A Mulher-Lobo de Londres
Original:She-Wolf of London
Ano:1946•País:EUA Direção:Jean Yarbrough Roteiro:George Bricker, Dwight V. Babcock Produção:Ben Pivar Elenco:Don Porter, June Lockhart, Sara Haden, Jan Wiley, Lloyd Corrigan, Dennis Hoey, Martin Kosleck, Eily Malyon, Frederick Worlock |
Londres depois da meia-noite. As ruas soturnas e enevoadas pertencem às criaturas errantes, vorazes e diabólicas. Em 1888, elas eram somente de Jack o Estripador, apelido do assassino de prostitutas que incomodou a Scotland Yard com sua enigmática identidade; essa mesma polícia britânica foi a criadora do vampiro hipnotizador interpretado por Lon Chaney em London After Midnight, de 1927. Chaney, o pai daquele que estabeleceu a imagem dos lobisomens no longa de 1941, seis anos depois do primeiro filme da Universal sobre as criaturas, O Lobisomem de Londres. Muitas voltas pela capital inglesa! Aliás, a primeira aparição grandiosa desse habitat inspirador numa produção do gênero foi em Drácula, de 1931, baseado na obra de Bram Stoker. De lá para cá, o horror sempre encontraria motivações para visitar Londres, seja na franquia A Múmia, de Stephen Sommers, nos atos insanos do assassino Sweeney Todd, ou até como alimentação de zumbis em Extermínio, de Danny Boyle. Ah, sim…houve também um certo lobisomem americano na região em 1981…
Se Londres era o habitat ideal para assassinatos misteriosos, cinco anos depois do primeiro sucesso licantropo, ninguém poderia imaginar que o local também esconderia uma mulher como antagonista! Durante a década de 40, o papel da mulher e suas expectativas estavam em processo de transformação. Antes disso, elas tinham pouco a dizer na sociedade e era estereotipadas a não arrumar empregos ou sair, apenas fazer bebês, ser uma boa dona de casa e, principalmente, uma boa esposa. No início dos anos 40, lentamente essa visão distorcida começou a perder força, pois os homens precisaram ir para a Guerra e elas passaram a substituir suas funções. Nos Estados Unidos, por exemplo, as batalhas tornaram-se tão intensas que as próprias mulheres criaram organizações para contribuir no apoio aos soldados e à causa: assim, em 1942, foram estabelecidos The Women’s Army Corps (WAC) e Women Accepted for Volunteer Emergency Services (WAVES), ampliando ainda mais a importância das companheiras. Elas logo seriam aceitas pelo Congresso a servir a Marinha americana, enquanto as demais trabalhavam em fábricas, entre outros trabalhos necessários para a manutenção da nação e até mesmo do entretenimento. Em 1943, foi fundada a The All-American Girls Professional Baseball League; em 1945, Eleanor Roosevelt integrou a recém-criada Organização das Nações Unidas. Assim, através da década, elas tiveram uma grande evolução na sociedade, não apenas americana, mas mundial.
Foi também nessa mesma década que Bette Davis havia interpretado uma das vilãs mais sórdidas da história do Cinema. Pérfida, de 1941, de William Wyler, traz Davis como Regina Giddens, uma mulher inescrupulosa, capaz de ações maléficas para conseguir riquezas e independência, como na famosa cena em que ela não ajuda o marido durante um ataque cardíaco já pensando na possibilidade de se tornar uma viúva rica – uma performance que lhe renderia uma nova indicação ao Oscar. Em Pacto de Sangue, de 1944, de Billy Wilder, seria a vez de Phyllis Dietrichson (na interpretação de Barbara Stanwyck) usar seu poder de sedução para convencer o vendedor de seguros Walter Neff (Fred MacMurray) a assassinar seu marido, fazendo parecer um acidente para que ela possa ganhar o dinheiro do seguro de vida, pago sem o consentimento dele. Stanwyck também recebeu uma indicação ao Oscar como melhor atriz, mas perdeu para Ingrid Bergman e seu espetacular À Meia Luz.
Diferente dos dois mencionados, a vilã de A Mulher-Lobo de Londres só será conhecida nos minutos finais. Você sabe que existe alguém ali atacando os incautos de um parque da região, e existem suspeitas, mas a criatura esconde sua identidade e motivações para que o mistério se mantenha durante toda a curta produção, um média-metragem de apenas 61 minutos. Com direção de Jean Yarbrough, a partir de um roteiro de George Bricker (ambos de A Casa dos Horrores, de 1946), She-wolf of London é mais uma produção da Universal Pictures a evocar a figura do lobisomem, novamente em Londres como o filme de 1935. Na verdade, além do título e da imaginação das personagens, a responsável pelos crimes é uma mulher comum, sem transformação, sem a necessidade da Lua Cheia ou da mitologia em torno da criatura. Dentro do conceito estabelecido, pode-se dizer que este foi o trabalho mais fácil de Jack P. Pierce, o diretor de maquiagem mais exigido do período, responsável pelo monstro de O Lobisomem de Londres e do clássico O Lobisomem, de 1941.
“Londres, na virada do século. A lenda da Maldição dos Allenby estava quase esquecida até…”
O filme começa com a chegada do Detetive Latham (Lloyd Corrigan, de Sob o Domínio do Mal, 1962) a Scotland Yard para informar seu chefe, o Inspetor Pierce (Dennis Hoey, que também fez o Inspetor Lestrade em vários filmes de Sherlock Holmes do período, interpretado por Basil Rathbone), sobre um novo ataque no parque. Latham acredita que se trata de um lobisomem, devido à imaginação da imprensa. “Você anda lendo os jornais? Eles só falam nisso.“. Mas, Pierce não concorda: “A vítima foi atacada por um cachorro de rua.” E, sem dar detalhes das suspeitas, o detetive informa que o monstro é uma mulher, algo que se torna mais desacreditado pelo inspetor. Ambos vão de carroça até o local, cruzando o caminho com Barry Lanfield (Don Porter, de O Candidato, 1972) e sua noiva, Phyllis Allenby (June Lockhart, que fez Maureen Robinson na série Perdidos no Espaço, de 1965 a 1968), que estão dispostos a fazer uma corrida para ver quem escolhe a data do casório. Barry vence a disputa e convence a garota a se casar já na semana seguinte. Nas proximidades, escutam a conversa da polícia sobre “pegadas de uma mulher-lobo“.
Phyllis vive numa mansão com outras três mulheres, a governanta Martha Winthrop (Sara Haden), sua filha Carol (Jan Wiley) – apaixonada por Dwight Severn (Martin Kosleck, de A Maldição da Múmia, 1944), mesmo a contragosto da mãe – e a empregada Hannah (Eily Malyon). Depois de confiscar um bilhete de Carol marcando um encontro com Dwight, Martha revela a verdade para a filha, num momento novela mexicana: “Você não é prima de Phyllis, nem tem parentesco nenhum com ela. Sou apenas a mulher que deveria se casar com Reginald Allenby, o pai de Phyllis.”
Naquela mesma noite, um novo ataque irá intrigar a polícia. Dois policiais, Helbert e Albert, dialogam na entrada do parque Denham Lane sobre estranhos sons nas proximidades:
– Que sons lúgubres, Helbert! Parecem almas penadas a procura de um lugar para repousar.
– Não há nada tão elegante, Albert! Parecem mais lobos perdidos a procura de alguém para esfacelar. Dizem que o uivar de um cão significa morte.
– Neste caso, meia Londres deve estar às portas da morte!
Sentindo o estranhamento dos cães e sabendo do ataque a um garoto na madrugada anterior, aos poucos Phyllis começa a desconfiar de sua culpa nas ações, de acordo com uma antiga maldição na família. Para evidenciar seus pensamentos, ela acorda assustada, com sangue nas mãos e os sapatos sujos de barro, tendo na memória um estranho sonho em que corria pela mata atrás de uma pessoa. Ela também conta que a Maldição dos Allenby tem relação com os lobos, já que algumas vezes ela sonhou que participava de rituais pagãos e se transformava num lobo. É claro que as suspeitas não se concretizarão e existe uma outra assassina atuando nas noites, alguém que quer que ela seja culpada pelos atos.
Conhecido também pelos títulos A Fera de Londres e até A Mulher-Fera de Londres, o filme é um suspense raso, sem relação com o sobrenatural, cativando o espectador a acompanhá-lo apenas pela curiosidade em torno da identidade da assassina – algo não tão difícil assim. Além do enredo simples, há inúmeros furos no roteiro, quando você descobre quem é a vilã e fica se perguntando sobre os sonhos de Phyllis, os latidos de seus cães, os uivos escutados no parque, entre outras relações com a licantropia, mesmo sabendo que não se trata de uma criatura por trás dos crimes.
Sobre a mitologia em torno da fera, é curioso os fatos apresentados sobre a tribo dos Hirpinos, que veneravam lobos, e a menção ao pensamento platônico acerca da transmigração das almas – aquele que diz, entre outras coisas, que o que acontece com a alma das pessoas quando estas se comportam mal, não filosofam: dependendo do grau de ruindade, pode ocupar o corpo de um animal selvagem ou até se arrastar pelo chão. E também todo o trecho de O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, dito por Barry, e que vale uma citação, numa tradução livre:
“Era capaz de me fazer vacilar na minha fé cristã e de me fazer crer como Pitágoras que as almas de animais vêm alojar-se nos corpos humanos. A tua animava outrora um lobo, que foi enforcado por ter matado um homem e teve a alma impura voando do cadafalso, vindo abrigar-se no teu corpo ainda no ventre de tua imunda mãe porque os teus apetites são os de um lobo faminto sanguinário e carniceiro.”
Se os seus apetites forem de um “lobo faminto sanguinário e carniceiro“, A Mulher-Lobo de Londres irá decepcioná-lo efetivamente. Porém, vale a conferida para aqueles que curtem produções clássicas, envoltas em mistério e suspense, e querem conhecer mais sobre os trabalhos situados na capital inglesa, num período em que a mulher aflorava para as telas em comportamentos cada vez mais ousados e cruéis.
muito bom o filme
Legal.