Pengabdi Setan / Satan’s Slave
Original:Pengabdi Setan / Satan’s Slave
Ano:1982•País:Indonésia Direção:Sisworo Gautama Putra Roteiro:Sisworo Gautama Putra, Naryono Prayitno e Subagio S. Produção:Sabirin Kasdani, Subagio S, Gope T. Samtani Elenco:Ruth Pelupessi, W.D. Mochtar, Fachrul Rozy, Simon Cader, Siska Widowati |
No ano em que Steven Spielberg e Tobe Hooper presenteavam o cinema de horror ocidental com o clássico Poltergeist (1982), estreava na distante Indonésia Pengabdi Setan, uma produção de baixo orçamento que se tornaria um cult local com o passar dos anos. Em comum, apesar da abordagem diferente, o enredo que narrava os tormentos de pessoas que vivem em um ambiente perturbado por eventos sobrenaturais.
A trama de Pengabdi Setan, ou Satan’s Slave (em seu título internacional), ou Escravos de Satã, em uma tradução literal e não oficial para o português, é tão simples quanto os seus efeitos especiais e maquiagem: após a morte da mãe, dois irmãos começam a presenciar aparições fantasmagóricas que apontam para uma possessão demoníaca, da casa ou de um deles. Ao mesmo tempo, uma misteriosa governanta é contratada para cuidar dos afazeres do lar, e tudo indica que ela pode ser a solução ou a própria causa para o pesadelo que a família está vivendo.
Dirigido pelo cineasta indonésio (falecido em 1993) Sisworo Gautama Putra, Pengabdi Setan tem o roteiro assinado por dois nomes difíceis: o próprio Putra e Naryono Prayitno. As limitações técnicas impostas pelo orçamento atribuem ao longa-metragem uma característica semiprofissional que fica mais evidente nas cenas nas quais os efeitos práticos são exigidos. Neste sentido, se destaca “negativamente”, por exemplo, uma cena de colisão pouco realista entre uma moto e um caminhão, que resulta na morte do namorado de uma das protagonistas.
Pengabdi Setan (1982) é um caso raro em que uma produção original é ressuscitada internacionalmente devido ao sucesso do seu remake. Explico: em 2017, o grande nome do horror indonésio atual, Joko Anwar, escreveu e dirigiu uma versão repaginada de Escravos de Satã, respeitando a essência da trama original, mas criando uma nova obra que alcançou o reconhecimento da crítica e do público muito além das fronteiras indonésias.
Aliás, se enganam completamente aqueles que pensam que a Indonésia não tem tradição no gênero. Na década de 80, além de Pengabdi Setan, pelo menos mais dois longas marcaram o público no país: Mystics in Bali (1981) e The Queen of Black Magic (1981). Já nos últimos anos, uma dezena de produções de qualidade foram exportadas para outros países do mundo. Os melhores exemplos são os insanos (e indicadíssimos) The Queen of Black Magic (a refilmagem dirigida por Kimo Stamboel e escrita por Joko Anwar em 2019) e Impetigore (2019), além do remake já citado Pengabdi Setan (2017). Para o público brasileiro, estão oficialmente disponíveis na Netflix (no momento em que este texto é escrito): Fortuna Maldita 1 (2018) e 2 (2020), Suzzanna: Enterrada Viva (2018), O Terceiro Olho 1 (2017) e 2 (2019), além dos sangrentos thrillers de ação Headshot (2016) e A Noite Nos Persegue (2018).
Voltando ao filme em questão, embora o resultado como um todo não seja tão memorável tecnicamente, a ingenuidade de um filme de horror que mostra fantasmas, zumbis e o satanás em carne e osso pode ser cativante quando se leva em conta o contexto geral. Talvez incomode um pouco a mensagem que fica ao final: a falta de fé abre as portas para a entrada do mal – e a solução pode estar na religião, no caso o Islamismo, que é a religião dominante no país. Mas, por outro lado, não seria esta também a mensagem do clássico O Exorcista (1973)?
No elenco, desconhecido em terras ocidentais por motivos óbvios, chama atenção a imponência da bela Ruth Pelupessi, como a calada e sinistra governanta Darminah. Ruth é uma conhecida scream queen local e participou de diversos filmes do gênero, como Sundelbolong (1981), Dukun ilmu hitam (1981) e Snake Queen (1982).
É curioso que a crítica internacional costume vincular Pengabdi Setan com o cultuado Fantasma (1979), de Don Coscarelli, como se a produção indonésia fosse uma espécie de refilmagem. Apesar disso, não há muita relação entre os filmes, a não ser o enredo em que o protagonista é obrigado a lidar com a perda de um dos pais e com o medo associado ao significado da morte.
Infelizmente, Pengabdi Setan não foi lançado no Brasil e está disponível somente no exterior, em versão com imagem restaurada, seja no catálogo da plataforma americana dedicada ao horror Shudder ou em mídias digitais (DVD e Blu-ray lançados recentemente pela Severin Films).
Enfim, ademais de sua relevância histórica, a atmosfera misteriosa e sombria da produção causa um estranhamento positivo que pode fazer do obscuro Pengabdi Setan uma experiência válida e interessante. Tenha em conta que o filme é de fato um produto do seu tempo e traz algumas, não muitas, características culturais específicas.