1.2
(26)

Original:The Last of Us Part II
Ano:2020•País:EUA
Desenvolvedora:Naughty Dog•Distribuidora: Sony Interactive Entertainment

O texto contém alguns spoilers do jogo. 

Quando nos perguntamos o motivo do sucesso The Last of Us e seu impacto na indústria de jogos, podemos encontrar diversas respostas, mas a grande verdade é que esta é uma história de amor. A trajetória de autoconhecimento de Joel e Ellie por um mundo apocalíptico na busca por uma salvação da civilização que sobrou se torna na verdade uma jornada de salvação pessoal, capaz de encantar a todos de forma surpreendente. Tão surpreendente, que até mesmo as controversas escolhas de seu final, com seu impactante dilema moral, são frequentemente esquecidas dentro das memórias afetivas dos jogadores. Por isso, nada mais óbvio que a Naughty Dog ao nos apresentar The Last of Us Part II parta dessa premissa: houve uma escolha no fim do primeiro jogo. E ela terá consequências a partir de agora!

A verdade é que é difícil transcender em palavras a experiência de The Last of Us Part II para uma análise, principalmente ao se envolver tanto, mas em seu olhar técnico a coisa fica um pouco mais apurável.

The Last of Us Part II não é revolucionário para o gênero como seu primeiro jogo. Na verdade ele pode ser considerado um grande refinamento e aprimoramento de tudo que foi nos apresentado em seu antecessor. Logo no início, no controle de Joel sobre um cavalo, o momento em que atravessamos uma colina e encontramos abaixo a gigante visão da comunidade de Jackson reluzente ao pôr do sol nos diz o que teremos aqui, um jogo muito maior do que qualquer um poderia imaginar.

De fato, este é o maior e mais ambicioso jogo feito pela Naughty Dog, com uma experiência mínima de 30 horas em sua narrativa. E em pelo menos suas duas primeiras horas estaremos principalmente no controle de Ellie, agora com 19 anos, 25 anos após a infecção que destruiu a civilização como a conhecemos, mas com um sentimento de pertencimento a Jackson, de ser útil a uma comunidade, de superar seus traumas em busca da felicidade e quem sabe até de um novo amor.

Obviamente, isso será abalado. Nestas duas primeiras horas, o jogador terá na verdade o controle de três personagens. Três visões completamente distintas que terminam em um mesmo evento. Um trauma gigantesco será infligido a Ellie e se The Last of Us é uma história de redenção travestida de amor, The Last of Us Part II é uma história sobre vingança travestida de justiça.

O MUNDO É UM PERSONAGEM

Se no primeiro The Last of Us os ambientes eram reduzidos a prédios semi-condenados e ruelas bloqueadas, os ambientes de Part II são incrivelmente maiores em praticamente todas as áreas que você visita.

O jogo ainda segue linear, mas as possibilidades de tudo o que pode ser feito aqui disparam imensamente. As habilidades do personagem aumentam, os upgrades são ainda mais eficientes, fazem realmente a diferença e com um mundo maior e repleto de mais inimigos, recursos também estão mais presentes ainda que essa seja uma realidade onde manufatura não exista mais.

Espaços grandes para exploração também estão presentes, algo que o estúdio já havia nos dado em Uncharted 4, mas ainda maior. Cheios de rotas opcionais, cada uma delas nos dá um presente. Seja uma arma nova ou uma cena que acrescenta muito ao enredo, mas nunca sem um verdadeiro desafio e talvez esse seja um dos maiores pontos positivos do jogo.

O combate continua visceral, mas aqui toma proporções épicas de violência e realismo capazes de deixar balançado (pelo menos no começo, antes de se acostumar) até o mais duro dos corações. Há um leque impressionante de abordagens e possibilidades de confrontos, tanto com os monstros deste mundo, quanto dos grupos de humanos. Sério, é de cair o queixo em alguns momentos. Stealth e ação podem ser intercalados facilmente, de forma a experimentar vários caminhos não importa quantas vezes você jogue. E se no primeiro jogo as animações de mortes eram hiper realistas, aqui elas ficam ainda mais gráficas e com finalizações ainda mais numerosas, num trabalho de encher os olhos e assustar a alma. Some isso a cachorros e novas liberdades possibilitadas pelo hardware da atualidade e que não foram possíveis no primeiro jogo, como simplesmente acrescentar mulheres vilãs.

A inteligência artificial de todos os inimigos aqui dá um verdadeiro show a parte. E por mais que o destaque do jogo sempre foi o desenvolvimento de seus personagens, há um universo ao seu redor que deve ser observado. O mundo em The Last of Us Part II é extremamente violento, mas aqui ele é um personagem. Com provavelmente o gráfico mais belo visto nesta geração, há dezenas de apartamentos e casas abandonadas para serem visitadas, histórias para serem coletadas, memórias daqueles que se foram para nos alimentar.

Por consequência, há uma inquietante sensação de que nunca estamos no controle ali. Tudo é tenso o tempo todo e você não faz ideia do que irá acontecer, de como será surpreendido, que reviravolta virá.

A atenção aos detalhes passa por tudo. A bancada de armas é realista ao extremo e de uma beleza bruta a cada movimento de upgrade. Já a música é um elemento tão forte quanto o próprio mundo. A trilha sonora de Gustavo Santaolalla segue tão encaixada em todos os momentos ali que beira uma naturalidade bela e melódica, potencializando todos os sentimentos transbordados de forma cirúrgica.

E com algumas canções nas vozes dos personagens, cada uma obviamente com um significado, The Last of Us Part II ainda consegue nos surpreender ao implementar uma impressionante técnica para tocar violão. Cada momento no controle do instrumento é uma chave do enredo, geralmente de marejar os olhos, desde um acústico Take On Me sobre os olhos de quem amamos, a um tímido Pearl Jam sobre a vergonha de assumirmos nossos sentimentos.

E claro, não há apenas ação na jogabilidade. Momentos de calmaria em geral vem por meio de memórias e, de longe, a visita ao museu (uma sequência que sozinha levou dois anos para ser feita) já é um marco no mundo dos jogos.

Os problemas aqui são minúsculos perto de seus acertos, mas vale citar o cansaço de batalhar em suas mais de 30 horas de duração e a estranha, mas depois justificada, escolha em parecer terminar o jogo para depois nos entregar todo um novo e longo arco final que leva The Last of Us Part II ao auge de sua carga dramática.

SOBRE SANGUE E ÁGUA DO MAR

A verdade é que não existe nenhum jogo na história que tenha prezado tanto por sua narrativa em um nível tão alto de produção. Por causa de seu antecessor, The Last of Us Part II já nascia com um desafio que parecia ser impossível, o de ser mais envolvente e emocionalmente poderoso. Pois bem, de antemão, aqui vai um spoiler: ele consegue.

Desde o começo, tudo é apresentado de forma assombrosamente natural, seguindo um curso de reviravoltas e ações impensáveis. E talvez esse seja o maior feito do jogo, o da imprevisibilidade. Se pouco tempo do início do gameplay já temos de cara uma das decisões mais corajosas tomadas em narrativas ficcionais, é por causa dela que recebemos o recado de que tudo pode acontecer ali e ninguém está seguro.

A jornada em busca de justiça iniciada por Ellie e sua companheira Dina as colocam no meio de uma guerra entre os poucos humanos que sobraram naquele mundo devastado. Uma representação em formato micro de nossos tempos atuais, povos distintos que mesmo na miséria e na dificuldade ainda assim querem destruir uns aos outros pelo simples fato de não conseguirem aceitar suas diferenças. Ao conhecermos o grupo fascista WLF e os fanáticos religiosos Serafitas, ficamos fascinados pela capacidade de reconstrução da humanidade, mas horrorizados por seus discursos de ódio e destruição.

Ellie e Dina precisam enfrentar um furacão, inclusive aqueles que atingirão suas vidas pessoais, quando tamanha jornada começa junto com o início do relacionamento das duas. De fato, os momentos mais doces do jogo vem desse convívio. E quando falo doce, em momento nenhum soou piegas. É um relacionamento que surge de forma natural, sincera, bela, mas extremamente dificultosa naquele cenário, ainda que fiquemos fascinados e apaixonados pelas duas, suas vozes e violão. E sério, por tudo que é de mais sagrado, procure a loja de instrumentos musicais. Vai valer a pena!

Outro grande feito de The Last of Us Part II é enfrentar a própria comunidade onde está inserido. Um relacionamento lésbico entre duas das protagonistas é só a ponta do iceberg de uma série de decisões criativas praticamente únicas tomadas pela Naughty Dog. A questão de gênero é tratada de forma forte, com corpos reais e não sexualizados, até mesmo com representação trans, ainda que aberta para críticas devido a exploração do sofrimento dessa comunidade como forma de entretenimento.

Mas é no entendimento de um ciclo, que enfrentamos aqui o maior estereótipo de todos os jogos: a luta do bem contra o mal. The Last of Us Part II mostra de forma clara e poderosa que ninguém é apenas um papel timbrado de caráter e personalidade. E ele mostra isso ao nos apresentar uma nova personagem. Ao entrarmos no controle de Abby.

A ex-guerrilheira dos Vagalumes extremamente forte e musculosa, de aparência ameaçadora, esconde um lado repleto de traumas incuráveis. Ao realizar seu grande desejo já no começo do jogo, voltamos a encontrá-la apenas lá pela metade, onde é hora de a atendermos. Com as primeiras impressões passando, Abby nos conquista, principalmente com sua dor, seu sofrimento e com a forma como tudo isso é trabalhado, superado, modificado.

Temos então duas personagens. Duas protagonistas. Dois mundos diferentes, mas em rota de colisão.

Em The Last of Us Part II tudo é um ciclo e a grande lição que fica é que a vingança não serve de nada se a pessoa para quem ela é direcionada não quer recebê-la. A jornada de Ellie vai levá-la um gigantesco turbilhão de sentimentos, resultando em uma transformação sem precedentes em sua vida, onde no fim será obrigada a confrontar seu maior medo, aquele que ela revela ainda criança no primeiro The Last of Us. Abby passará por um verdadeiro inferno para se entender de verdade e entender aquilo que lhe é importante. Ela terá sua redenção. Mas a um custo irreparável de uma nova dor, um novo sofrimento.

Tudo isso culminando num encontro que representa um resgate de humanidade para ambas as personagens, vindo de uma coragem narrativa que poucas obras audiovisuais, mesmo entre o cinema e as séries, tiveram a ousadia em apostar.

Sobre um dilema emocional repleto de água do mar e sangue, encerramos The Last of Us Part II de forma assombrosa, num grito de sentimentos extremos e, acima de tudo, com uma memória criada por tamanha obra prima que dificilmente deixará nossas mentes um dia.

The Last of Us Part II está disponível para PlayStation 4

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5 Comentários

  1. Nossa, 3 caveiras dava até pra entender (apesar de não concordar), mas 5 caveiras??? O jogo é horrível na questão da história e é um soco na cara de quem jogou o original. De certeza o jogo não merece nota máxima só pelo seu excesso abusivo de lacração. Aliás como alguém em sã consciência pode defender aquela hulk horrorosa da abby?

    1. Sabia que iria vim um bebê chorão com papo de lacração

  2. Nossa, 3 caveiras dava até pra entender (apesar de não concordar), mas 5 caveiras??? O jogo é horrível na questão da história e é um soco na cara de quem jogou o original. De certeza o jogo não merece nota máxima, o que coloca a credibilidade do “critico” em extrema dúvida.

  3. Ótimo texto! Transmitiu bem os diversos sentimentos que esse jogo nos trás. Uma obra impactante e definitivamente inesquecível.

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