Manhunter – Caçador de Assassinos (1986)

4.6
(7)

Manhunter - Caçador de Assassinos
Original:Manhunter
Ano:1986•País:EUA
Direção:Michael Mann
Roteiro:Michael Mann, Thomas Harris
Produção:Richard N. Roth
Elenco:William Petersen, Kim Greist, Joan Allen, Brian Cox, Dennis Farina, Stephen Lang, Tom Noonan, David Seaman, Benjamin Hendrickson, Michael Talbott, Dan Butler

“Se alguém fizer o que Deus faz muitas vezes, ele se tornará como Deus.” (Hannibal Lecter)

A literatura policial de Thomas Harris é lembrada pela criação de um dos assassinos em série mais populares do cinema, o psiquiatra forense Hannibal Lecter, com a aparência associada ao ator Anthony Hopkins. Antes de alcançar o imenso sucesso com a obra-prima O Silêncio dos Inocentes, de 1991, o personagem teve uma aparição discreta no thriller Manhunter, dirigido e roteirizado por Michael Mann. Nesta primeira versão, produzida por Dino De Laurentiis, a partir do livro “Red Dragon“, de Harris, publicado em 1981, o assassino teve a boa interpretação de Brian Cox, já o caracterizando pela inteligência e provocação, mas não fez tanto sucesso quanto se imaginava, talvez pelo “título menor“, como teria dito na época o diretor, consciente que uma tradução literal poderia relacionar a produção a um filme sobre artes marciais – e ainda poderia fazer uma conexão desnecessária com o filme anterior de Dino De Laurentiis, intitulado O Ano do Dragão (Year of the Dragon, 1985). Mal imaginavam que Lecter traria holofotes suficientes para sugerir a refilmagem Dragão Vermelho, de 2002.

Manhunter segue a linha das produções noir, envoltas em mistério e suspense, sobre a busca a um serial killer. Trata-se da caçada ao criminoso que a mídia o chamou de “Fada dos Dentes” pelas marcas de mordida deixadas em suas vítimas. O detetive que estará em seu encalço, como nos estereótipos do gênero, é amargurado, tendo uma relação familiar abalada pela profissão exaustiva e pelo fato de ter sido mortalmente ferido durante a prisão do assassino Hannibal Lecktor (depois passaria a ser lembrado como Lecter). Apesar do trauma, que o deixou durante um tempo numa clínica psiquiátrica, Will Graham (William Petersen) é convencido pelo seu ex-chefe do FBI Jack Crawford (Dennis Farina) a retornar à ativa pela necessidade de identificação do assassino antes que ele faça mais vítimas.

O Fada dos Dentes, mostrado oficialmente no filme depois de uma hora de projeção, tem o hábito de exterminar famílias, a partir do interesse por uma mulher considerada perfeita. Ele a observa durante um tempo até a fase da lua adequada para uma invasão e extermínio: enquanto todos os familiares são mortos friamente, a sua vítima principal tem espelhos colocados nos olhos e na boca, antes de deixar sua assinatura. Além de ter que correr contra o tempo para buscar sinais que possam trazer identificações – como a possibilidade de ele tirar sua luva para acariciar a pele da mulher escolhida -, o FBI precisa enfrentar também o incômodo do jornalista Freddy Lounds (Stephen Lang), disposto a se intrometer nas investigações para realizar suas matérias.

Graham então resolve fazer uma visita a Hannibal Lecter para convencê-lo a ajudar nas investigações, traçando um perfil psicológico do Fada dos Dentes. Enclausurado numa prisão de segurança máxima por assassinatos violentos – não é mencionado no filme o fato dele ser canibal -, Lecter demonstra interesse na mesma medida que resolve provocar o detetive. A partir de então, ele passa a se comunicar através de notas no jornal com o Fada depois de descobrir o endereço residencial de Graham para convencê-lo a assassinar sua família. A ação da polícia, na descoberta de uma carta de Lecter, não é tão interessante quanto a do filme Dragão Vermelho, mas evidencia uma curiosa eficiência.

Após uma reportagem de Lounds sugerindo que o Fada dos Dentes possa ser homossexual, o assassino é finalmente revelado, na ótima interpretação de Tom Noonan, fazendo um Francis Dollarhyde realmente assustador, bem mais que o de Ralph Fiennes, do longa de Brett Ratner. Aliás, há muitas outras diferenças, sendo que muitas delas motivadas pela exploração da imagem de Anthony Hopkins. Na refilmagem, ele aparece desde o prólogo, quando é apresentada a sua captura, e depois com mais influência ao traçar o perfil de Francis, justificável pelo interesse do público na presença de Hannibal Lecter, que desenvolveria vida própria em continuações e na série de TV.

Como acontece em ambas as produções e no livro, o Fada dos Dentes terá um envolvimento amoroso com uma mulher cega. Reba McClane é interpretada no longa de 86 por Joan Allen, dando-lhe uma carga emocional bem aprofundada como faria a posterior Emily Watson, com destaque para a cena em que ela toca o corpo de um tigre dopado. Apesar de já ter feito a sua escolha, é ela que será a possível nova vítima do assassino, caso Graham não perceba alguma identificação no material coletado das filmagens caseiras. A perspicácia de Graham é confrontada pela sua perturbação psicológica, acentuada ainda mais com o encontro com aquele que quase o assassinou.

“Você já viu sangue ao luar, Will? Parece bem preto.”

Sem o mesmo sucesso que Thomas Harris alcançaria pós O Silêncio dos Inocentes, Manhunter ainda assim é um filmaço, muito bem dirigido por Michael Mann, apoiado pela ótima fotografia de Dante Spinotti. Traz bons momentos de tensão, sem o exagero cênico de Ratner, e sem desviar o protagonismo do detetive Graham, atormentado pelo passado, com o conforto da família. Para assumir o papel, William Petersen teria feito estudos presenciais na Unidade de Crimes Violentos do Departamento de Polícia de Chicago e na Unidade de Crimes Violentos do FBI, tendo acessos a materiais de investigação de crimes reais. Ele inclusive ouviu a definição que caracterizaria boa parte das produções do gênero, em relação aos incômodos psicológicos sofridos por aqueles que estão trabalhando em crimes violentos: “No final do dia, mesmo que você seja apenas um policial comum, isso tem um preço.

Apesar do bom material original e dos aspectos técnicos, Manhunter teve um sucesso discreto. Na época, foi visto como um filme comum sobre assassinos em série e investigação policial, com elogios à direção e à fotografia. Com o sucesso conquistado com o vencedor de vários Oscars O Silêncio dos Inocentes, o longa foi revisitado e passou a ter mais brilho. Muitos críticos apontaram o longa como a melhor adaptação dos textos de Thomas Harris, ainda que não seja o melhor filme, levando em consideração o trato dado ao texto que o inspirou. Também sobraram elogios a Brian Cox e principalmente Petersen, mostrando realmente que, como o próprio Hannibal, a experiência é adquirida com o tempo.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

One thought on “Manhunter – Caçador de Assassinos (1986)

  • 06/02/2023 em 06:54
    Permalink

    O policial é um psicopata e foi internado antes que pudesse matar mulher e filho. Por isso ele é chamado para capturar psicopatas, algo que o filme de Rattner não refez.

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