A Cura
Original:A Cure for Wellness
Ano:2016•País:EUA, Alemanha Direção:Gore Verbinski Roteiro:Justin Haythe, Gore Verbinski Produção:David Crockett, Arnon Milchan Elenco:Dane DeHaan, Jason Isaacs, Mia Goth, Ivo Nandi, Adrian Schiller, Celia Imrie, Harry Groener, Magnus Krepper, Peter Benedict, Craig Wroe, David Bishins |
“Está vivo!“, uma das frases mais emblemáticas do gênero fantástico deu o pontapé para o fascinante subgênero dos “cientistas loucos“. Desde então, as mais bizarras experiências foram realizadas pelas mentes mais insanas, muitas delas com o propósito de mudar o mundo, seja para conquistá-lo ou torná-lo melhor, ainda que para seus fins sejam necessários certos sacrifícios não aceitos pela sociedade. No entanto, se não para o bem da humanidade, esses experimentos serviram para a construção de um estereótipo bastante lembrado no Cinema e na Literatura, na figura marcante de um doutor assustador e sua risada histérica, resultando em produções divertidas e curiosas. Dentro desse universo bastante amplo, pode-se figurar mais um exemplar no escorregadio Volmer (Jason Isaacs, o Lucius Malfoy, da franquia Harry Potter), do longa A Cura, de Gore Verbinski, que chegou aos cinemas brasileiros no dia 16 de fevereiro.
Mais conhecido pelos três filmes que dirigiu da franquia Piratas do Caribe, Verbinski também é lembrado pelos fãs de horror pelo comando de O Chamado, 2002, refilmagem americana de Ringu, 1998. Nesse caso, chega a ser curioso ver seu nome nos cinemas, disputando a preferência do público com o terceiro filme da franquia que ele ajudou a conceber. Contudo, O Chamado 3, mesmo com suas críticas negativas, é capaz de atrair mais espectadores do que uma produção pouco comercial e bastante desconhecida como A Cura. É uma pena porque este é o primeiro grande filme – em todos os sentidos – de terror de 2017, e merecia uma oportunidade maior do que apenas as duas semanas que deve ficar em cartaz.
Assim que vi os primeiros trailers, notei uma certa semelhança com o fantástico Ilha do Medo, de Martin Scorsese, baseado em um romance de Dennis Lehane. Ambos mostravam um personagem chegando a um ambiente estranho, com aparência de hospital psiquiátrico, tendo que procurar uma pessoa até perceber que a fuga dali será bastante dificultada. As coincidências narrativas se encerram aí: A Cura tem potencial para caminhar com suas próprias pernas, sem o uso de muletas do enredo para facilitar as ações do protagonista.
Lockhart (Dane DeHaan, de Poder Sem Limites, 2012) é um executivo de uma grande empresa que é encarregado da missão de encontrar seu chefe e trazê-lo de volta para corrigir problemas financeiros, antes de uma grande fusão. A função pertencia a Morris (Craig Wroe), mas, na cena de abertura, ele tem um enfarte fulminante que não é aliviado pelo copo com água, em um detalhe que terá uma grande importância mais pra frente. O chefe, Pembroke (Harry Groener, de O Dia em que o Mundo Acabou, 2001), está em um spa nos Alpes Suíços e escreveu uma carta informando que não pretende mais voltar. “Parece que ele perdeu o juízo.“, afirma o protagonista quando lê os escritos e aceita a proposta ameaçadora de visitar o local.
O tal spa, com um belíssimo pano de fundo montanhês, é localizado no alto de uma colina, e tem a aparência de um castelo medieval. Lockhart nota que todos os presentes vestem-se de branco e parecem satisfeitos pelas acomodações e pelo tratamento peculiar dessa clínica alternativa. “Por que eu iria querer ir embora?“. Sem chance de conseguir contatar seu patrão, ele tem a ideia de buscar abrigo em um hotel na cidade, aproveitando a carona do motorista Enrico (Ivo Nandi). Porém, no retorno, um alce cruza o caminho do veículo, resultando em um grave acidente. A sequência é bem gráfica, quase lembrando o atropelamento de Cabana do Inferno, de 2002.
Tendo que usar um gesso até a metade da coxa, Lockhart é obrigado a se estabelecer nos prédios, aproveitando as instalações para conhecer as formas de tratamento e também localizar Pembroke. Volmer o convida a experimentar o processo desintoxicador, tornando-o um paciente em busca de uma cura que ele mesmo não sabe qual é, apenas que tem envolvimento com a água do local. Entre a imersão em um tanque frio, acompanhado de estranhas cobras, ele se aproxima da misteriosa Hannah (Mia Goth), uma garota que “não é como os demais pacientes“. Sabendo que o local esconde mistérios – alguns relacionados às histórias contadas sobre o passado do castelo -, ele a todo momento desviará do caminho, invadindo locais secretos, roubando documentos e até buscando mais informações com os residentes e os moradores da cidade. E cada ação trará problemas maiores, mas o aproximará das respostas que procura.
Mesmo com sua longa duração – mais de duas horas -, A Cura nunca se torna chato ou arrastado, permitindo o envolvimento do infernauta com os segredos do spa. Não é assustador e surpreendente como O Chamado, porém é, sem dúvida, o melhor trabalho de Verbinski, conduzindo sua câmera entre ambientes de muita e pouca iluminação, reservando as melhores cenas para o terceiro ato. A passagem pelo “odonto” da clínica é de arrepiar a espinha dos mais fortes, assim como toda a sequência nos porões da igreja. Só não se saiu melhor porque os episódios mais tensos eram abrandados por cortes que já traziam o personagem em uma situação melhor.
Além disso, o clima de thriller psicológico perde totalmente sua estrutura no confronto final, com aparência de graphic novel. Não prejudicou o resultado, mas claramente destoa da atmosfera onírica sustentada pela produção. Uma bailarina que vive no ambiente dos sonhos, por exemplo, chega a ser poético no roteiro de Justin Haythe, mesclando com a dança de Hannah no pub, porém é quebrado pelo tom incestuoso e pela cena da primeira menstruação. A Cura ainda deixa algumas dúvidas no ar sobre as verdadeiras intenções dos vilões, uma vez que causa estranhamento a solução utilizada para acalmar Lockhart não ter sido proposta antes pela sua eficiência.
Entre esses questionamentos reside uma produção repleta de méritos, dos discretos efeitos especiais à fotografia correta, da direção afinada às boas interpretações. Ainda é cedo para saber se o longa continuará como destaque no decorrer de 2017 ou se ele é “a cura” para tantos clichês explorados no cinema fantástico. De qualquer forma, teve um excepcional tratamento, daqueles que pedem mais doses longas como essa!
Achei o filme surpreendente e muito bom, com grande apelo visual e muitas imagens bizarras. Não gostei muito da mudança de tom proporcionada pelo embate final e certas revelações, mas, ainda assim, é realmente um bom filme.