(introdução de Marcelo Milici)
Com a exibição do argentino Céu Vermelho: Gigantes de Metal, a nona edição do Festival Boca do Inferno chegou ao fim no dia 02 de abril, no Cine Satyros Bijou, em São Paulo. Contando com um bom público em todas as sessões, com sorteios e presenças ilustres, o evento mostrou mais uma vez a força do cinema independente fantástico pelo mundo, e o quanto ainda existe interesse por festivais de borda, realizados com o esforço de seus envolvidos e – nesta edição – com o apoio de infernautas que contribuíram com valores que bancaram o aluguel do espaço.
Diferente de outras edições, vale registro, esta foi a mais complicada. Tivemos muita dificuldade para encontrar um local que abrigasse o evento, entre contatos não respondidos e falta de disposição em ceder um espaço que vinha com a proposta de promover uma cultura construída pelo suor e dedicação dos envolvidos. A equipe do Boca do Inferno trabalhou arduamente por seis meses, fazendo a seleção, entre mais de 1500 filmes inscritos, a curadoria, a legendagem e a organização.
Nesse longo processo, contamos com a ajuda de Cristiano Sousa, organizador do Festival MorceGO Vermelho, com os responsáveis pelo CinePhenomena, e com aqueles que mandaram valores para pagamento do cinema. Devemos um grande abraço e gratidão aos nomes Úrsula, Cláudia, Ed Facundo, Ronaldo, Ivo Costa, Ricardo Gazolla, Gabriel, Luana, Rubens Mello, Rogério Saladino, Daniel Medeiros, Taison Natarelli, Cog Ser, Bruna, Nadia, Pedro Emmanuel e Lucas Crizza. Como podem perceber, alguns nomes compõem a equipe do site, sendo que Ricardo Gazolla e Ed Facundo contribuíram duas vezes.
Mas valeu a pena. Além de encontrar fãs do site e pessoas que apreciam o cinema independente, o FBI IX contou com a presença da diretora Mariana Tzaschel (do curta 12:00, da Mostra Diretoras), dos autores do curta O Gato Fantasma do Cemitério Paquetá, entre outros, e também foi marcado pela première do longa-metragem A Árvore que Chorava Sangue, de Janderson Rodrigues, que trouxe parte da equipe ao evento, como as reconhecidas atrizes Debora Munhyz e Fernanda de Jesus.
Assim, com a conclusão de mais uma edição e a satisfação pelo sucesso, chegou o momento de conferirmos os premiados do festival, com a justificativa de seus jurados, e também a escolha popular. Confira abaixo!
Até o Festival Boca do Inferno X!
Mostra Suspense
Jurados: Álvaro de Souza e Rafaela Germano
Vencedor: Lua de Sangue – Mirela Marin Morgante e Gustavo Senna Martins de Almeida | Brasil
Em 1913, Louis Weber e Phillips Smalley dirigiram “Suspense”, um curta de 10 minutos cuja influência foi tanta que nomeou todo um gênero. Para premiar a mostra Suspense buscamos os curtas que acreditamos serem intensos e inventivos na sua curta duração, de forma a honrar o legado de Weber e Smalley. Escolhemos como vencedor “Lua de Sangue”, pelo uso eficiente do formato found footage, conseguindo criar um microuniverso de pesadelo e lenda urbana que vivem na escuridão captada pelas câmeras digitais.
Menção Honrosa: Como Toda Quinta-Feira (Como Cada Jueves) | José Manuel Asensio Moreno | Espanha
Para conceder a Menção Honrosa, o curta “Como Toda Quinta-Feira” foi escolhido pela capacidade de nos deixar ao mesmo tempo angustiados e curiosos, ansiando por saber mais sobre seus personagens e a realidade que nos é apresentada em sua narrativa.
Júri Popular: Agora Respire | Ton Ruey | Brasil | 2022
Mostra Terrir
Jurados: Gilberto Bruno e Maga Cardoso
Vencedor: Mise en Place – Gabriel Raimondi | Brasil
“Mise En Place” foi escolhido por conter todos os elementos importantes em um terrir. O curta-metragem consegue misturar o drama vivido pelos personagens com o aspecto de humor negro e seco quando estamos chegando ao fim da trama. Os atores estão muito bem em seus papéis, e aquele final bizarro deu um toque especial a todo o projeto.
Menção Honrosa: Pandemia Zumbi (Pandemia Zombie) | Ignacio Rodó | Espanha
Menção honrosa para “Pandemia Zumbi”, filme engraçadíssimo, mas que deixou aquele gosto de quero mais por ser muito pequeno (apenas 1 minuto). Maquiagem primorosa no ator que interpreta o zumbi e atuações marcantes, tanto do protagonista, quanto do zumbi (ou seria do ator?). Enfim, queríamos mais alguns minutinhos desse mundo do Pandemia Zumbi.
Júri Popular: Mise en Place | Gabriel Raimondi | Brasil | 2022
Mostra Sci-fi
Jurados: Roberto “Pena” Spinelli e Bela Eichler
Vencedor: Joselito | José Carlos Jiménez Revuelta e Marta Jiménez Revuelta | Espanha
De José Carlos Jiménez Revuelta e Marta Jiménez Revuelta, “Joselito” traz, em pouco mais de 8 minutos de duração, uma história minimalista e de sutil humor, mas com um teor crítico extremamente eficiente, surpreendendo o espectador a cada quadro. A direção, em planos estáticos, explora a simplicidade da pacata cidade Sierra de Segura, onde vive um velho gênio da eletrônica capaz de consertar qualquer coisa. O curta, de forma cadenciada, segue o dia-a-dia da mulher de Joselito e vai construindo a ponte entre realidades, tempos e gêneros: futuro e passado coabitam essa expressão sutil, mas que golpeia com afinco vícios da nossa sociedade.
Júri Popular: Joselito | José Carlos Jiménez Revuelta e Marta Jiménez Revuelta | Espanha
Mostra Diretoras
Juradas: Gabriela Alcântara e Hilda Pontes
Vencedor: Relaxe com Draco (Relax with Draco) | Julia Zanin de Paula | Estados Unidos
Por unir de maneira exitosa a criatividade narrativa a uma decupagem fluida, que transmite em imagens as sensações do protagonista, se apropriando da linguagem audiovisual para a construção de suspense e comicidade propostas pela direção, encontrando uma outra mirada dentro da mitologia de vampiros, concedemos o prêmio de Melhor Curta da Mostra Diretoras ao filme “Relaxe com Draco”, de Julia Zanin de Paula.
Menção Honrosa: Sabbat | Alexandra Mignien | França
Concedemos também a Menção Honrosa da Mostra Diretoras ao filme “Sabbat”, de Alexandra Mignien. Em Sabá, Mignien executa muito bem alguns trabalhos desafiantes da Direção, com uma fotografia que ajuda a construir o suspense da trama ao mesmo tempo em que dribla possíveis desafios de um baixo orçamento. Sua direção de elenco também é primorosa, especialmente no clã de bruxas do curta, deixando-nos com o desejo de acompanhar o que acontecerá com essas personagens.
Júri Popular: Cru | Lois Schmidt e Maraline Loize | Brasil | 2022
Mostra Horror
Jurados: Luiz Machado e Gabriela Larocca
Vencedor: O Rio (The River) | Liam Banks | Reino Unido
Atmosférico, sufocante e genuinamente assustador, “O Rio” faz tudo o que um bom curta de horror precisa fazer. É difícil contar uma história em 15 minutos, com o tempo limitado, as possibilidades narrativas parecem limitar-se também, mas o diretor Liam Banks parece entender o curto espaço de tempo como uma boa oportunidade de criar uma panela de pressão. Com elementos fortes o suficiente para dar não apenas background para sua protagonista, mas também criar um lore próprio para o universo, “O Rio” apresenta sua proposta de forma coesa, bem elaborada e terrivelmente divertida. Seriam os belos primeiros 15 minutos para um filme ainda maior.
Menção Honrosa: Luna | Daniel Carneiro | Espanha
Partindo de uma premissa clássica dos filmes de horror, o espanhol “Luna” consegue entregar uma história envolvente, assustadora e com uma ótima reviravolta. Subvertendo as expectativas do espectador e com um ritmo narrativo muito bem construído, o filme apresenta a combinação de diferentes subgêneros do horror aliado a uma subversão de gênero e monstruosidade. Ao mesmo tempo em que “Luna” questiona estereótipos tão comuns no cinema do gênero, como o da vítima e do monstro, o filme de Daniel Carneiro também entrega um eficaz e potente curta de horror.
Júri Popular: Retrato | Rodrigo Ribeiro | Brasil | 2022
Mostra Animação
Jurados: Marcio Nascimento e Márcia Deretti
Vencedor: Sangre Sangrienta | Charli Sangar | Espanha
“Sangre Sangrienta” foi escolhido como melhor animação pelo roteiro, o cuidado com o cenário, a animação em stop motion bem meticulosa, iluminação, efeitos, som, trilha e dublagem, tudo muito bem feito. Parabéns!
Menção Honrosa: A Volta do Gato Preto (The Black reCat) | Paolo Gaudio | Itália
A animação stop motion “A Volta do Gato Preto” exibe uma técnica apurada a serviço de uma atmosfera soturna e inquieta – numa exemplar referência à obra do mítico escritor Edgar Allan Poe.
Júri Popular: O Gato Fantasma do Cemitério Paquetá | Adriano Machado Menezes | Brasil | 2022
Mostra Fantasia
Jurados: João Neto e Mozart Freire
Vencedor: Everest | Lucas Stoll | França
Com uma sofisticação técnica, o cineasta francês Lucas Stoll abraça o lado tragicômico da fantasia para criar uma história rotineira sobre o fim dos tempos nos ombros (ou melhor, nos calcanhares) de um personagem anestesiado pelos contínuos dias de merda que o rodeiam. Mesmo com a minutagem e alguns recursos potencialmente limitados, existe uma compreensão de espaço e até mesmo de dimensão num conto particular, mas universal.
Menção Honrosa: O Gato-Camelo (The CatCamel) | Fanny Schlör | Reino Unido
Partindo de um arco da fantasia clássica, a fonte da juventude, a trama se destrincha em camadas de magia e surpresas, desenhando um conflito cômico e trágico para a personagem. Pela forma criativa como essa história clássica consegue ser atualizada e contada, a menção honrosa vai para O Gato-Camelo, de Fanny Schlör.
Júri Popular: Levante e Brilhe (Rise & Shine) | Arnaud Pierre Baur | Suíça | 2021
Mostra Longas-Metragens
Jurados: Tati Regis e Queops Negronski
Vencedor: Céu Vermelho: Gigantes de Metal (Cielo Rojo: Gigantes de Metal) | Marcelo Leguiza | Argentina | 2022
Independente, barato e com história que aos poucos vai ficando sem pé e nem cabeça, porém, sempre crítica ao patriarcado, “Céu Vermelho”, filme argentino dirigido por Marcelo Leguiza, proporciona legítima sensação de “O que estou fazendo aqui?” ao mesmo tempo em que não conseguimos ir embora, curiosos e curiosas pelo desfecho do ciclo de violências e esperanças vividas por Bianca (Noelia Antunes) desde que ela era uma criança.
Por fim, algumas imagens da equipe e do público presente no festival!