Godzilla, o Monstro do Mar (1956)

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Godzilla (1956)

Godzilla, o Monstro do Mar
Original:Godzilla, King of the Monsters!
Ano:1956•País:EUA, Japão
Direção:Ishirô Honda, Terry O. Morse
Roteiro:Ishirô Honda, Shigeru Kayama, Takeo Murata, Al C. Ward
Produção:Edward B. Barison, Richard Kay, Harry Rybnick
Elenco:Raymond Burr, Takashi Shimura, Momoko Kôchi, Akira Takarada, Akihiko Hirata, Sachio Sakai, Fuyuki Murakami, Ren Yamamoto, Toyoaki Suzuki, Tadashi Okabe

Não foi apenas Tóquio que se rendeu aos 122 metros de Godzilla. Mesmo sabendo que a natureza da criatura é uma metáfora aos exageros bélicos, principalmente americanos, com o uso de bombas nucleares que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki, os Estados Unidos se sentiram atraídos pelo filão. Também se deve o lançamento desta produção à uma resposta aos japoneses, tanto que o longa de Ishirô Honda foi vendido por míseros 25 mil dólares, e era preciso “americanizar” o produto, tirando as legendas, a crítica às potencias nucleares, dublando em inglês e acrescentando um herói ianque. Para resumir os fatos, pode-se dizer que Godzilla, o Monstro do Mar é uma nova edição de Godzilla, de 54, com o acréscimo de algumas cenas e algumas montagens que deram um tom divertido ao filme.

Tudo começou em 1955, quando o filme original estava sendo exibido num único cinema em Chinatown. Edmund Goldman se encantou com o monstro e adquiriu os direitos do longa e o vendeu para a pequena Jewell Enterprises Inc., de Richard Kay e Harold Ross. A dupla, com o apoio de Terry Turner e Joseph E. Levine, fez uma nova adaptação de Godzilla para um futuro lançamento comercial nos Estados Unidos. Foram, então, contratados o experiente ator americano Raymond Burr, que em 1951 havia se transformado em gorila no clássico Bride of the Gorilla, de Curt Siodmak, além de Mikel Conrad. Com direção de Terry O. Morse (O Ladrão de Veneza, de 1950), roteiro de Al C. Ward (de séries como The Lone Wolf) e fotografia de Guy Roe (Invasão do Mundo, de 54), foram filmadas algumas cenas, com dublês dos atores originais e fizeram montagens interessantes com o acréscimo do ator principal nos momentos mais importantes do filme original. Rezam algumas lendas que Burr teria filmado todas as suas cenas em apenas um dia, o que acabou sendo contrariado anos depois quando foi dito que alguns sets precisaram de seis dias para serem construídos.

Godzilla (1956) (1)

A versão americana é bem menor do que a original. Foram excluídas diversas cenas como todo o debate sobre as bombas atômicas e os testes nucleares – motivos mais do que óbvios – e também reduziram o triângulo amoroso entre Emiko (Momoko Kôchi), sua paixão Ogata (Akira Takarada) e o preferido do pai, Dr. Serizawa (Akihiko Hirata), já que no ocidente não é comum o casamento arranjado e isso poderia não ser bem recebido. Por outro lado, o aspecto do horror como consequência da destruição foi acentuado, com as vítimas mutiladas entre os confrontos com a criatura. O resultado desse tratamento acabou sendo positivo, com o longa faturando dois milhões em sua estreia, arrecadando ainda mais com a sua passagem pela Europa e, até mesmo, no Brasil, onde essa versão é mais conhecida nas exibições pela televisão. Godzilla, o Monstro do Mar abriu as portas para inúmeras sequências, com o monstro enfrentando inimigos diversos como o popular King Kong, além do remake de 1998 e a nova versão, de 2014.

Com um estilo documental, o filme tem início nas ruínas de um prédio, local onde está desfalecido o repórter americano Steve Martin (Burr). Ele então é resgatado pela equipe médica de um hospital de Tóquio, onde conhece Emiko (Kôchi) e passa a relatar sua trajetória até aí. Ele trabalha para o United World News e estava a caminho do Cairo para mais um trabalho, quando seu avião fez escala em Tóquio e os passageiros foram interrogados sobre um fato estranho ocorrido no mar: um navio desapareceu na região, após um encontro com uma forte iluminação na água, assim como o barco que foi ao local buscar sobreviventes. Interessado pela notícia, Steve resolve ficar no local como informante da América, com a garantia do editor George Lawrence (Mikel Conrad), num momento engraçado onde aparece ao lado um sujeito falando ao telefone em “portunhol” como representante brasileiro, soltando um “terrible“.

Godzilla (1956) (3)

Steve resolve viajar até a Ilha Odo, pela proximidade dos desaparecimentos. Lá encontra Tomo Iwanaga (Frank Iwanaga, ator contratado para a nova versão), um representante das forças japonesas, que lhe conta sobre o ritual de proteção contra uma criatura chamada Godzilla – aqui não existe “Gojira“, todos já chamam o monstro de Godzilla -, que faz parte das lendas da região, quando havia o sacrifício de uma menina por ano para evitar a sua presença. No original, são mencionados os sacrifícios, mas não dizem que era uma tradição anual. Ele também testemunha o ataque a algumas casas na ilha – cenas todas do original – até a aparição no alto de uma montanha de sua cabeça aos 27 minutos (no original, Godzilla aparecia já aos 21).

O paleontólogo Dr. Yamane (Takashi Shimura) encontra vestígios de radiação nas pegadas da criatura assim como um trilobita, criatura extinta desde a época jurássica. Ele é pai de Emiko, namorada secreta de Ogata, mas prometida para o cientista Dr. Serizawa, que aqui é um conhecido de Steve da época da faculdade. Com a ajuda de um dublê, com um tapa-olho e tal, escondido atrás de móveis, eles chegam a ter uma conversa rápida pelo telefone para que o americano não seja apenas um espectador dos acontecimentos. Aliás, essa técnica de esconder o rosto fará o público rir em diversos momentos envolvendo Emiko e outros personagens, tornando-se obrigatório uma conferida dos dois longas seguidamente para uma diversão completa.

Também é divertido conferir a dublagem americana em inglês. Vários personagens que falavam japonês no começo do filme passam a falar inglês a partir da metade, como se os realizadores tivessem se cansado de tentar colocar um tradutor para Steve. Até mesmo quando os japoneses estão sozinhos – como Emiko e Dr. Serisawa – ou em debates no fórum, a língua inglesa se torna a oficial, com o tom de voz se alterando no decorrer da produção. É nessa nova dublagem que o público descobre que o cientista criou um tal “Oxygen Destroyer” durante uma experiência, embora não saiba por que fez isso. É esse experimento que servirá para a sequência final, assim que Emiko resolver contar ao namorado o que havia prometido para Serisawa, e a oração dos japoneses servir para um exame de consciência.

Alô! Oi, sou um dublê e estou escondendo o rosto!
Alô! Oi, sou um dublê e estou escondendo o rosto!

Toda a destruição de Tóquio é a mesma do material original, com a diferença do acréscimo de Steve num dos prédios como testemunha e vítima. Assim como o mergulho no ato final, com o último encontro com Godzilla, e o sacrifício de Serizawa para facilitar os problemas amorosos de Emiko. O tempo de aparição do monstro é o mesmo do filme japonês, sem alterações nos efeitos especiais ou cenas acrescentadas com a criatura. Porém Godzilla é considerado maior na versão americana – de 150 para 400 pés -, devido às proporções dos prédios dos EUA, sem que isso altere qualquer outro detalhe do filme.

Por todas essas curiosidades e pela diversão em descobrir as montagens e dublês, Godzilla, o Monstro do Mar é uma produção obrigatória para os fãs de cinema. Além de trazer uma releitura do original, ainda que tenha sido feita de modo picareta, já evidencia as intenções dos americanos de esconder seus erros e tentar redimir com o planeta. Sem o moralismo final sobre a possibilidade de surgir um novo Godzilla caso haja mais usos de armas nucleares, o longa termina com a frase do herói americano, que pode servir para uma reflexão sobre os temores causados na Guerra: “Agora o mundo inteiro pode acordar e viver novamente.” Será?

Cozzilla, o Godzilla italiano

Não foram apenas os americanos que fizeram sua versão a partir do material original. Na Itália, em 1977, o diretor Luigi Cozzi (de Alien – O Monstro Assassino, Starcrash e Paganini Horror) resolveu relançar o filme de 1954 numa versão colorizada. Inicialmente pretendia ignorar a presença de Raymond Burr, mas não conseguiu os direitos pelo fato do filme ter sido vendido para os EUA na época. Assim, foi contratado Armando Valcauda para colorizar o produto, e excluídas inúmeras cenas. Cozzi acrescentou bastante material com mortes gráficas e destruição deixando o longa com 105 minutos de duração.

Godzilla (1956) (6)

Na estreia, o diretor acrescentou alguns efeitos nos cinemas como cadeiras que chacoalhavam a cada aparição do Godzilla. Foi um sucesso absoluto, tanto que muitos consideram a película superior ao longa americano, aparecendo na capa da primeira Fangoria. Apesar do sucesso, muito do material acabou sendo perdido com o tempo, mas Cozzi ainda faria um lançamento em 2012 na Itália.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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