They / Them
Original:They / Them
Ano:2022•País:EUA Direção:John Logan Roteiro:John Logan Produção:Jason Blum, Michael Aguilar Elenco:Kevin Bacon, Theo Germaine, Anna Chlumski, Cooper Koch, Anna Lore, Quei Tann, Austin Crute, Monique Kim, Carrie Preston, Boone Platt, Hayley Griffith, Darwin del Fabro e Mark Ashworth |
Um grupo de adolescentes LGBTQIA+ é mandado para passar um tempo em Whistler Camp, um acampamento de conversão sexual. Ao chegar ao local são recepcionados por Owen Whistler (Kevin Bacon) e sua esposa Cora (Carrie Preston), que apresentam a equipe de funcionários do lugar. A equipe tenta então mostrar que no acampamento os jovens irão encontrar um ambiente sem riscos e que eles podem ser quem são, porém conforme os dias se passam e as atividades do lugar se apresentam percebemos que não há nada amistoso e acolhedor por ali e para piorar tudo um maníaco mascarado está a espera para começar uma chacina.
Quando vi notícias que a Peacock iria produzir um slasher diferente do habitual fiquei muito instigado. O terror sempre usou questões sociais para dar uma cutucada no seu público, e o fenômeno chamado por alguns de pós terror é um exemplo de uma nova onda de filmes autorais que usa bem essas polêmicas como pano de fundo. A questão da homofobia sempre foi algo que eu imaginei que poderia ser bem trabalhado em filmes de terror; e no subgênero slasher há muita coerência e facilidade de uma construção narrativa por ter bases em comum entre os elementos. Afinal a base do slasher se dá na ideia de um maluco mascarado que coloca um alvo num grupo específico de pessoas e começa a sua matança; e a base da homofobia é a de pessoas completamente malucas que se incomodam com a existência de outros indivíduos a ponto de chegar a extremos como infelizmente ainda vemos.
Tendo como roteirista John Logan, escritor de Penny Dreadfull, e no elenco e na produção executiva Kevin Bacon, as chances de ser algo promissor só foi aumentando, entretanto assim como o peixe que morre pela boca, o ansioso também morre pela espera.
A ideia de acampamentos de conversão sexual por si só já é absurdamente assustadora, ainda mais sabendo que esses lugares ainda existem como forma de tortura institucionalizada em muitos lugares do mundo.
Dessa forma quando iniciamos o filme sentimos esse incomodo ao sermos apresentados à dinâmica do lugar. A excelente atuação de Kevin Bacon como líder do acampamento aumenta essa tensão, pois aqui vemos uma personalidade misteriosa e imprevisível. Os jovens por sua vez se mostram tão fragilizados e múltiplos que acabam sendo de fácil simpatia do público, mesmo que sejam tantos que acabem se perdendo pelo roteiro.
Em uma entrevista à imprensa, John Logan disse que essa obra era uma forma de celebrar as identidades queer representando personagens que ele nunca havia visto enquanto crescia, e de fato isso é comprovado na multiplicidade que vemos aqui. Há uma garota transexual, um gay heteronormativo com problemas de aceitação, uma garota lésbica assumida e supostamente bem resolvida, uma garota bi curiosa sobre suas descobertas, um menino gay que sofre preconceitos em casa e diversas outras personas.
Mesmo os conhecendo de maneira rasa, seja pelo tempo curto de cada um ou pelo excesso de temas que o filme tenta abordar, ainda assim conseguimos sentir empaticamente esses problemas, afinal eles são muito atuais e reais na sociedade, mas o problema do roteiro se dá quando sai dessa representação e desse drama para entrar no subgênero slasher, que é o que ele se propôs inicialmente.
Aí vemos personagens estereotipados, vilões caricatos e um assassino com uma máscara batida. Posso dizer ao menos que a máscara tem sua coerência, pois quem veste a máscara também é morno e sem nenhuma identidade.
O bom slasher brinca com seu público nos fazendo acreditar que as vítimas têm chance, nos fazendo correr juntos com os personagens pela floresta escura em busca de abrigo, mas aqui não é o que ocorre. O psicopata é rápido, não cria tensão e só acumula corpos. Suas mortes são uma constatação e não algo que duvidamos que vá acontecer, e, quando ocorrem, as cenas são fracas, pois o diretor resolveu apostar na sugestão, apontando a câmera para outro lugar quando ocorrem os crimes nos deixando apenas com o som do que está acontecendo. Isso até que poderia funcionar, como exemplo posso citar as cenas finais do excelente Audition, do Takashi Mike, que fica longos minutos torturando o seu público, entretanto quando esse artifício é usado em mortes rápidas perde sua funcionalidade.
Por outro lado, o potencial do acampamento e da tortura que os jovens sofrem traz um tom assustador. A cena onde a terapeuta Cora “aconselha” Jordan (Theo Germaine), um garoto transexual em transição, mostra o quão doentio pode ser a crença humana e o quanto um adulto pode ser irresponsável e criminoso ao tratar assuntos tão delicados. Há também uma cena que foi claramente inspirada na tortura clássica do Laranja Mecânica, que é possível ver o aspecto físico dessa maldade, mas essas cenas são um recorte. O resto do filme se perde no que se propõe, afinal estamos vendo um filme slasher e esse assassino só se apresenta no final do filme em menos de 20 minutos de rodagem.
Aqui vemos uma obra que conversa com um público seleto e só funciona para ele. Quem sofreu ou entende de maneira empática as questões opressoras do preconceito sexual vai captar várias mensagens, mesmo que muitas cheguem de maneira bem panfletária e didática, quase como um telecurso. Por outro lado, um público que precisaria de fato ouvir e se chocar com essa mensagem nunca será atingido, pelo modo raso e frio que são tratadas coisas tão importantes.
O que me deixa feliz é ver que talvez esse filme abra fronteiras pra novas abordagens similares, talvez de maneiras mais inteligentes e eficazes, mostrando que as narrativas evoluem e é possível sim ter terror com todo tipo de personagens representados, nem que sejam para morrer ao fugir de um assassino ao correr de costas nas florestas.