Shock! Diversão Diabólica
Original:
Ano:1984•País:Brasil Direção:Jair Correia Roteiro:Jair Correia, Gertrudes Eisenlohr Produção:Luiz Carlos Dupont Elenco:Claudia Alencar, Jurandir Abreu, Elias Andreato, Taumaturgo Ferreira, Mayara Magri, Aldine Muller. |
Quem diria que um dos slashers mais interessantes da década de 1980 seria produzido justamente no Brasil, um lugar sem essa “tradição” cinematográfica. Não sei se porque o objetivo não era esse, mas de forma inadvertida, o publicitário Jair Correia, na tentativa de realizar um thriller de suspense psicológico, acabou produzindo um slasher genuinamente brasileiro, que, mesmo tratando de medos profundos, exala rebeldia juvenil em cada quadro.
Shock! é a terceira experiência de Jair Correia como diretor de longas-metragens, e a mais conhecida. Antes, ele dirigiu Duas Estranhas Mulheres (1981) e Retrato Falado de uma Mulher sem Pudor (1982), ambos filmes sombrios com mulheres fortes como protagonistas, além de diversos curtas, geralmente com altas cargas psicológicas. Para Shock!, entretanto, o diretor pareceu querer aprofundar no tratamento psicológico de seus personagens (chegou a chamar uma psicóloga para trabalhar com ele no projeto), e criou uma situação onde pudesse explorar bem as emoções humanas diversas – o que inclui a perda dos sonhos e objetivos.
Assim, o filme abre com uma grande festa regada a sexo, drogas e rock ‘n’ roll made in Brazil! Devemos lembrar que em 1984 o Brasil ainda vivia uma ditadura militar e um período de censura, e o pensamento “liberal” fazia a cabeça de muitos jovens que buscavam a liberdade através das lutas políticas.
Após a festa, um grupo formado por alguns casais permanece no sítio, por motivos variados, até que começam a ser assassinados noite adentro, um a um, por uma figura misteriosa cujos pés são a única visão e informação que temos sobre. E é isso.
A partir daqui, o filme parece seguir todas as convenções dos slashers (mesmo com o diretor afirmando nunca ter visto esse tipo de filme na vida), mas, de forma sutil, subverte e quebra todas as regras, e isso bem antes de Wes Craven fazer uma check list desses padrões e usá-los como mote de uma de suas obras máximas (Pânico).
Em Shock!, temos uma típica situação de caça, onde o caçador encurrala as vítimas e impõe um isolamento onde elas devem enfrentar seus maiores medos. E é nessas horas de reflexão existencial juvenil (que volta e meia termina em briga e lavagem de roupa suja) que o roteiro brilha e mostra sua força. A cargo do próprio Jair Correia e de Gertrude Eisenlohr, o roteiro substitui a gritaria típica por diálogos interessantes sobre a vida e sobre o medo da perda, e quando o medo toma conta, o que era reflexão existencial se torna pânico, raiva, amargura, como se caísse uma máscara que deixasse todos nus em cena.
Comum a quase todo slasher, Shock! também possui realistas cenas de sexo, e o prazer e a luxúria também fazem parte do quadro de emoções que a direção tenta expor. Assim como as cenas das mortes, as cenas de sexo são reproduzidas em câmera lenta, de forma que também nos possibilita entender muito sobre os personagens. O sexo e as relações de gênero, aliás, atravessam a trama como um fantasma, condicionando o comportamento de todos os personagens, inclusive politicamente, e desestruturando-os a todo momento.
O elenco, que conta com a presença de figuras que se tornaram bastante conhecidas, como Cláudia Alencar e Taumaturgo Ferreira, é bacana apesar de estarem todos em início de carreira, e o uso de algumas expressões e gírias da época tornam o texto (e a atuação) meio estranho para os dias de hoje.
Eu diria que Jair Correia conseguiu uma proeza com o Shock!. Em 1984, o gênero slasher já dava sinais de cansaço, com enredos repetidos, superficiais e as continuações já tomando bastante espaço entre os filmes produzidos. Shock! tem um roteiro bastante refinado, o que faz toda a diferença em uma produção de tão poucos recursos. É inteligente ao refletir a mentalidade de uma época, mentalidade essa que dá substância a todas as nuances do roteiro. Longe de ser careta como alguns dos exemplares estadunidenses, Shock! consegue segurar a onda até o fim e ainda surpreender mais uma vez no último segundo, com um dos encerramentos mais legais entre os filmes do gênero.
Shock! faturou alguns prêmios em seu lançamento, como os prêmios Governador do Estado de Melhor Montagem e de Melhor Trilha Sonora, em 1984, e o de Melhor Atriz Coadjuvante (para Mayara Magri) no 1º Festival de Cinema de Caxambu, também em 1984. No Festival do Cinema Brasileiro de Gramado daquele ano, chegou a ser inscrito como filme independente, mas foi preterido em função de outra produção paulista, Extremos do Prazer, de Carlos Reichembach. Shock! foi exibido em vários cinemas do país com sucesso mediano, e lançado em VHS pela CIC Vídeo no final da década de 1980, tornando-se logo uma raridade. Atualmente, encontra-se disponível no Youtube.
Queria muito achar esse filme em boa qualidade em um serviço de streaming