Cidade Maldita
Original:Incubo sulla città contaminata / Nightmare City
Ano:1980•País:Itália Direção:Umberto Lenzi Roteiro:Antonio Cesare Corti, Luis María Delgado, Piero Regnoli Produção:Diego Alchimede, Luis Méndez Elenco:Hugo Stiglitz, Laura Trotter, Maria Rosaria Omaggio, Francisco Rabal, Sonia Viviani, Eduardo Fajardo, Stefania D'Amario, Ugo Bologna |
Cidade Maldita (Incubo Sulla Città Contaminata, 1980), também conhecido como Pesadelo na Cidade Contaminada, se amolda naquela questionável categoria filme-ruim-que-amamos; categoria que os italianos se mostravam especialistas lá pelo início dos idos anos 80. O pequeno guilty pleasure aqui foi dirigido com poucos recursos e alguma engenhosidade pelo saudoso Umberto Lenzi (cineasta falecido em 2017, responsável pelos cultuados e antropofágicos Canibal Ferox e Os Vivos Serão Devorados). O elenco conta com a bela Laura Trotter (do policial Advertência, 1980) e Hugo Stiglitz – reza a lenda e o Google que o ator mexicano teria substituído o então astro Franco Nero (de Django, o original de 1966) para que, convenientemente, o longa alcançasse uma bilheteria expressiva em sua terra natal. Uma curiosidade: Stiglitz continua na ativa e, segundo o IMDb, tem participação em mais de 250 filmes, entre eles o clássico Os Sobreviventes dos Andes (1976), muito lembrado no Brasil por sua exibição na tevê aberta, na icônica e extinta Sessão das 10, do SBT.
Stiglitz interpreta Dean Miller, um jornalista enviado ao aeroporto para cobrir um suposto furo de reportagem: a chegada de um famoso cientista que deve esclarecer os detalhes de um vazamento nuclear ocorrido em uma usina localizada nas proximidades. No entanto, o mesmo avião militar que traz o cientista carrega uma dezena de mortos-vivos transformados pela radiação do acidente. Em pouquíssimo tempo, as criaturas deformadas e sedentas por sangue humano se espalham pela cidade, trazendo morte, caos e contaminando grande parte da população.
Cabe aqui um adendo: apesar do lançamento no mercado americano em 1983 como City of the Walking Dead, segundo o próprio diretor, os supostos mortos-vivos não são exatamente zumbis; na verdade, são humanos transformados pela exposição nuclear e necessitam ingerir sangue para controlar a decomposição dos seus corpos. Os mortos-vivos de Lenzi diferem das clássicas criaturas de Romero pelo visual (eles apresentam a pele do corpo e do rosto queimadas e cobertas por imensas cascas escuras) e também por certa consciência e habilidade motora, que permite que eles utilizem ferramentas e armas, além de serem rápidos e ágeis.
Ainda no que diz respeito a este conceito mortos-vivos-que-não-são-zumbis, Cidade Maldita acabou influenciando diretamente outros realizadores, entre eles Danny Boyle, com seus infectados corredores em Extermínio (2002) e Robert Rodriguez, que chegou a afirmar em entrevista que o longa-metragem de Lenzi foi de fato sua principal inspiração para Planeta Terror, de 2007. Outro admirador declarado do filme é o parceiro de Rodriguez no projeto Grindhouse, o famoso diretor americano Quentin Tarantino.
Portanto, vale a pena relembrar a relevância do cineasta Umberto Lenzi, representante indispensável do cinema exploitation italiano. Dono de uma extensa filmografia que inclui diferentes gêneros, atuando como roteirista e diretor, Lenzi é a mente e os braços por trás de um dos principais exemplares da onda dos famigerados filmes italianos de canibais, ocorrida entre os anos 70 e 80, com o já citado Vivos Serão Devorados. No gênero horror-fantástico, merece destaque igualmente Mundo Canibal (1972), Spasmo (1974), Canibal Ferox (1981) e A Praia do Pesadelo (1989).
Voltando ao filme em questão, o roteiro escrito pelo trio Antonio Cesare Corti, Luis María Delgado e Piero Regnoli é inicialmente um emaranhado despretensioso que alterna situações de violência e nudez, ainda que varie um pouco o cenário quando comparado às produções contemporâneas ao seu lançamento, transferindo os mortos-vivos para uma movimentada metrópole. O enredo traz ainda um curioso e, no mínimo, polêmico plot twist (spoiler em nível elevado a seguir):
Lá pelos últimos 15 minutos de filme, o protagonista e sua esposa estão em um parque de diversões, fugindo desesperadamente de uma dezena de contaminados, e resolvem escalar uma montanha-russa (ideia pra lá de genial, diga-se de passagem). Eles acabam cercados pelas criaturas no momento em que um helicóptero do exército surge para salvá-los, contudo a esposa perde o equilíbrio e acaba caindo, quando, repentinamente… Dean Miller acorda. Sim, caro leitor, tudo teria sido um sonho, ou melhor, um pesadelo dos mais tensos. Mas, reviravolta em cima de reviravolta, o jornalista se levanta e no caminho para o trabalho descobre que a rotina do seu dia é exatamente a mesma do sonho: ele está indo novamente para o aeroporto entrevistar o tal cientista. Há um suspense aqui: será que tudo se repetirá e o sonho teria sido uma espécie de premonição? A porta do avião se abre, a imagem congela. E eis que surge uma legenda em letras garrafais tão desnecessária quanto didática: O pesadelo torna-se realidade!
Fim dos spoilers
Por outro lado, é também interessante pontuar que, propositalmente ou não, a trama de Cidade Maldita traz algumas críticas sutis em relação a temas ambientais envolvendo a energia nuclear, ao oportunismo dos meios de comunicação e a incompetência dos militares. É uma visão pessimista de uma sociedade em que nada parece funcionar adequadamente.
Os efeitos especiais e a maquiagem são limitados pelo baixo orçamento, por isso não esperem excessos em relação às cenas de violência e gore, o sangue não jorra pela tela e não há sequências visualmente repulsivas, pelo menos não tanto quanto outras produções do gênero horror made in Italy que estamos acostumados. Com exceção de um olho removido e um seio feminino lentamente fatiado, não há muitos momentos que se destacam nesse sentido.
Uma refilmagem chegou a ser anunciada em 2015 e seria dirigida por Tom Savini, porém o projeto parece ter sido paralisado por questões de financiamento seguidas pelos impactos diretos da pandemia de Covid-19. Havia uma boa expectativa por parte dos fãs, visto que Savini dirigiu a respeitada e competente releitura de A Noite dos Mortos-Vivos de Romero, lançada em 1990.
Em suma, a mistura de diálogos artificiais, atuações medianas e uma trama simples, funciona surpreendentemente bem e deve agradar aos entusiastas do cinema de horror italiano. Felizmente, para o leitor curioso que deseja enfrentar os primeiros mortos-vivos corredores do cinema, Cidade Maldita foi distribuído em DVD no Brasil como parte do box Zumbis no Cinema – Volume 3, pela Versátil Home Vídeo. O mesmo pacote traz outras 3 obras do gênero bem interessantes, incluindo uma versão restaurada e sem cortes do clássico Zumbi 2 – A Volta dos Mortos (1979), de Lucio Fulci.
Também a história THOR VIKINGS do Garth Ennis se inspirou no filme do Lenzi … a sequência na estação de TV e quase idêntica ao do Filme acima …