Do Inferno (2014)

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Do Inferno
Original:From Hell
Ano:2014•País:EUA
Páginas:592• Autor:Alan Moore, Eddie Campbell•Editora: Veneta

Vivendo no imaginário das pessoas e marcado com sangue na história de Londres até os dias de hoje, Jack, O Estripador é uma das figuras mais notoriamente misteriosas. Assim como o assassino Zodíaco, sua identidade nunca foi descoberta, apenas teorizada. Entre 1888 e 1891, cinco mulheres foram brutalmente assassinadas nas ruas de Londres, no distrito de Whitechapel, e uma exaustiva força tarefa foi designada para resolver tal caso que, em um primeiro momento, ninguém deu muita importância. Ninguém ligava para mulheres sendo assassinadas. O modo cruel como foram estripadas foi o que chamou atenção, fazendo com que muitas lendas – tanto na época quanto nos anos posteriores – fossem criadas acerca desse assassino anônimo. A polícia londrina entrevistou cerca de 2000 pessoas, investigou mais de 300 indivíduos e deteve 80 suspeitos, sem sucesso. Quem foi Jack, O Estripador? Essa pergunta jamais foi respondida, apesar de muitos tentarem encontrar uma resposta mesmo atualmente.

Alan Moore, conhecido por ser um dos maiores autores de quadrinhos de todos os tempos, com materiais que até hoje são aclamados e considerados influentes no meio, foi pioneiro no uso de elementos mais adultos em sua narrativa e explorando temáticas mais sensíveis (como em Watchmen e V de Vingança) e, junto com o ilustrador Eddie Campbell, se baseou em uma das diversas teorias sobre O Estripador para iniciar o que seria, até aquele momento, seu trabalho mais ambicioso. Desenvolvendo uma história conspiratória densa e cheia de camadas, Moore usa como base a teoria de que o médico cirurgião William Gull, alçado ao posto de médico permanente da Rainha Vitória após tratar com sucesso um surto de febre tifoide do príncipe Eduardo VII de Gales, seria o famoso assassino.

Na trama, o príncipe Albert Victor, primogênito de Eduardo VII, escondendo o fato de ser da nobreza e usando uma identidade diferente, casa-se secretamente com a jovem trabalhadora e humilde Annie Crook e acabam gerando um filho. A Rainha Vitória, porém, descobre o casamento secreto do neto e, tentando encobrir a história e temendo um escândalo, separa à força o casal. Annie é levada para um sanatório e o médico William Gull é instruído a usar métodos que danifiquem sua sanidade, de forma que ninguém jamais acredite em uma palavra que saia da boca da moça. Enquanto Annie sofria seu terrível destino, Walter Sickert, amigo de Albert e um dos poucos que tinham conhecimento do casamento, entrega o filho do casal aos pais da moça.

Com Albert exilado de Londres e sua esposa trancafiada em um hospital psiquiátrico, a questão parece resolvida sem maiores problemas. Entretanto, um grupo de prostitutas amigas de Annie descobre a identidade real de Albert e decide chantagear Sickert, pedindo dinheiro em troca do silêncio. Mais uma vez, a rainha fica a par de mais esse problema, chamando seu fiel médico para resolvê-lo, dessa vez permanentemente.

Principalmente em diálogos entre Gull e seu cocheiro, John Netley, durante seus passeios por Londres, Moore adentra por completo na psique de seu protagonista, um influente maçom, explicando as razões morais e filosóficas com as quais enxerga a missão e seus argumentos para justificar o horror que será executado, colocando isso como se fosse uma luta entre o bem e o mal, a ordem contra o caos, como se fosse algo maior do que todos eles. Uma a uma, cada uma das mulheres que chantageou Sickert é assassinada de forma brutal por Gull. Seus nomes eram Annie Chapman, Mary Ann Nichols, Elizabeth Stride, Catherine Eddowes e Mary Jane Kelly.

O roteiro não deixa passar nenhum detalhe, desde como é feito o planejamento dos assassinatos, de como o serial killer se aproxima das vítimas e ganha a confiança delas, até como os homicídios são cometidos, mostrados de forma explícita em toda sua violência. Ao mesmo tempo também se detalha a ação da polícia, principalmente do inspetor Frederick Abberline. Responsável pela investigação dos crimes, Abberline quer a todo custo descobrir o culpado, porém, sofre represálias de seus superiores da Scotland Yard que, por ordens da coroa britânica, tentam abafar o caso. São diversos pormenores abordados que fazem toda a diferença. Não é à toa que o quadrinho possui quase 600 páginas retratando o sinistro período vitoriano onde o medo residia a cada esquina virada.

Pode-se pensar que, pela natureza grotesca das mortes, há uma glorificação da violência ou que ela é o ponto principal do quadrinho. Na verdade, Moore cria uma trama onde os pontos principais são a conspiração real e os porquês das ações e pensamentos de cada personagem apresentado, sendo as mortes apenas uma consequência da situação mostrada. A arte de Eddie Campbell também merece elogios, não apenas por demonstrar com clareza as diferentes feições dos personagens ou retratar fielmente toda a crueldade dos assassinatos – que seriam ainda mais destacados caso fossem retratadas em cores, apesar de existir uma edição importada que possui algumas páginas coloridas –, mas a riqueza nas paisagens (as páginas que mostram Londres na era vitoriana são riquíssimas), detalhes nas carruagens e interiores de prédios e salões ou, quando necessário, o uso de uma atmosfera mais suja e escura combinam perfeitamente com os recursos narrativos do texto de Moore. Justo por tamanha complexidade da obra, ela foi finalizada apenas em 1998, 9 anos após seu início.

Para enriquecer ainda mais, a obra conta com um apêndice, onde para cada capítulo o autor explica todo seu processo criativo e pesquisa bibliográfica: de referências documentais e jornalísticas as quais ele consultou, a justificavas das escolhas narrativas ou mudanças que ele julgou necessárias pra se encaixarem na história. Apesar de Do Inferno se basear numa teoria (o que se sabe na verdade sobre William Gull foi que seus estudos no campo neurológico são deveras importantes, tendo ele criado o termo anorexia e realizado trabalhos importantes sobre a paraplegia, além de ser uma das figuras publicamente mais vocais em favor das mulheres trabalharem na medicina), os personagens apresentados são reais, assim como muitos dos eventos descritos. Esse casamento entre ficção e realidade, muito bem amarrados, tornam Do Inferno uma das obras mais relevantes dos quadrinhos, seja pela majestosa complexidade da trama e seus aspectos históricos, seja pelos momentos de total horror.

A obra ganhou uma adaptação cinematográfica homônima em 2001, dirigido pelos irmãos Hughes. O filme Do Inferno conta com nomes como Johnny Depp, Heather Graham, Ian Holm, Robbie Coltrane e Ian Richardson no elenco.

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Louise Minski

Um experimento de Schrödinger entediado.

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