Control
Original:Control Ano:2019•País:Finlândia Desenvolvedora:Remedy Entertainment •Distribuidora: 505 Games |
Quando os diretores da Remedy foram perguntados por que o nome do novo game seria Control, eles responderam que aquela era uma mensagem de que o estúdio estava tomando o controle de suas escolhas criativas de volta. E, sinceramente, essa foi de longe a melhor atitude que eles poderiam ter tomado. O estúdio finlandês responsável pelos marcantes Alan Wake e Quantum Break entregou em 2019 seu título mais ambicioso, praticamente o fim de uma “trilogia” de jogos de mistério, mas agora com a apresentação de uma experiência rara no mundo dos games. Saindo das obviedades temáticas dos jogos de superprodução com histórias de samurais, guerras, zumbis e tantos outros clichês, Control abraça o estranho e o incompreensível para se tornar um verdadeiro acontecimento desta geração.
Com uma história que começa confusa e se desdobra de forma gigantesca, logo em seu início, sem muita cerimônia, Control nos coloca no controle de Jesse Faden, uma jovem que adentra um prédio no centro de Nova York notavelmente guiada por algo que “ecoa” em sua cabeça. O prédio é na verdade a Agência Federal de Controle (FBC), um órgão do governo estadunidense responsável por entender, investigar e conter elementos e fenômenos paranormais. Uma instituição secreta que existe há décadas, cheia de recursos, repleta de centenas de funcionários e segredos aos milhares, mas que durante a entrada de Jesse está passando por seu momento mais crítico.
Atravessando corredores, escritórios e salas de reuniões vazias, Jesse encontra um faxineiro que diz que ela está ali para uma entrevista de emprego e assim é encaminhada para a sala do diretor somente para encontrá-lo morto, notavelmente tendo tirado sua própria vida com sua arma de trabalho. Ao tocar na arma, Jesse percebe que só conseguiu isso porque foi escolhida pelo objeto. E quem possui a arma é automaticamente o novo diretor da FBC. Assim, mesmo estando numa jornada pessoal de respostas naquele lugar investigando acontecimentos do seu passado, Jesse se torna – simplesmente do nada – na chefe da Agência, ganhando a responsabilidade de salvar o lugar e seus funcionários do Ruído, uma entidade de outra dimensão que invadiu a sede da FBC (chamada de Antiga Casa), controlando a mente de diversos funcionários, criando monstros e colidindo existências, obrigando-a a se fechar para o mundo num tipo de “modo de segurança“. Ninguém mais entra, ninguém mais sai. E é aí que Control começa de verdade.
Se a Remedy era uma verdadeira especialista em fazer jogos de ação em terceira pessoa, é aqui que ela encontra o auge de sua fórmula de desempenho. Assim como seus “antecessores”, Control consegue mesclar elementos de aventura em sua jogabilidade, mas com um enredo de ficção científica e toques profundos de mistério e terror, com inspirações de clássicos desde 2001: Uma Odisséia no Espaço, até pérolas mais atuais como Aniquilação, Twin Peaks e Arquivo X para nos entregar um mundo nunca antes visto na história dos jogos onde o estranho é o natural.
A Velha Casa é um lugar gigantesco e bizarro, onde as centenas de escritórios de aparência burocrática estão conectados a diversas dimensões alternativas, onde o limiar entre a vida e a morte é ultrapassado facilmente, além de pesquisar e conter diversos “objetos de poder”, qualquer coisa conectada a um plano astral que cria alterações na realidade e pode dar habilidades especiais a seu portador (ou simplesmente enlouquecer ele).
A arma que escolhe Jesse é um desses objetos de poder. Com forma variável, capaz de tomar estilos diferentes de tiros e com munição infinita, ela é simplesmente incrível, não necessitando ao game um esquema de armas diversas, quando um único objeto sozinho consegue ser tão fascinante.
E Jesse não está à mercê de sua própria sorte. Ao lidar com o Ruído e tendo o dom de limpar áreas da entidade que não possui uma forma física, mas astral, o time de funcionários e especialistas da FBC começa a dar as caras. E embora muitas respostas sejam dadas pelo incrível e extremamente exótico servidores da Agência, a verdade é que o ritmo narrativo de Control vai sempre criando mais perguntas. Descobrimos que Jesse foi vítima de ações da FBC há 17 anos, quando em sua cidade natal um grupo de crianças encontrou um objeto de poder dimensional que mudou suas vidas. Na abordagem da Agência, Jesse conseguiu fugir, mas o objeto foi contido junto com seu irmão, levado para a Velha Casa para ter as implicações do objeto nele estudadas. Com uma entidade astral em sua mente, Jesse é na verdade a única a ser capaz de reunir habilidades e se tornar forte o suficiente para enfrentar a tentativa de dominação do Ruído junto a descobrir o destino do seu irmão.
Todo o texto de Control inclusive é um primor. Os diálogos são ótimos e as interpretações do time de atores são excelentes. Com os avanços tecnológicos existentes hoje, o sistema de feições dos personagens é um dos mais expressivos já vistos na indústria, e a dedicação a interpretação é tão intensa, que até mesmo Courtney Hope ganhou o maior prêmio do mundo dos games por seu papel como Jesse, um reconhecimento extremamente justo tendo em vista o carisma da personagem que não nos abandona em nenhum momento, principalmente por ela ser a única jogável. E mesmo sendo um jogo de mistério com boas doses de terror, o humor tem um espaço aqui que funciona indiscutivelmente bem, principalmente pelo fato de dezenas de situações absurdas serem tratadas com tamanha naturalidade (o que o momento da geladeira tem de pavoroso, tem de estranhamente divertido).
O envolvimento que temos com Control é tamanho, que além da história nos prender como um abraço na escuridão que começa a lhe esmagar, mas você não consegue sair, há centenas de documentos para serem lidos acrescentado informações à trama, principalmente com a análise de casos e relatórios parcialmente censurados da FBC. E o mais absurdo é que esses documentos sejam sim muito bons de ler. Quantum Break já havia trazido essa forma de enriquecer a história sendo completamente dispensável e tediante, mas que aqui funciona como em raros games. Até os curtos vídeos de “tutorial” gravados pelo setor de pesquisa da FBC (a maioria em live action) são muito prazerosos de serem vistos.
Mas Control não se sustentaria sozinho se não fosse por sua jogabilidade e o quão incrível ela é. Simples e intuitiva, ela é extremamente eficiente em tudo que se propõe, nunca se tornando enfadonha. Além da arma que não precisa de busca por munição, Jesse passa a dominar uma série de habilidades paranormais à medida que encontra objetos de poder. Assim, telecinese para arremessar objetos, dash, escudo de energia e voar são poderes valiosos e que podem ser muito bem combinados para a vitória sobre as hordas de inimigos.
Há uma certa vibe metroidvania no game, com razoáveis idas e vindas pelos setores da Velha Casa que podem desagradar algumas pessoas, principalmente devido a busca dos cartões de acesso que abrem áreas até então fechadas. Os mods de armas e habilidades são um problema por virem em grandes quantidades e serem inúteis na maior parte, sendo necessário sempre estar limpando o inventário, enquanto a árvore de melhoria das habilidades realmente faz uma boa diferença.
Os inimigos, embora simples, são bastante desafiadores em grandes quantidades e as lutas sempre tem um ar bastante emocionante. Mas Control peca quase que fatalmente em suas lutas de chefe. São simplesmente o oposto de todo o jogo, com as habilidades não se encaixando exatamente bem na hora e um poder colossal nesses inimigos, muitos que conseguem te derrotar com apenas dois ou três golpes certeiros.
E que jogo bonito. Os gráficos são excepcionais, exigindo o que há de mais potente atualmente em placas gráficas para mostrar seu melhor e gerando até um pouco de desconforto quando notamos a diferença de seu funcionamento num Xbox One e um PlayStation 4, comparado a um computador bem equipado. Sua ambientação toda é um absurdo de bem feita, desde os escritórios padrões até as viagens ao plano astral e as interseções entre os dois mundos, com o uso do cinza quase sempre em evidência, mas com explosões de vermelho que saltam aos olhos em seus momentos chave. Sem falar na física de todos os objetos expostos, onde boa parte pode ser movimentada ou atingida pelas batalhas no caminho.
O trabalho de iluminação é belíssimo, até mesmo as bizarras viagens ao Hotel Oceanview são admiráveis. E mesmo com uma trilha sonora um pouco fraca variando entre rock e tango finlandês, o jogo entrega seu auge no Labirinto do Cinzeiro, fácil um momento que entrará na história de cada jogador como seu favorito, além de uma bizarra surpresa em seu “final”.
Tudo isso culminou em um verdadeiro sucesso, atingindo a marca de dois milhões de unidades vendidas até dezembro de 2020, com uma crescente impulsionada pela otimização do jogo para os consoles da nova geração. A Remedy também não permitiu que o título ficasse parado de novidades, e duas expansões foram entregues com uma riqueza de acréscimo ao game que realmente valem o investimento extra.
A primeira, intitulada The Foundation, coloca Jesse numa jornada pelas bases históricas e de fundação da Velha Casa, mas é na segunda, AWE, que a Remedy ousa Control ao máximo, colidindo seu bizarro mundo de investigações do além mundo, com o sobrenatural de Alan Wake, dando respostas inéditas aos fãs do título cult e com um vilão saindo direto dos personagens clássicos, tudo isso apresentando um novo setor da FBC e uma nova e viciante arma.
Novamente, Control é um acontecimento. Tamanho trabalho feito com tanto esmero, abraçado por um grande estúdio e autorizado em diversas liberdades criativas é um produto raro numa indústria que costuma navegar em águas seguras, mas que aqui tem toda a coragem de nos colocar em um pequeno bote, vendado, durante uma tempestade de emoções e estranhezas que deve ser louvado em sua geração.
O jogo está disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series e PC.