A Pequena Loja dos Horrores
Original:The Little Shop of Horrors
Ano:1960•País:EUA Direção:Roger Corman, Charles B. Griffith Roteiro:Charles B. Griffith, Roger Corman Produção: Roger Corman Elenco:Jonathan Haze, Jackie Joseph, Mel Welles, Dick Miller, Myrtle Vail, Karyn Kupcinet, Toby Michaels, Leola Wendorff, Jack Nicholson |
O cineasta e produtor americano Roger Corman, nascido em 1926 em Los Angeles, é um daqueles nomes que ficaram marcados para sempre no gênero fantástico, através de seus incontáveis filmes de baixo orçamento, feitos com um mínimo de recursos compensados com muita criatividade e talento, lançando atores e diretores que tornaram-se muito famosos posteriormente. Um de seus primeiros filmes, e que tornou-se um clássico do humor negro, foi A Pequena Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors), produzido em preto e branco em 1960, utilizando atores desconhecidos na época como Jack Nicholson (numa pequena ponta), realizando as filmagens em apenas dois dias, e ainda contando com incríveis efeitos precários.
A história é narrada pelo detetive Sargento Joe Fink (Wally Campo), que conta um caso policial envolvendo uma pequena floricultura localizada no bairro pobre de Skid Row, onde trabalham o proprietário Gravis Mushnik (Mel Welles), sua jovem filha Audrey Fulquard (Jackie Joseph) e o empregado nerd Seymour Krelboin (Jonathan Haze). O sonho de Seymour é ser um botânico bem sucedido e se casar com Audrey, mas é tão incompetente que para continuar no emprego ele teve que mostrar uma planta que ele criou em casa, na tentativa de atrair as pessoas para a loja ao expor o vegetal exótico e melhorar as vendas de flores em geral.
Entre os estranhos clientes da floricultura estão um comedor inveterado de flores, Burson Fouch (Dick Miller), e uma mulher fanática por funerais, Sra. Siddie Shiva (Leola Wendorff), tia do detetive Frank Stoolie (Jack Warford), parceiro de Fink, e cujos parentes morrem a todo momento justificando sua obstinação por flores para os enterros. Outros clientes incluem duas garotas estudantes adolescentes irritantes (interpretadas por Tammy Windson e Toby Michaels), que querem comprar flores para os desfiles e eventos de sua escola.
Além de totalmente atrapalhado, Seymour ainda tem a infelicidade de ter uma mãe hipocondríaca e alcoólatra, Sra. Winifred (Myrtle Vail), que adora remédios e especialmente um xarope para a tosse formado à base de álcool. Para tentar manter seu emprego, o jovem apresenta então ao seu patrão Sr. Mushnik uma planta esquisita obtida numa experiência de cruzamento entre outras duas, e a qual ele batizou com o nome de Audrey Junior, em homenagem à moça por quem está apaixonado. Apesar de Seymour criar a planta com água mineral e fertilizantes especiais, o vegetal está sempre doente e não se desenvolve, até que ele descobre acidentalmente que a planta na verdade gosta de sangue humano. Outra revelação surpreendente para ele é o fato da planta falar e pedir insistentemente para que seu dono a alimente. Porém, uma vez não tendo mais como fornecer comida para Audrey Junior, impossibilitado de continuar a dar o seu próprio sangue para a planta carnívora, Seymour involuntariamente provoca a morte de um mendigo bêbado num atropelamento de trem. Ele então recolhe os pedaços destroçados da vítima e não tendo como se livrar deles acaba fornecendo como alimento para a criatura vegetal, que uma vez nutrida com carne humana passa a crescer assustadoramente de tamanho e despertar a curiosidade das pessoas, que começam a visitar a loja e aumentar as vendas e encomendas de flores, enchendo de dinheiro os bolsos do Sr. Mushnik.
Enquanto isso, um outro cliente da floricultura, igualmente fora dos padrões de normalidade, é o dentista sádico Dr. Farb (John Herman Shaner), que adora barbarizar seus pacientes, divertindo-se com as dores que eles sentem ao manusear sua broca e alicate especial para arrancar dentes. Nesse momento surge o personagem doentio de Jack Nicholson, interpretando Wilbur Force, um masoquista que faz os serviços funerários para os parentes da Sra. Shiva, e que não gosta de anestesia e adora ir ao dentista sofrer as terríveis dores de seus dentes arrancados.
Como Audrey Junior estava crescendo e chamando a atenção de todos, uma representante da exótica Sociedade dos Observadores Silenciosos de Flores, Hortence Feuchtwanger (Lynn Storey), vinda especialmente da Califórnia, chega anunciando que eles pretendem premiar o criador da planta com um troféu. Mas depois de outras vítimas tornarem-se alimento para a insaciável criatura carnívora, como um ladrão e uma bela garota de programa, Leonora Clyde (Meri Welles), que tentou seduzir Seymour, e com os corpos desaparecidos despertando a atenção e investigação da polícia, o atrapalhado rapaz percebe o quanto as coisas ao seu redor ficaram fora de seu controle e tenta achar um solução para a enorme confusão em que se meteu.
A Pequena Loja dos Horrores é uma divertida comédia de humor negro, super curta (apenas 72 minutos), fotografada em preto e branco, sem efeitos especiais, e com uma história simples e despretensiosa, porém carregada de piadas sutis num grande programa de entretenimento. Todas as sequências envolvendo a planta carnívora são totalmente hilariantes, principalmente quando ela pede de forma enérgica para que seu criador lhe alimente (Feed me!) com sangue e carne humanos. Todos os personagens são esquisitos de forma proposital, e possuem uma relação engraçada entre eles, numa ideia interessante do roteiro. A cena envolvendo o masoquista Wilbur, muito bem feito por Nicholson, já demonstrando um incrível talento na arte de atuar, é uma das partes mais antológicas do filme, mesmo sendo muito rápida. Reparem na leitura macabra que ele fez de uma revista de nome sugestivo enquanto aguardava na sala de espera a sua vez de sofrer com o dentista (esse texto está reproduzido no final desta análise).
O filme já havia sido lançado no Brasil em vídeo VHS pela extinta VTI com o nome de A Loja dos Horrores e foi lançado em junho de 2004 em DVD com distribuição nas bancas, através da revista DVD World Classic, ano I, número 03, da Editora D+T, de São Paulo/SP. Como material extra veio apenas uma biografia até que bem detalhada de Jack Nicholson, com informações de sua carreira bem sucedida e citação de vários filmes importantes. Ele que na atualidade é um dos mais famosos e requisitados atores do cinema comercial. Porém, a editora cometeu uma série de erros imperdoáveis e até criminosos ao lançar o DVD por aqui. Primeiro, eles colocaram a capa de um filme homônimo que foi lançado em 1986, um dispensável musical que foi baseado no clássico de Roger Corman, onde aparece claramente o ator Rick Moranis (que interpretou o nerd Seymour na refilmagem). Segundo, eles publicaram na contra capa do DVD uma sinopse cheio de falhas, com detalhes que nem existem na história do filme de 1960, trocando o nome do dentista, do correto Dr. Farb para Orin Scrivello (feito por Steve Martin no filme de 1986), além de trocar o nome da planta de Audrey Junior para Audrey II (do musical dos anos 80). E para chamar a atenção dos colecionadores, a editora colocou em destaque o nome de Jack Nicholson na capa, quando na verdade o ator estava apenas em início de carreira e teve uma participação muito pequena, de não mais de 5 minutos, e sendo apenas creditado oficialmente no fim da lista do elenco. Isso pode até ser compreensível, pois é comum esse procedimento de marketing para tentar convencer o público a conhecer o filme. Mas colocar a capa de outro filme e errar grosseiramente na sinopse como fizeram com a preciosidade do cinema fantástico A Pequena Loja dos Horrores, a única coisa que podemos enfatizar é que é um crime gravíssimo.
Curiosamente, o roteirista Charles B. Griffith, que muito inspirado escreveu um filme repleto de piadas inteligentes e discretas, participou de forma não creditada no elenco também, fazendo a voz decidida de Audrey Junior, a insaciável planta comedora de gente, além de aparecer rapidamente em carne e osso como um paciente que grita de dor nas mãos do sádico dentista Dr. Farb. Outra curiosidade é que o filme recebeu também o nome original alternativo de The Passionate People Eater, e no Brasil foi exibido na televisão pela TV Cultura de São Paulo/SP como A Loja dos Horrores, numa versão legendada.
O ator americano Jack Nicholson, que nasceu John Joseph Nicholson em 22/04/1937 em New Jersey, teve sua carreira lançada pelo cineasta Roger Corman, o Rei dos Filmes B, ao participar de alguns filmes do gênero fantástico entre o final do anos 50 e início da década de 60, como Cry Baby Killer (58), O Corvo (The Raven) e Sombras do Terror (The Terror), ambos em 1963. Ele construiu uma excepcional carreira a partir de então e estrelou uma infinidade de filmes importantes que lhe garantiram prêmios do cobiçado Oscar. Sendo que no gênero fantástico podemos citar alguns exemplos sempre lembrados em sua filmografia de sucesso como O Iluminado (80), de Stanley Kubrick a partir de livro de Stephen King, As Bruxas de Eastwick (87), Batman (89), de Tim Burton, no papel do vilão Coringa, Lobo (94), ao lado da bela Michelle Pfeiffer, e a paródia Marte Ataca (96), homenagem de Tim Burton aos filmes B de ficção científica dos anos 50.
A Pequena Loja dos Horrores, assim como também Farsa Trágica (The Comedy of Terrors, 63), com o quarteto fantástico Vincent Price, Boris Karloff, Peter Lorre e Basil Rathbone, são dois excelentes exemplos da década de 60 do melhor humor negro de todos os tempos, e que são altamente recomendáveis para os apreciadores do cinema de horror sutil com elementos discretos de comédia macabra, cuja agradável combinação tem como resultado impagáveis momentos de diversão.
O paciente chegou com um grande buraco no abdômen, causado por um atiçador de brasa usado por sua esposa. Ele quase sangrou até a morte e a gangrena se instalou. Eu não lhe dei muitas chances. Haviam outras complicações. O homem tinha câncer, tuberculose, lepra e estava gripado. Eu decidi operá-lo…– leitura de um trecho de um depoimento na revista Pain (Dor), lida pelo masoquista Wilbur Force, enquanto aguardava pacientemente sua consulta odontológica, esperando sentir muita dor.
Bela resenha! Parabéns! Quanto ao filme… Bem, ainda estou me familiarizando com o gênero. rs
Excelente filme. Adorei a crítica também.