Muitas das melhores histórias de terror começam em uma casa. Família se muda para um local amaldiçoado, habitado por entidades perturbadas e que possui um passado de violência e morte. Ainda que seja uma fórmula clichê, adotada por oito entre dez produções do subgênero “fantasmas e assombrações“, ele consegue ser, em muitos exemplares, funcional. Desde os espíritos errantes de O Solar das Almas Perdidas (1944), passando pelo clássico Os Inocentes (1961) e depois se estabelecendo em A Mansão Macabra (1976) e O Iluminado (1980) – embora este último aconteça em um hotel, mas segue a cartilha do estilo – e encontrando variações divertidas em A Casa do Espanto (1986) e assustadoras como em Os Outros (2001), as habitações têm se mostrado os melhores espaços para exploração do medo e do mistério. Assim foi o cartão de visitas da série American Horror Story, em uma criação fantástica de Ryan Murphy, contando com um grande elenco, ótima produção e dinâmica muito bem estruturada.
O primeiro episódio da temporada inicial foi ao ar em 5 de outubro de 2011, com direção do próprio Ryan Murphy. A história começa em 1978, mostrando dois irmãos gêmeos (interpretados por Bodhi e Kai Schulz) caçoando da jovem Adelaide (Katelyn Reed), que observava um casarão abandonado. Os pestes invadem o local, mesmo com a garotinha informando que eles irão morrer, e destroem tudo o que encontram pela frente, até chegarem ao porão, curiosos com os fetos mantidos em vidros, e serem mortos. As ações se voltam para o presente, em 2011, com Vivien (Britton) flagrando o marido, o psicólogo Dr. Ben Harmon (McDermott) com uma aluna na cama e ferindo-o com uma faca. Na cena seguinte, a família Harmon está se mudando para uma nova casa, com a pretensão de um novo começo. Além de Ben e VIvien, está a jovem Violet (Farmiga), que se anima com o casarão, quando a corretora Marcy (Christine Estabrook) anuncia que o preço está abaixo do mercado pela morada ter sido palco de uma tragédia no passado, envolvendo assassinato e suicídio.
Enquanto se estabelecem, Violet encontra dificuldades na nova escola com a estudante Leah (Shelby Young), e Vivien recebe a visita invasiva da vizinha Constance Langdon (Lange), atrás da filha Adelaide (agora interpretada por Jamie Brewer), que também faz a previsão sobre a morte da dona da casa. O modo como Constance trata a filha já traz o asco do espectador, ainda distante de sua verdadeira natureza. Ao subir ao sótão, Vivien encontra roupas de borracha, usadas para fetiches sexuais, sem imaginar que mais tarde, em um momento de sonambulismo de Ben, ela será estuprada por alguém com a vestimenta, acreditando ser o marido. Ainda nesse primeiro episódio, três personagens são apresentados: o jovem Tate (Peters), que aparece como primeiro paciente de Ben; um estranho com o rosto semi-queimado Larry (Denis O’Hare), que irá incomodá-lo por diversas vezes para extorqui-lo; e o estranho caso da empregada Moira (como idosa, interpretada por Frances Conroy, e jovem, Alexandra Breckenridge), vista como uma garota sedutora para confundir Ben, e como uma senhora tranquila para os demais familiares.
A partir deste episódio inicial, os demais exploram o passado da casa e criam situações de envolvimento entre os personagens. E o mais interessante nesta temporada é a interação entre pessoas mortas e vivas, desenvolvendo conflitos auxiliados pelos flashbacks que permitem entender o que realmente levou tal pessoa àquela condição. É o caso da já citada Moira, que quando Constance morava na casa maldita, flagrou a traição do marido com a empregada, matando-os (como ela recebera um tiro no olho, Moira é cega de um olho em sua caracterização mais velha); e também de Larry, que teve a família morta em um incêndio, mas que não foi a razão pela qual teve o rosto destruído – uma interessante surpresa do enredo. Já o casal anterior à chegada dos Harmon, Chad (muito bem interpretado por Zachary Quinto) e Travis (Michael Graziadei), sofreu o ataque do “homem de borracha“, um dos grandes mistérios de identificação da temporada.
Entre idas e vindas da narrativa, sem que o recurso se torne cansativo, é possível conhecer a tragédia que envolveu o primeiro casal a morar no local, quando a casa fora construída pelo cirurgião das celebridades, Dr. Charles Montgomery (Matt Ross) para sua esposa Nora (Rabe). Com a perda do desejado filho, o doutor insano passa a realizar experimentos frankenstianos, como a junção de asa de morcego e um porco – deve ter aprendido com o Dr. Herbert West em A Noiva do Re-Animator -, e a tentativa de reconstrução do bebê. Aproveitando a procura pelos tratamentos estéticos, o médico explorava os corpos das atrizes, tendo sido um dos responsáveis pela morte de Elizabeth Short (Mena Suvari), em 1947, quando ela fora a uma consulta com o dentista David Curan (Joshua Malina), tornando-se o famoso assassinato da “Dália Negra“, em uma ideia muito bem desenvolvida.
Há muito mais almas perdidas na “casa dos assassinatos” – o local passou a ser ponto turístico para quem quer visitar lugares assombrados da América -, do que o infernauta imagina. Há personagem que já está morto, mas o público só descobre nos episódios finais, além daqueles que repetem os atos de quando estavam vivos como o filho deformado de Constance, que vivia acorrentado no sótão, e ainda brinca com sua bolinha vermelha. Dentre todos, o mais fascinante é Tate, o rapaz que passou a adquirir o protagonismo absoluto das principais sequências da temporada, e conquistou ainda mais popularidade por interpretar Jeffrey Dahmer na série da Netflix. Em 1994, seu personagem proporcionou um massacre na escola onde estudava e foi morto pela polícia em seu próprio quarto. Como fantasma, sua influência foi de grande importância para assassinatos e também para o embate que se estabelece entre Ben e Vivien, quando esta descobre que está novamente grávida e desta vez de gêmeos.
Essa sua nova condição irá despertar o interesse da assombração Nora, que ainda sente falta do filho, e Constance. Ainda assim, o que mais impressiona e irá encerrar a série de maneira espetacular é a natureza do que poderá vir com esse nascimento, em um detalhe mencionado em dado episódio mas que o infernauta pode ter se esquecido até a cena final. Se Tate é um dos principais fios condutores da série, Constance é a representação viva. Não é é à toa que a atuação de Jessica Lange iria lhe render o merecido prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Globo de Ouro de 2012. A atriz da versão de 1976 de King Kong é uma das principais referências de American Horror Story, e, sem dúvida, a responsável pelos melhores momentos, ao tornar sua personagem odiada e compreendida.
Com tantos bons momentos, como o duplo episódio de Halloween, único dia que permite que as assombrações perambulem além da casa – e trouxe as vítimas de Tate para incomodá-lo -, American Horror Story: Murder House poderia ter servido de exemplo para Mike Flanagan orquestrar os fantasmas de A Maldição da Mansão Bly, sem parecer irritante. Alternando dramaticidade com sustos, sangue em profusão e gore, a primeira temporada abriu o caminho para a fórmula adequada do produto, ainda que não se tenha conseguido manter sempre a mesma qualidade. Nesta, sobram bons momentos, personagens tridimensionais e um enredo muito bem amarrado e desenvolvido. E continua divertida mesmo após uma nova visita à casa dez anos depois.
Esta primeira temporada é a melhor de toda a série American Horror Story.