Shin Godzilla (2016)

4.8
(8)

Shin Godzilla
Original:Shin Godzilla / Shin Gojira
Ano:2016•País:Japão
Direção:Hideaki Anno, Shinji Higuchi
Roteiro:Hideaki Anno, Sean Whitley
Produção:Yoshihiro Satô, Masaya Shibusawa, Taichi Ueda, Kazutoshi Wadakura
Elenco:Hiroki Hasegawa, Yutaka Takenouchi, Satomi Ishihara, Ren Ôsugi, Kengo Kôra, Akira Emoto, Jun Kunimura, Pierre Taki, Kyûsaku Shimada

A Toho não abandona sua principal criação. Atravessando eras do governo japonês – a Shōwa (1954-1975), Heisei (1984-1995), a chamada era do milênio (1999-2004) e a atual, Reiwa (2016-) -, com três reboots e diversas produções isoladas, incluindo uma trilogia animada, Shin Godzilla foi o 29º filme da produtora. Se contar todas as vezes em que Godzilla apareceu em cena, o número salta para 38, sendo 33 japoneses e 5 americanos, já incluindo o próximo encontro entre a criatura e King Kong. Com o sucesso do excelente Godzilla Minus One, que conquistou uma indicação ao Oscar por Efeitos Especiais, é comum que os fãs dos Kaijus, nome japonês para monstros gigantes, fossem atrás de mais produções envolvendo o lagarto mutante. E quando você descobre que o longa de Takashi Yamazaki foi inspirado nesta produção de 2016, o interesse em vê-la é ainda maior.

Como muitas das produções que abrigam o monstro, Shin Godzilla tem um contexto bem interessante. Foi feita como uma alegoria do universo político e burocrático japonês, tendo como pano de fundo o desastre nuclear de Fukushima e o terremoto e tsunami que destruíram Tohoku em 2011. Com a saudade dos japoneses de um blockbuster com a criatura, o longa foi a maior bilheteria de 2016, e era até então o live-action mais rentável do estúdio. As boas críticas recebidas em suas passagens pelo mundo – o Brasil ainda ignora muito do que é lançado nos cinemas japoneses – foram os motivadores para Takashi Yamazaki fazer Godzilla Minus One, mas voltado para o lado humano, tendo como protagonista um piloto suicida e a ambientação pós-Segunda Guerra Mundial.

Após um hiato de doze anos, a Toho se animou a realizar um novo filme após o sucesso do americano Godzilla (2014). “Se não agora, então quando? O contrato de licenciamento que temos com a Legendary não impõe restrições para que façamos versões domésticas“, disse um funcionário da Toho sobre o acordo com a Legendary na criação de seu universo de monstros gigantes. Se esperasse muito tempo, a identificação japonesa se perderia pela franquia americana, como se Godzilla perdesse suas origens na mitologia iniciada com o longa de Gareth Edwards. Assim, Shin Godzilla se mostrou necessário, tanto quanto divertido. E até se entende as diferenças em relação ao trabalho de Yamazaki.

No roteiro de Hideaki Anno, o longa começa mostrando a Guarda Costeira investigando um iate abandonado na Baía de Tóquio. A destruição e iminente inundação, além de um vídeo viral ao estilo found footage, dão indícios de que algo possa ter emergido das águas, como acredita e é desacreditado o secretário-chefe de gabinete, Rando Yaguchi (Hiroki Hasegawa). Com teorias que beiram o absurdo, os políticos só aceitam a versão quando uma cauda surge no oceano e um monstro é visto se arrastando pelo distrito de Kamata, em efeitos risíveis pelo olhar esbugalhado da criatura. Destruindo tudo por onde passa, Godzilla sofre a primeira evolução, passando a caminhar de maneira bípede antes de retornar às aguas.

Enquanto o Primeiro Ministro (Ren Ôsugi) e seus assessores “batem cabeça” sobre o que estão vendo e a forma de lidar com ela, logo se percebe um rastro de radiação e sua capacidade de energização por fissão nuclear. O Japão recebe o apoio dos EUA, através da enviada Kayoko Ann Patterson (Satomi Ishihara), que traz uma revelação importante sobre os estudos de zoologia antinuclear do professor Goro Maki, que analisou mutações relacionadas à influência radioativa, antecipando a chegada do monstro. Descobre-se, inclusive, que o iate visto no prólogo pertencia a ele, embora tenha sido desacreditado pelos círculos científicos e impedido de divulgar suas pesquisas.

Chamada de Godzilla por Maki – e alterado para “Gojira” pelos japoneses -, o monstro reaparece em novas evoluções, ampliando seu tamanho e ameaça. Com as falhas da defesa japonesa, a intervenção americana torna-se necessária, com bombas MOP, as tais “bunker-buster“, obrigando o monstro a usar seus raios poderosos ativados pelas placas dorsais. Até que a criatura, de repente, adormece em meio ao ataque. Prevendo o retorno para breve, os políticos correm contra o tempo com teorias de resfriamento da criatura, através de coagulantes, em aplicações constantes, antes que as Nações Unidas ativem um plano de utilização de armas termonucleares, algo que traz pesadelos aos japoneses desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Com bons efeitos especiais, ainda que inferiores ao que seria mostrado no filme seguinte, Shin Godzilla é envolto nesse ambiente político, entre discussões e burocracias que mais atrapalham do que chegam a um acordo. Como o lado civil é deixado de lado, o público se anima mais pelos ataques da criatura do que se importa com as decisões em gabinetes. Embora Rando Yaguchi evidencie traços de um protagonismo, tendo Kayoko ao seu lado na construção de soluções, o excesso de personagens e politicagem incomoda. Não ao ponto de deixá-lo ruim, mas por não ter o prisma de vista dos civis e impedir a aproximação do espectador à ameaça, como seria corrigido em Godzilla Minus One.

Ainda assim, mesmo sem o herói tradicional das aventuras do estilo, os combates contra o monstro gigante e suas constantes e notadas evoluções são bem divertidas. Depois que o monstro retorna de seu estado adormecido, a estratégia de combate e a resposta da criatura produzem boas cenas de destruição em diversos cenários, levando o espectador a imaginar a quantidade de vidas perdidas em meio ao caos. Godzilla continua imponente, ameaçador e embebido em contexto, mas deixa evidências de que a maior ameaça ali seria a perda dos domínios para a franquia da Legendary.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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