Um Clássico Filme de Terror (2021)

3.9
(19)

Um Clássico Filme de Terror
Original:A Classic Horror Story
Ano:2021•País:Itália
Direção:Roberto De Feo, Paolo Strippoli
Roteiro:Lucio Besana, Roberto De Feo, Paolo Strippoli
Produção:Iginio Straffi, Maurizio Totti, Alessandro Usai, Gaia Antifora, Andrea Grazzani.
Elenco:Matilda Anna Ingrid Lutz, Francesco Russo, Peppino Mazzotta, Will Merrick, Yuliia Sobol, Alida Baldari Calabria.

Produzido pela gigante do streaming Netflix, Um Clássico Filme de Terror homenageia (ou tenta) os clássicos do gênero mais controverso e cultuado do cinema. Na trama, alguns passageiros de nacionalidades diferentes compartilham uma viagem de motorhome pela região sul da Itália, conhecida como Calábria. O motorista, um pseudo-cineasta-blogueiro e cinéfilo chamado Fabrizzio, conduz o pequeno grupo de desconhecidos: o jovem e alegre casal formado por Mark e Sofia, um médico (não tão bem humorado assim) chamado Riccardo, cujo passado esconde algum segredo obscuro e a protagonista Elise, que vive também um momento conturbado: está viajando até uma clínica onde deve realizar um aborto.

A viagem, por uma sinuosa estrada contornada pelo verde de uma densa floresta, ocorre sem maiores conflitos até que Mark resolve assumir a direção do veículo, a contragosto de Fabrizzio. Algum tempo depois, ao desviar de um animal morto, o motorhome se choca com uma árvore. Os passageiros perdem o sentido brevemente e acordam com ferimentos leves, exceto Mark que tem uma fratura exposta em uma das pernas. Ele é rapidamente imobilizado com uma tala improvisada pelo médico presente. Porém, ao sair do trailer o grupo constata algo incompreensível no momento: eles estão distantes da estrada, em meio à uma clareira cercada por árvores. Próximo ao local apenas uma casinha de madeira com uma arquitetura um tanto suspeita. Em pouco tempo eles descobrem que o chalé é uma espécie de local de culto de uma terrível seita que reverencia três entidades ancestrais: Osso, Mastrosso e Carcagnosso.

É impossível continuar descrevendo o enredo sem estragar a experiência (boa ou ruim) proposta pelos cineastas italianos Roberto De Feo e Paolo Stripolli. Ou seja, como todos imaginavam e nem chega a ser um spoiler de verdade, as coisas não são exatamente o que parecem. E é neste momento, em que a primeira hora de filme é desconstruída e a verdade é revelada, que a maioria dos espectadores irá torcer o nariz, em partes porque o início é bem promissor.

Mas fica uma recomendação: Um Clássico Filme de Terror se torna bem mais aceitável quando o dividimos em duas “fatias” distintas: uma antes e outra após o controverso plot twist. A primeira parte (que “resiste” em torno de uma hora dos 95 minutos de duração) costura muito bem uma série elementos de clássicos incontestáveis como O Massacre da Serra Elétrica (1974), Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (1982), Midsommar – O Mal Não Espera a Noite (2019) e O Homem de Palha (1973). A “homenagem” não se limita à trama, o espectador mais atento vai notar coincidências na paleta de cores, enquadramentos e trilha sonora. Por falar em quesitos técnicos, a qualidade do filme todo é indiscutível, principalmente a fotografia que abusa de cores “desbotadas”. Já a trilha sonora, que é outro destaque, navega entre canções italianas (que causam um estranhamento bem interessante) e o instrumental incômodo  de Massimiliano Mechelli.

Uma canção se destaca bastante para nós brasileiros: a versão em italiano para o clássico infantil de Vinicius de Moraes “Era Uma Casa Muito Engraçada”. Umas das cenas mais violentas acontece ao som da canção. Cena esta inspirada numa das sequências mais marcantes de Louca Obsessão (1990). Em relação a violência, ela até está presente (olhos, orelhas e línguas são arrancadas, por exemplo), mas quase sempre em off screen, o que pode frustrar um pouco quem curte aquele famoso gore que o próprio cinema italiano de horror, em sua época áurea, ajudou a difundir.

É importante considerar que ambas as partes (pré e pós plot twist) despejam referências (diretas ou mais sutis) aos filmes de horror que tanto amamos, mas, curiosamente, ignora quase totalmente o ciclo de horror italiano (que agraciou o gênero com Bavas, Fulcis e Argentos). São as produções americanas quem ditam as regras do jogo em Um Clássico Filme de Terror.

Em relação ao elenco, a protagonista é interpretada com a dedicação necessária pela italiana Matilda Anna Ingrid Lutz (da produção franco-belga Vingança, de 2017). Completam o elenco: o jovem inglês Will Merrick vivendo Mark, a lindíssima ucraniana Yuliia Sobol como Sofia, e os italianos Peppino Mazzotta como o médico Riccardo e Francesco Russo como o personagem Fabrizzio.

Em relação aos personagens, como a construção psicológica de cada um é muito rasa, fica difícil para o espectador criar qualquer tipo de empatia com eles, ou seja, se morrem, se sofrem ou se estão vivos pouco importa. A própria protagonista tem sua história (se o aborto é realmente desejado, se há algum tipo de empenho para proteger a gravidez, por exemplo) pouco desenvolvida, limitando assim o desempenho de Matilda. Talvez a exceção seja o condutor Fabrizzio, cuja participação cresce durante o desenrolar da trama.

Precisamos falar sobre Fabrizzio (contém spoilers)       

Fabrizzio é ao mesmo tempo, o condutor do motorhome, o cinéfilo que tece comentários que pontuam algumas das homenagens aos filmes de horror e também o grande vilão revelado na polêmica reviravolta – o personagem parece sintetizar as principais ideias de Pânico (1996). Ironicamente, Fabrizzio usa uma camiseta vermelha escrito Spoiler, ou seja, ele é a própria grande revelação. É aqui que inicia a segunda parte do filme, quando a protagonista e nós descobrimos que Fabrizzio estava filmando todas as atrocidades ritualisticas da seita (desmembramentos, assassinatos e torturas) e pretendia lançar o filme como um Verdadeiro Clássico Filme de Horror, um grande snuff. Ou seja, ele dirigia o filme de dentro do próprio filme, numa espécie de salada metalinguistíca que coloca em xeque toda verossimilhança que havia até então. Fabrízzio também reflete em seus diálogos, o fetiche pela violência, não apenas nos filmes, também nos noticiários. Em contrapartida, questiona em determinado momento que o cinema italiano sobrevive de filmes de comédia (assim como o nosso cinema tupiniquim) e não investe em filmes de terror.

Considerações finais

Apesar de toda a pretensão da produção, pode ser divertido identificar as homenagens/easter eggs inseridas, algumas indiretas, outras presentes nos diálogos escritos pelos diretores/roteiristas Roberto De Feo e Paolo Strippoli (com a ajuda de Lucio Besana). Numa destas falas, por exemplo, Fabrizzio comenta nervoso: “Batemos numa árvore, pertinho da estrada e acordamos na frente da casa de Sam Raimi.”

Enfim, apesar da proposta louvável (reverenciar e refletir sobre o gênero horror), do esmero técnico e do plot twist ambicioso, Um Clássico Filme de Terror se perde em seu ato final em meio as “metalinguagens” que tornam a trama bem inverossímil e incompleta – e acaba decepcionando. Dificilmente se tornará um “clássico”.

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João Pires Neto

João Pires Neto é apaixonado por livros, filmes e música, formado em Letras, especialista em Literatura pela PUC-SP, colaborador do site Boca do Inferno desde 2005, possui diversos contos e artigos publicados em livros e revistas especializadas no gênero fantástico. Dedica seu pouco tempo livre para continuar os estudos na área de literatura, artes e filosofia

7 thoughts on “Um Clássico Filme de Terror (2021)

  • 20/01/2023 em 15:38
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    Não é ruim, mas o final foi horrível e deu aquela sensação de filme incompleto. Nota 5.0…

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  • 06/01/2023 em 18:03
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    Discordo dessa análise, achei o filme muito bom , uma homenagem ao terror, pra mim a graça foi exatamente o plot twist (ao contrário do que o autor escreveu aí, inverossímel seria se a história fosse sobrenatural), particularmente achei o desfecho “lindo” com a cena da protagonista na praia, já assisti duas vezes e na segunda vez fica melhor ainda pelos detalhes que “deixamos passar” da primeira vez que assistimos.

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  • 24/08/2021 em 15:28
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    Não que seja ruim de todo, mas eu não assistirei uma segunda vez. Um filme sem pé nem cabeça, que copia ideias de outros filmes e que ao inves de fazer “homenagens” ele piora o que outros ja fizeram.

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  • 10/08/2021 em 16:25
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    Até a metade, o filme funciona muito bem. Depois é só ladeira abaixo. O final apressado tb é uma decepção

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  • 01/08/2021 em 14:01
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    O nome Roberto De Feo (depois de ter assistido a O ninho) e poder deleitar meus ouvidos com o idioma italiano foi o que mais me atraiu para esse filme. A estética também. Acho que tinha um bom potencial, mas, como já dito, em certo ponto começa a desandar. Talvez se fossem dois filmes, poderiam render resultados melhores. Não que a ideia em um filme só não seja boa, mesmo que não original, mas a execução falhou. Pode ser que essa percepção se dê também pela expectativa criada pela primeira parte do filme e que não se concretiza. Ignorando os estereótipos, estava interessante. Mas a revelação, para mim, foi pouco impactante e não apenas por já ter indícios bem claros sobre certo personagem, achei meio abrupta, desajeitada, quebrando toda tensão, assim como uma cena depois.
    O personagem Fabrizzio é chato demais! Entendo que seja bem adequado à função dele na trama, mas é chato.
    Achei decepcionante o fato de as cenas mais violentas serem off screen. Não ia achar agradável ver, mas faltou ousadia, depois da primeira, já se sabia que não seria mostrado nada mais explícito.

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  • 29/07/2021 em 13:49
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    Achei o filme com potencial, mas decepcionante.
    As cenas da primeira parte, como a descoberta das três efígies, a história da origem dos supostos três monstros acompanhada pelas perturbadoras pinturas, e o sacrifício inicial, são muito bem feitas e certamente prendem a atenção de quem está assistindo, deixando-o imerso e com vontade e medo de saber mais.
    Infelizmente o filme começa a despencar a partir daí, e a reviravolta sem pé nem cabeça simplesmente acaba por destruir tudo de bom que fora construído anteriormente, sem contar na sequência final que chega a ser pretenciosa demais.
    A doce ironia resta no fato de que se tivessem realmente feito um “clássico filme de terror”, continuando o filme no estilo das cenas iniciais e com foco principal nos três monstros e na peculiar casinha na floresta, acho que o resultado final teria sido muito, mas muito melhor.

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    • 06/01/2023 em 18:11
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      Mas a ironia é o próprio título do filme mesmo, a pretensão do diretor foi fazer uma paródia sobre filmes de terror americanos (inclusive eles fazem piada com eles mesmos, com os filmes italianos no final) a graça foi exatamente o “plot twist ” , ao invés de terem feito mais um filme sorenatural.

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