O Ninho
Original:The Nest / Il nido
Ano:2019•País:Itália Direção:Roberto De Feo Roteiro:Roberto De Feo, Lucio Besana, Margherita Ferri Produção:Maurizio Totti, Alessandro Usai Elenco:Justin Korovkin, Francesca Cavallin, Ginevra Francesconi, Maurizio Lombardi, Elisabetta De Vito, Roberto Accornero, Troy James |
Se tem uma coisa que a literatura, o cinema, a televisão (e o Brasil) têm feito questão de nos mostrar nesses últimos tempos é a linha tênue que separa nosso lado humano e social do nosso lado mais perverso e monstruoso. E, devagarzinho, vamos vendo previsões distópicas feitas lá atrás por artistas e estudiosos visionários se manifestarem em nosso momento presente, sendo construídas ao longo dos anos, de forma cíclica, sempre se refinando a partir da tecnologia. É muito natural, então, que autores como George Orwell e Aldous Huxley, por exemplo, voltem à moda nesses tempos em que só as distopias conseguem representar com alguma exatidão o momento em que estamos e onde poderemos chegar se mantivermos essa ou aquela rota. E dá-lhe pedidos de intervenções alienígenas, apocalipses zumbis, e até de uma revolta das máquinas como soluções desesperadas para as consequências nefastas de tensões que, desde muito tempo, têm origem num sentimento que, sejamos justos, é comum a todos, não importa o lado do muro em que você esteja: o medo do diferente.
E é justamente esse medo do diferente o mote central do filme O Ninho, produção italiana de Roberto de Feo, nome mais conhecido por ser um dos envolvidos na direção do recente Um Clássico Filme de Terror, em cartaz na Netflix. Em O Ninho, acompanhamos a história do jovem Samuel (Justin Korovkin), que vive num pequeno castelo cercado e apartado do mundo exterior, sob a administração e proteção de sua mãe, a durona Elena (Francesca Cavallin).
Samuel é tetraplégico e vive em estado de total ignorância em relação ao mundo exterior à propriedade de sua família. Seu único contato é com sua mãe, que cuida de sua educação formal, e com os empregados da casa, que vivem ali em estado de constante terror devido ao tratamento que recebem da chefia: qualquer menção ao mundo exterior, ou à vida antes do evento que marcou essa ruptura, ou mesmo qualquer movimento mais relaxado por parte dos empregados é motivo para advertências, castigos, torturas. A ordem das coisas muda com a chegada de Denise (Ginevra Francesconi), uma adolescente que abre os olhos de Samuel para a vida.
Durante todo o filme, até seus últimos quinze minutos, estamos como Samuel, completamente ignorantes sobre o que houve, o que aconteceu, de onde vem toda essa rigidez. O roteiro nunca é claro o suficiente, e as poucas pistas disponíveis não indicam nada consistente, um ótimo artifício que fisga nossa curiosidade, e também atiça nossa dúvida sobre as atitudes de Elena, a mãe do garoto.
Elena, por sua vez, é uma personagem espetacular, e carrega consigo muito da força do filme. Tem atitudes repugnantes, ética duvidosa, esconde dor e sensibilidade, e traz desconforto com sua presença em cena. Sua atitude nos instiga a querer saber um pouco mais, para pouco depois a odiarmos mais ainda, e ficamos nesse balanço até o desfecho do filme (que por sinal, é espetacular, e sim, torna compreensível o esquema geral das coisas, ainda que não algumas motivações).
O Ninho tem estilo gótico e, apesar de cheio de cores, a fotografia é obscurecida, de forma que, assim como o figurino e outros detalhes cenográficos, aponta a falta de vida que impera ali. Tudo é rígido e controlado, e a tensão emocional é mantida o tempo inteiro por todos os personagens. A atmosfera carregada nos põe em estado de espera constante pelo primeiro a desabar. A chegada de Denise muda, por pouco tempo, as cores, os sons, e o ar, trazendo mais vida e sensibilidade àquele lar conduzido pelo medo. Mas a espontaneidade da vida não resiste em lugares como esse.
Simbolismos à parte, O Ninho é um drama com muitos elementos de terror, carregado em atmosfera de suspense e mistério. Consegue ir da extrema emoção e delicadeza ao choque e absurdo em seus momentos finais. Mais uma ótima representação dos nossos tempos, que nos faz inclusive pensar e questionar sobre esse medo da mudança, e como ele pode ser mais danoso, violento e mortal que a própria mudança em si – esta sim, inevitável.
Vi recentemente no prime vídeo e achei simplesmente maravilhoso. Um filme que me marcou e que lembrarei para sempre. O final é espetacular.