O intrigante desaparecimento de mais de cem colonos de Roanoke é a temática principal da sexta temporada de American Horror Story. Fundada em 1585 por Ralph Lane, a colônia foi dada como desaparecida em 1590, ano de uma das expedições de John White para chegar ao local e somente encontrar talhado em um tronco a palavra CROATOAN, que provavelmente faz referência à ilha de mesmo nome. Mau tempo, encontros pouco amigáveis com nativos e a Guerra Anglo-Espanhola atrasaram a busca, assim como dificultaram a continuidade da exploração. Desde então essa história tem acompanhado as lendas americanas, com teorias, referências religiosas e conspirações que podem ter ocasionado o sumiço da comunidade, servindo de inspiração para a minissérie de Stephen King Tempestade do Século, episódios de séries como Supernatural, graphic novels, literatura e, claro, a principal criação de Ryan Murphy e Brad Falchuk.
No décimo primeiro episódio da primeira temporada, intitulado “Birth“, em que Vivien (Connie Britton) morre ao dar à luz, a Colônia de Roanoke é mencionada como uma comunidade fantasma, cujos espíritos assombram os nativos-americanos, sendo afastados por um ancião que usou como defesa a palavra “Croatoan“. Esse é um dos conceitos que envolvem uma das temporadas mais criativas da série – e a minha preferida – pelo uso interessante de dois recursos que fazem parte do gênero horror, desde Cannibal Holocaust e A Bruxa de Blair: os falsos documentários (mockumentaries) e os registros de filmagens encontrados (found footage). Além dessas técnicas de filmagem em primeira pessoa e dramatização a partir de entrevistas dos envolvidos, Roanoke ainda promove situações gráficas de terror, criaturas assustadoras e uma curiosa ambientação macabra.
Ryan Murphy escondeu o formato da temporada até sua estreia. Cartazes, nenhum trailer elucidativo e frases misteriosas atiçaram as mídias com pistas que não traziam muito significado. Foi uma jogada de marketing arriscada, mas havia a tranquilidade pelos bons alcances de American Horror Story com a audiência de Hotel. A brincadeira deu certo: o primeiro episódio, “Capítulo 1“, de Bradley Buecker, teve mais de cinco milhões de espectadores, com o número diminuindo drasticamente nos seguintes até encerrar com 2,45 milhões – uma queda que continuaria nas demais temporadas. Pela proposta ousada, em um estilo completamente diferente, Roanoke ainda assim atraiu olhares, mesmo com um ponto de virada que mudou os rumos a partir de sua metade.
O “Capítulo 1” foi ao ar em 14 de setembro de 2016. Nele, sem abertura, entende-se a fórmula inicial: trata-se do programa “My Roanoke Nightmare” em que um casal, Shelby (Lily Rabe) e Matt Miller (André Holland), está sendo entrevistado, contando cronologicamente os acontecimentos que envolveram a mudança de Los Angeles para a Carolina do Norte, depois de sofrerem com a violência local. Seus relatos são dramatizados, como é comum em muitas séries de crime e mistério, com a interpretação de Audrey Tindall como Shelby (Sarah Paulson) e Dominic Banks como Matt (Cuba Gooding Jr.). Eles adquirem em leilão uma fazenda isolada a um bom preço, contrariando os irmãos Polk, Lot (Chaz Bono), Cain (Orson Chaplin) e Ishmael (Grady Lee Richmond). Situações estranhas começam a acontecer, e Matt pede que sua irmã Lee, interpretada por Monet Tumusiime (Angela Bassett) na dramatização e Adina Porter na “vida real“, cuide dela.
Totens e símbolos misteriosos surgem no local, assim como uma fita de vídeo com imagens bizarras, além de pessoas circundando o lugar com tochas, e um que usa máscara de pele de porco. É o início do “pesadelo Roanoke“, que avança com as conversas de Flora (Saniyya Sidney), filha de Lee, com a garotinha-fantasma Priscilla (Estelle Hermansen), e a líder da comunidade, Thomasin ‘A Açougueira’ White, interpretada por Agnes Mary Winstead (Kathy Bates, com sotaque inglês), que foi enganada pelos demais colonos com a ausência do marido e forçada a uma máscara que a impedia de beber água e se alimentar. Ela faz um pacto com uma entidade local (Lady Gaga), dando-lhe a força suficiente para se vingar dos demais, incluindo seu filho Ambrose White (Wes Bentley). Nota-se o sobrenome White, dando uma indicação que Thomasin era a esposa de John White, no século XVI.
Com a Lua Sangrenta tomando o céu, os fantasmas que assombram o local passam a ser físicos, momento em que Flora desaparece e o pai dela, Mason (Charles Malik Whitfield), que adquiriu a guarda dela, aparece morto, trazendo desconfianças e a posterior ameaça dos Polks, que atuam a serviço da colônia. Para ajudar na busca, como é tradição em situações assim em histórias de terror, o paranormal Cricket Marlowe, feito por Ashley Gilbert (Leslie Jordan), é chamado para uma tentativa de comunicação com espíritos, ocasionando alguns momentos divertidos. Em um flashback dramatizado, é mostrada a construção da casa Roanoke por Edward Phillipe Mott, interpretado por Rory Monahan (Evan Peters, de novo construindo lugares malditos como fez em Hotel), com acidentes fatais no local, além de casos posteriores de mortes de moradores, como a família Chen, que depois se transformaria numa assombração ao estilo oriental, movimentando-se pelos tetos.
Como se trata de relatos como parte de entrevistas, o espectador já sabe que Shelby, Matt e Lee irão sobreviver… isso até o “Capítulo 6“, com o encerramento do programa “My Roanoke Nightmare“. O sucesso leva o produtor Sidney James (Cheyenne Jackson), com o apoio de sua assistente Diana (Shannon Lucio), a realizar uma segunda temporada. Todo o processo de criação é filmado, incluindo sua intenção de colocar na casa as pessoas que vivenciaram o pesadelo e os atores que dramatizaram os episódios, aproveitando algumas situações de bastidores: Audrey é casada com Rory; Shelby teve um relacionamento extra-conjugal com Dominic, o ator que interpretou seu marido. Na casa são colocadas diversas câmeras, existe um confessionário, permissão de filmagens pelo celular e até através de um pingente.
O problema é que a primeira temporada foi gravada numa época segura, e Sidney quer desta vez explorar a Lua Sangrenta em “Return to Roanoke: Three Days in Hell“. Assim, dizeres já informam que todos os presentes ali morreram, exceto um. Cabe ao espectador tentar imaginar quem irá sobreviver ao encontro com a verdadeira Açougueira (Susan Berger), além de uma perturbada Agnes, que anda tendo confusões mentais em que acredita ser realmente a líder dos colonos. Logo os fantasmas irão assassinar os produtores e os presentes na casa, com altas doses de sangue e violência, enquanto alguns serão mantidos presos na moradia dos verdadeiros Polks. Outros atores que apareceram em “My Roanoke Nightmare” irão dar as caras, como o que interpretou Ambrose, Dylan, e até o paranormal Ashley. Mas a série ainda reserva outras surpresas.
Ou vítimas. Três jovens, fãs da primeira temporada, Sophie Green (Taissa Farmiga), Milo (Jon Bass) e Todd (Jacob Artist) tentarão chegar ao local para buscar os melhores registros; assim como, no último episódio, uns youtubers do grupo Caçadores de Fantasmas (Spirit Chasers), incluindo Emma Bell, com a ajuda de Ashley, vão à casa para buscar evidências sobrenaturais escolhendo exatamente a Lua Sangrenta como período para a experiência. Nesse décimo, acontece uma conexão com a temporada Asylum com a participação de Lana Winters (novamente Paulson), que atuou como jornalista e agora já é apresentadora de programa. Inclusive, é mencionado seu filho, o Bloody Face, para ampliação desse multiverso American Horror Story.
Apesar de algumas atuações exageradas, como a de Paulson, sendo engraçadinha (a própria atriz se arrependeu de ter participada da temporada, como disse em 2021), e uma discreta de Lady Gaga, a sexta temporada chegou bem próximo da perfeição. Sangrenta, com uma história única sem diversos núcleos, alguns momentos assustadores, Roanoke caminhava para uma avaliação perfeita, típica de cinco caveiras. Contudo, os últimos dez minutos, puseram tudo a perder, quando os realizadores abandonaram a câmera em primeira pessoa para um final convencional e cafona. Não há razões que justifiquem essa mudança final, esse último acorde, para concluir a história de fantasmas de maneira alegrinha, deixando apenas um frame pessimista.
De todo modo, Roanoke se mostrou bastante divertida. Com apenas dez episódios de quarenta minutos, é possível acompanhá-la rapidamente, o que pode ser interessante para fãs dos formatos, ainda que não apreciem American Horror Story. Deve-se enaltecer a criatividade dos realizadores, a aposta nesse estilo de terror documental, e que traz sempre bons arrepios, principalmente quando o contexto envolve uma lenda conhecida e intrigante, e serviu para construir um interessante pesadelo Roanoke.