Animales Humanos
Original:Animales Humanos
Ano:2020•País:México Direção:Lex Ortega Roteiro:Adrian Garcia Bogliano, Miguel García Moreno, Carlos Meléndez, Adriana Pelusi e Carlos Quintanilla Produção:Mariana Aceves, Alexis Fridman, Adrian Garcia Bogliano, Andrea Quiroz, Jorge Eduardo Ramírez, Billy Rovzar, Fernando Rovzar, Erica Sánchez Su, Andrea Toca. Elenco:Adriana Louvier, Antonio de la Vega, Aroa Gimeno e Néstor Rodulfo. |
(o texto abaixo apresenta SPOILERS)
Produção que revisita de maneira inesperada o subgênero Home Invasion, Animales Humanos apresenta o drama da família formada por Fabiola, Roy e a filha Teresa. Eles vivem felizes e seguros em um bairro elegante de classe média. Não há muros ou cercas protegendo as casas, apenas belos e verdejantes gramados. Mas algo tem incomodado os pais: o cachorro do vizinho, um enorme pastor belga que tem invadido o quintal e deixado Teresa completamente apavorada. Segundo os donos do cachorro, o amistoso casal de ativistas veganos Anahí e Chava, a preocupação é um tanto descabida, pois Jagger é adestrado e inofensivo. Porém, em um momento de confusão, a criança é acidentalmente atacada e mordida no braço. Os pais se revoltam e denunciam o caso à polícia, que determina o recolhimento e sacrifício imediato do cão. Os donos de Jagger ficam desolados e entram em desespero, pois sempre cuidaram do animal como se ele fosse um verdadeiro filho. Pouco tempo depois, eles decidem colocar em prática uma vingança perturbadora e inimaginável: invadir a casa de Roy e exigir como compensação a morte da pequena Teresa.
Animales Humanos é uma película mexicana bastante eficiente em seus 87 minutos de exibição. O diretor Lex Ortega já havia deixado sua marca no famigerado Atroz (2015), produção independente que, sutil e oportunamente ficou conhecida tal qual “o filme mais violento da história do México”. O razoável sucesso deste longa conferiu ao diretor certa evidência, permitindo que ele fosse contratado para adaptar a controversa trama que coloca em questão, simultaneamente, temas como o caráter moral e ético do consumo de carne animal e da humanização dos pets. Destinado a um público não tão hardcore, a violência em Animales Humanos é bem menos crua e mais estilizada do que o trabalho inaugural de Ortega. A ideia dos produtores, apesar do roteiro desconcertante, era o de uma obra mais “palatável” que pudessem apresentar nos cinemas – o que, independente do resultado alcançado, não foi possível por causa da pandemia. A solução óbvia foi distribuir o filme nas plataformas de streaming (por aqui, está disponível na Amazon Prime), o que aconteceu no final de 2020, causando certo ruído entre os fãs do gênero.
A grande controvérsia do ato inicial é exposta de maneira engenhosa, contrapondo provocações a favor da causa animal a outras nem tanto. Estes argumentos que se opõem deixam o espectador desorientado e hesitante em escolher qualquer um dos lados para apoiar. Ao mesmo tempo, a relação entre os casais se deteriora e aborrecimentos triviais elevam a tensão entre as duas “até então” pacatas famílias. Estes pequenos conflitos conduzem ao incidente que é o ponto crítico do enredo: o sacrifício do cão. Não é gratuito que esta seja a cena mais explícita e desagradável de toda a produção – mas não se preocupe, a cena não passa de uma boa edição somada a alguns efeitos, nenhum bichinho foi realmente ferido nestas gravações. Após a morte do cão – que era “inocente”, diga-se de passagem – o pior se revela nas atitudes do casal de ativistas. Eles planejam retaliar aplicando a chamada Lei do Talião, que rege uma rigorosa reciprocidade em um crime praticado. A trama, escrita por Adrian Garcia Bogliano, Miguel García Moreno e Carlos Meléndez, além de propor estas discussões sobre a relação humano-animal (ativismo, veganismo, humanização dos animais domésticos, por exemplo), também investe numa estrutura em que este mesmo primeiro ato ignora as dinâmicas mais clichês dos filmes de terror, apostando em um enredo mais dramático que, apesar de gradualmente se intensificar, não revela indícios do que realmente está por vir.
Outra polêmica é o perturbador pós-desfecho. Na cena, vemos uma mulher (que deduzimos ser Anahí) bem vestida, chegando em casa, deixando as compras na cozinha, abrindo uma lata de ração e supostamente indo alimentar seu cachorro de estimação. O impactante é que o animal é, na verdade, Teresa. Ela está trancada em um cômodo, acorrentada, suja e esfarrapada e se alimentando da ração como se fosse um cachorro.
Enfim, o roteiro é o principal destaque do filme, não apenas por propor o debate de um assunto relevante nos dias atuais, mas também por desenvolver acertadamente o suspense e o horror quando investe neste. Ainda que, já próximo do desfecho, a trama dê uma pequena derrapada e deixe escapar uma espécie de flashback didático bem desnecessário, que tenta explicar o passado do casal vegano-psicopata.
Billy Rovzar, um dos produtores, fez uma declaração interessante que define bem a origem do plot de Animales Humanos. Em entrevista recente a Agência EFE, ele afirmou que “A maioria dos filmes de terror de maior sucesso é sobre coisas do dia a dia, pegamos coisas que entendemos como belas ou que nos dão paz e segurança e as distorcemos”. O produtor também é o responsável pelo projeto Lemonster, um braço de sua produtora que deve se especializar em filmes de horror. Por enquanto, além de Animales Humanos, apenas a produção Juega Conmigo, dirigido por Adrian Garcia Bogliano em 2021.
Voltando ao filme em questão, dois equívocos são agravantes que impedem que Animales Humanos alcance o máximo de seu potencial. O primeiro é a edição caótica adotada no segundo ato, cheia de cortes e ângulos pouco usuais. Estes recursos arruínam a dinâmica realista inicial – mas é em partes justificável, visto que a intenção dos produtores era “moderar” a censura e exibir o resultado em circuitos comerciais pelo mundo afora.
A segunda fragilidade da produção é a atuação mediana e nada cativante do elenco, formado por Adriana Louvier (Fabiola), Antonio de la Vega (Roy), Aroa Gimeno (Anahí) e Néstor Rodulfo (Chava), que está aquém de um roteiro tão intenso. A artificialidade dificulta que espectador sele aquele tal pacto ficcional que faz com que o destino dos personagens de fato importe.
Enfim, embora o título e a própria abertura (que mostra cenas reais de animais sendo mortos em um abatedouro sem qualquer escrúpulo) já dê o tom e exponha uma das principais reflexões que o longa proporciona: não são poucas as vezes que somos muito mais animais do que humanos, com atitudes nada racionais? Novamente nos permite aquela leitura, correta, a meu ver, que o homem é o verdadeiro selvagem e é sempre pior que a própria natureza (quando consideramos este fora dela).
Concluindo, Animales Humanos é uma obra atípica, direta e sem delicadeza nas questões que propõe discutir. O longa busca não apenas ser um exemplar competente do subgênero home invasion (e consegue), mas também incomodar, mesmo sem a violência explícita e o gore esperado deste tipo de obra. E consegue importunar com ideias e situações que devem atingir os espectadores, dos mais resistentes aos mais sensíveis.
Com spoilers?
Ainda bem que vi o filme antes de ler o texto, mas, realmente ainda prefiro ter o Boca do Inferno como parâmetro antes de assistir uma filme ou série.
Sobre o filme, foram corajosos ao “mexer” com crianças em tempos de militância e lacração, não gostei muito do final, mas…
Olá
Confesso que achei o filme entre mediano e ruim, ao meu ver seus defeitos sobrepõem às virtudes: as atuações passam longe de ser boas; o filme tem cenas de suspense mal construídas (exageradamente grandes, ao meu ver); e o enredo não funciona muito bem, principalmente no aspecto envolvendo os personagens, que agem de maneira irritantemente burra.
Porém, apesar dos defeitos, a premissa é bem interessante e acho que com um diretor melhor (tipo o Fede Alvarez), o filme é um bom candidato a remake daqui a uns 5 anos.
Oi Fernando, em partes sim, por isso coloquei o aviso de spoilers no começo.
Abraços…
Desculpe, falha minha. Não percebi o aviso.
O autor do texto entregou o final do filme????????
É isso mesmo, produção?