A medida que os crimes de verdade eram divulgados e a censura baixava a guarda, as produções cresciam em sanguinolência.
Enquanto alguns de vocês devem pensar que a noção de um produtor se inspirando em crimes como estes é deplorável, basta considerar que os filmes de terror nos ajudam a lidar com nossos próprios medos reais. Sem me estender na parte psicológica do assunto, o medo confrontado na tela torna nossos medos reais menos contidos. Os jovens que eram assassinados de verdade por serial killers visualizavam o maníaco no cinema e lidavam mais facilmente com a ameaça. Adicionalmente os filmes violentos eram uma boa forma de alimentar a mórbida fascinação que a brutalidade na vida real inspira nas pessoas.
Para os que ainda estão preocupados com ao mau gosto em explorar a resposta a realidade, coloquemos que Alfred Hitchcock no longínquo ano de 1960 lançou o seminal Psicose – a adaptação do livro de Robert Block -, que foi baseado nos crimes de Ed Gein, o necrófilo de Winsconsin, e que foi lançado apenas três anos depois da prisão de Gein em novembro de 1957. Isto torna o filme uma espécie de exploitation por seu próprio conceito de resposta rápida. Os crimes de Gein inspirariam tratamentos mais vicerais em O Massacre da Serra Elétrica e Deranged, ambos de 1974.
A “zona de conforto” propiciada pelo cinema dos anos 60 foi se desvanecendo à medida que os serial killers se tornavam ainda mais sádicos nos anos 70. Os independentes exploraram o nicho à altura em produções como Don’t Answer the Phone (1979), Hitch Hike to Hell (1977), The Toolbox Murders (1977), Victims (1977), Don’t Go in the House (1979), Maniac (1980), etc.
De maneira que duas vertentes cinematográficas similares (mas não iguais) foram criadas: a dos assassinos de hippies caroneiros como os citados acima e os que encontraram em Charles Manson um novo monstro para se explorar. Estes últimos eram os “psycho killers“, produções sobre assassinos sociopatas de mente deturpada e que seguem uma ideologia sádica própria, habitualmente em conjunto com consumo de drogas e desvios sexuais.
Nesta barca temos, por exemplo, The Centerfold Girls (1974), o famigerado Snuff (filmado em 1971 e lançado em 1976), Death Game (1976) e juntando com a paranoia do Vietnã ainda The Ravager (1970), My Friend Needs Killing (1976), entre outros.
Outra mensagem que estes filmes nos passam é a de “não acreditar em ninguém“, seja um magricela como em Scream Bloody Murder (1972), uma carola em Evil Come Evil Go (1972), uma senhora obesa de meia idade em Criminaly Insane (1975), um simpático garoto rico em I Dismember Mama (1972) ou até William Shatner em Impulse (1974).
Nem as crianças escapavam da subversão e violência. Depois de O Exorcista (1973), o filme de horror mainstream mais celebrado dos anos 70, os cineastas viram neste tabu infantil outros lucrativos filões: Devil Times Five (1973), The Child (1980), Bloody Birthday (1980) e Friday the 13th: The Orphan (1977, não confundir com o popular slasher lançado anos depois), trouxeram crianças maquiavélicas em suas veias. Bebês também se comportavam mal se incluirmos It’s Alive (1974) de Larry Cohen para a Warner Bros ou Filhos do Medo (1979) de David Cronenberg.
Só que não houve só sangue por sangue; tentativas de humanizar os vilões aconteceram esporadicamente naquela época. Dream no Evil (1972), Pigs (1972) e Axe (1974), são exemplos de produções que davam um tempo na sanguinolência de vez em quando para tratar aspectos psicológicos e fraquezas de seus antagonistas. A violência fantasiosa calçada na realidade foi se desvanecendo e se tornando cada vez mais rasteira até o grande hit de 1979 a 1985, os Slasher Movies.
Colocando à parte os gialli italianos, um das principais influências dos Slashers foi a produção canadense Black Christmas (1974) – dirigida pelo americano Bob Clark de futura fama com a comédia Porky’s (1982) – que possuía todas as características combinadas dos Psycho Killers e futuros Slashers, com atmosfera opressora, paranoia, “não acredite em ninguém“, reviravoltas e malícia – sempre seguindo a fórmula “caçar-e-matar”. Em 1976 outro pré-slasher com um excelente timing causou menos burburinho do que merecia, Communion, dirigido por Alfred Sole e com participação de Brooke Shields – re-lançado como Holy Terror, após o sucesso da atriz em A Lagoa Azul.
Então em 1979 veio John Carpenter e seu Halloween e a história se fez celuloide. A partir daí datas comemorativas anuais ganharam seus próprios filmes de terror (Bloody Birthday, Feliz Aniversário para Mim, Christmas Evil, Dia dos Namorados Macabro, Réveillon Maldito…), bem como os açougues de acampamento, (Sexta-feira 13, A Vingança de Cropsy, Sleepaway Camp), casas de república (The House on the Sorority Row, Sorority House Massacre, To All Goodnight), caroneiros maníacos (Don’t Go In The Woods, The Forest), escolas (Final Exam, Graduation Day, A Morte Convida para Dançar) e até hospitais (X-Ray, Visiting Hours).
O que é notório é que os grandes estúdios passaram a se interessar imensamente pelo gênero e criaram seus próprios “exploitations” com a promessa de lucro rápido em filmes rasteiros: a Paramount ficou com a franquia Sexta-Feira 13 a partir da parte 2, a Columbia financiou Mensageiro da Morte e Feliz Aniversário para Mim e a MGM produziu Trilha de Corpos. A lista segue extensa se incluirmos os filmes produzidos independentes e distribuídos em seguida pelas grandes.
O resultado interessante é o oposto dos Psycho Killers de outrora: Você se pega antevendo a ação e até torcendo pela morte de um dos protagonistas, a ordem era “seja formulaico!“, “seja óbvio!“. Não dava para ser mais exploitation do que isso.
Na metade dos anos 70 eu assisti a um filme em que uma mulher ficava toda branca (parecia ficar envolta em faixas) e seus olhos ficavam vermelhos. A partir daí vários acidentes aconteciam. Não me lembro do nome deste filme. Alguem poderia me ajudar?
Obrigado.
É o filme “O Engavetamento do Século” (Crash!, de 1976).
Abs
Ótimo texto!
Excelente artigo. Muito bom!