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A base do cinema de horror, assim como a literatura e outras vertentes do gênero, é a sensação de medo, perigo e ameaça de morte causadas pela sua história. Mas enquanto a grande maioria das produções do gênero utiliza este formato tão popular apenas para se contar uma história assustadora, alguns diretores se aproveitam da plataforma para exporem suas visões e críticas sobre o mundo.

O Mensageiro da Morte (1997)
O Mensageiro da Morte (1997)

O filme de terror possui em seu cerne a capacidade de expor o lado negro da alma humana e, talvez por isso, tenha sido tão frequentemente usado para descrever o mundo ao seu redor, indo além de uma simples história assustadora e se tornando um documento sobre seu momento histórico. Foi assim com os invasores alienígenas nos anos 50, no auge da Guerra Fria, e com o horror violento e psicológico dos anos 70, após o fracasso do movimento “Paz e Amor”, para citarmos alguns exemplos mais marcantes.

Nem todos os filmes de horror possuem esta pretensão, mas alguns grandes clássicos do gênero são verdadeiros tratados sociais e políticos. Intencionalmente, ou não, seus diretores e roteiristas incutem suas visões particulares sobre o mundo que os cerca em suas obras.

Sem defender lados ou visões, o Boca do Inferno selecionou 13 Filmes de Horror com Contexto Político que podem te faze pensar sobre o mundo que nos cerca. Pegue sua pipoca, sua camisa da CBF ou sua camisa vermelha e bom filme!

1. Desafio ao Além (dir.: Robert Wise, 1963)

Desafio ao Além (1963) (2)

Um dos maiores filmes de horror de todos os tempos, Desafio ao Além mostra um grupo de pesquisadores de casos paranormais se instalando em uma mansão assombrada em busca de provas da existência de fantasmas. Aos poucos, a investigação aproxima a virgem tímida Eleanor (Julie Harris) e a confiante lésbica Theodora (Claire Bloom) convertendo os acontecimentos sobrenaturais em frutos da mente paranoica e reprimida de Eleanor que luta contra seus impulsos e desejos sexuais. O final simbólico representa a repressão sexual feminina colocando o fim da jovem Eleanor como algo ao qual ela estava destinada desde o começo como mulher e vítima.

2. A Noite dos Mortos-Vivos (dir.: George A. Romero, 1968)

A Noite dos Mortos-Vivos (1968) (3)

A obra seminal de George A. Romero, que estabeleceu definitivamente a mitologia dos zumbis na cultura pop, mostra muito mais do que simplesmente uma epidemia de mortos-vivos. Filmado no auge da luta pelos direitos civis, Romero coloca um ator negro como herói que se destaca enquanto os outros personagens, americanos brancos de classe média, lutam pateticamente contra uma horda de zumbis. O filme estreou nos cinemas americanos seis meses depois do assassinato de Martin Luther King, tornando o final do filme mais impactante ainda.

3. O Bebê de Rosemary (dir.: Roman Polanski, 1968)

O Bebê de Rosemary (1968)

Mais um grande clássico pra nossa lista, O Bebê de Rosemary estreou oito anos após a aprovação do primeiro contraceptivo oral, em uma época onde as mulheres ainda estavam lutando pelos direitos sobre seus próprios corpos. Ira Levin, roteirista do filme, preenche a história de uma jovem mulher passando por uma gravidez indesejada e forçada com conceitos feministas fortíssimos. Em uma passagem emblemática do filme, Rosemary (lindamente interpretada por Mia Farrow), sente que há algo errado em sua gravidez e procura um médico, que não acreditando na história da moça, manda chamar seu marido. Seu marido está tentando vencer na vida e viver o sonho americano às custas da alma da esposa.

4. Aniversário Macabro (dir.: Wes Craven, 1972)

Aniversário Macabro (1972) (1)

Em tempos de “bandido bom é bandido morto”, Aniversário Macabro continua relevante quase cinquenta anos depois de sua estreia. Realizado em um país onde a pena de morte é permitida em alguns de seus estados, este clássico brutal de Wes Craven, que conta a história de um grupo de jovens que estupra, tortura e mata uma jovem, encontrando a vingança de um pai em busca de justiça, expõe a política do “olho por olho” e discute a violência “justificada” que está por trás da ocupação do Iraque após o 11/09, por exemplo. Os fins justificam os meios?

5. O Massacre da Serra-Elétrica (dir.: Tobe Hooper, 1974)

O Massacre da Serra Elétrica (1974) (1)

Quem assiste a esta obra-prima brutal e violenta de Tobe Hooper pode acabar não percebendo o incrível subtexto presente. Desde o diálogo no começo do filme, onde Franklin nos conta como animais são massacrados em um abatedouro, até a presença de uma família canibal que derruba os personagens com pancadas, os penduram em ganchos e os colocam em freezers para servir de jantar mais tarde para os Sawyer (um sobrenome que por si só já é um belo detalhe escondido), O Massacre da Serra-Elétrica serve o tempo todo como um alerta a favor dos direitos dos animais. O próprio diretor disse ter parado de comer carne após as filmagens. Sim, você pode não acreditar, mas estamos falando de um filme pro-vegetariano!

6. Nasce Um Monstro (dir.: Larry Cohen, 1974)

Nasce Um Monstro (1974)

Desenvolvida durante o início dos anos 50 na Alemanha, a droga chamada talidomida era utilizada como tratamento de enjoo durante a gravidez. Porém, alguns anos depois, no início dos anos 60, foi descoberto que o uso da droga durante a gravidez causava deformidades nos fetos. Os mais de 10 mil casos de defeitos congênitos associados à talidomida inspiraram não só Nasce Um Monstro como também Filhos do Medo (David Cronenberg, 1975) e muitos outros filmes sobre experiências com humanos da época.

7. O Despertar dos Mortos (dir.: George A. Romero, 1978)

Despertar dos Mortos (1978) (3)

Nenhuma lista de filmes de terror com subtexto político estaria completa sem a obra máxima de Romero e sua crítica ao consumismo desenfreado. Os zumbis de Romero são uma massa sem identidade que só quer se alimentar do que encontrar pela frente. Se a crítica não está clara o suficiente, que tal colocarmos estes zumbis perambulando por um gigantesco shopping center? Quem já viu uma abertura de loja durante a Black Friday americana vai entender bem do que estamos falando.

8. Alien – O 8º Passageiro (dir.: Ridley Scott, 1979)

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Um grupo de astronautas descobre um perigoso espécime alienígena que os domina e coloca seus embriões em suas gargantas. O que, a princípio, pode parecer apenas o enredo de um filme de horror sci-fi, é também uma ode ao poder feminino. Os homens no filme são violentados, penetrados oralmente e dão a luz violentamente. O Alien representa as mulheres deixando a posição de vítimas de uma sociedade masculina opressiva e tomando o papel de dominadoras ao mostrar os personagens masculinos do filme sendo expostos a tudo aquilo que expuseram as mulheres ao longo de séculos de dominação. Dan O’Bannon, roteirista do filme, disse certa vez em uma entrevista: “Se tem algo que perturba as pessoas, essa coisa é o sexo. E é assim que eu vou atacar a plateia. Eu vou atacá-los sexualmente. E eu não vou atrás das mulheres, eu vou atacar os homens.

9. A Hora do Pesadelo 2 – A Vingança de Freddy (dir.: Jack Sholder, 1985)

A Hora do Pesadelo 2 (1985) (1)

Embora lembrado na maioria das vezes como “a continuação não tão boa de A Hora do Pesadelo”, o segundo filme da franquia se destaca por ousar ao falar de um tema que é tabu até hoje: a repressão homossexual. David Chaksin, roteirista do filme, usa a possessão de Jesse por Freddy como uma metáfora nada óbvia para a sexualidade reprimida do personagem. Alguns detalhes espalhados pelo filme realçam essa metáfora como uma placa de “Proibido Garotas”, algumas cenas envolvendo sadomasoquismo e obras de arte fálicas. O subtexto do filme foi, inclusive confirmado por Robert Englund em uma entrevista onde ele afirma que “a luta de Jesse para sair ou não do armário e seus desejos sexuais particulares são representados por Freddy”. Ironicamente, o próprio ator que interpretou Jesse, Mark Patton, foi “aconselhado” por seu agente a não revelar sua verdadeira sexualidade.

10. A Coisa (dir.: Larry Cohen, 1985)

A Coisa (1985) (2)

A metáfora aqui é bastante óbvia. Um organismo parasita é vendido como guloseima e se torna o produto mais popular dos EUA. A criatura domina o hospedeiro e o transforma em um zumbi faminto. Este clássico do Cinema Em Casa é uma interessante crítica aberta ao consumismo de uma sociedade que adquire qualquer coisa que estiver na moda sem questionar a necessidade daquilo e os impactos prejudiciais em si mesmos e no meio-ambiente.

11. Eles Vivem! (dir.: John Carpenter, 1988)

Eles Vivem (1988) (3)

Carpenter nos conta a história de um operário que descobre que nossa sociedade é dominada por alienígenas graças a um par de óculos escuros que mostram a verdadeira realidade que nos cerca. Lançado logo após o início do primeiro mandato de George Bush, o filme apresenta uma metáfora ao domínio Republicano dos anos 80, à geração yuppie e seu desejo insaciável por dinheiro e sucesso e à propaganda que domina a mente da população com suas ordens para consumir coisas que não precisam para manter uma aparência do que não é.

12. O Nevoeiro (dir.: Frank Darabont, 2007)

O Nevoeiro (2007)

Após uma tempestade que deixa uma pequena cidade incomunicável, seus habitantes vão até o mercado para comprar suprimentos quando são encurralados por um misterioso nevoeiro. Aos poucos o clima de paranoia aumenta enquanto os moradores da pequena cidade se encontram enfrentando um inimigo estrangeiro e invisível totalmente novo e desconhecido. Embora tenha sido baseado em um conto de Stephen King publicado inicialmente em 1980, O Nevoeiro se tornou uma poderosa metáfora para os EUA pós 11/09.

13. Uma Noite de Crime (dir.: James DeMonaco, 2013)

Uma Noite de Crime (2013)

Em um futuro não tão distante todos os crimes são permitidos durante 12 horas da noite de Expurgo. O subtexto aqui é bastante óbvio mostrando os ricos bem protegidos em suas mansões com seus sistemas de segurança de última geração enquanto os pobres são mortos lá fora para manter a sociedade funcionando. O filme ainda mostra como pessoas ganham dinheiro com esta indústria da violência alimentando os piores medos de alguns e gerando o sustento de outros. Para os EUA, o filme ainda fomenta o debate sobre o direito dos cidadãos a ter armas em casa. Pode não parecer, mas Uma Noite de Crime é um filme pacifista.

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3 Comentários

  1. Ótimo texto e excelentes análises. Outro filme que a princípio pode parecer tosco e até quase um porno de mal gosto, mas tem uma uma forte crítica a sociedade, e aos líderes que deveriam nos proteger é o brasileiro Arrombada, eu vou mijar na porra do seu tumulo.

  2. Uma lista muito bem elaborada! E as resenhas estão ótimas! Parabéns ao autor.

  3. Texto fantástico e muito bem elaborado para cada um dos filmes, assisti todos e quero dar os parabéns pela construção das resenhas.

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