4.9
(9)

Massacre no Colégio
Original:Massacre at Central High
Ano:1976•País:EUA
Direção:Rene Daalder
Roteiro:Rene Daalder
Produção:Harold Sobel
Elenco:Derrel Maury, Andrew Stevens, Robert Carradine, Kimberly Beck, Ray Underwood, Steve Bond, Rex Steven Sikes, Lani O'Grady, Cheryl Smith, Jeffrey Winner

No mesmo ano do lançamento de Carrie, A Estranha (1976), outro longa-metragem de horror explorava o tema do bulliyng nas escolas: Massacre at Central High ou Massacre no Colégio (título adotado por aqui), um proto-slasher dirigido e escrito pelo cineasta holandês Rene Daalder (de Population: 1, 1986); uma produção inegavelmente inferior, se comparada à adaptação de Brian de Palma para o best seller de Stephen King. Mas nem por isso, uma obra menos intrigante.

Na trama de Massacre at Central High, David é transferido para uma escola onde um grupo de alunos com condições financeiras privilegiadas usa o poder e a força-bruta para assediar todo tipo de minoria, sejam os mais tímidos, os gordos ou magros, os deficientes, as mulheres… Se não bastasse, existe ainda outro problema: David é um velho amigo de Mark, o líder desta gangue. Ele deve escolher de qual lado deve ficar: dos agressores ou dos oprimidos. Contudo, o passado violento de David vem à tona e uma verdadeira carnificina tem início.

Por mais paradoxal que soe, o realizador Rene Daalder entrega um trabalho instigante em sua estranheza e precariedade. O roteiro de sua autoria tem pelo menos duas camadas interpretativas: a primeira, e mais superficial, costura clichês sobre a vingança solitária de um aluno novo contra valentões que hostilizam e humilham outros jovens em uma escola, em uma prévia do que será no futuro Tuff Turf: O Rebelde (1985), ou melhor ainda, o “controversoAtração Mortal (1988). Mas há um ponto de virada inesperado após a eliminação dos agressores: o começo de uma violenta disputa entre as vítimas para ocupar um lugar de poder no colégio, agora vago.

Em uma camada complementar, temos um subtexto que extrapola as telas e alude a uma grave adversidade não superada até hoje. No longa, o grupo de agressores é associado ao nazismo (embora eles próprios não se identifiquem assim) diversas vezes, seja quando é chamado pelos agredidos de Gestapo (a polícia secreta criada pelo estado nazista) ou quando o armário de um dos membros é pichado com uma suástica, por exemplo. Entretanto, o que conecta o enredo com a realidade de maneira polêmica é a já citada mudança de comportamento dos alunos importunados. Após todos os vilões serem mortos, eles tornam-se os novos algozes de outros alunos na escola. É uma crítica social e política muito forte, que coincide, como uma triste alegoria ao comportamento do Estado de Israel no conflito contra os palestinos; e que coincidentemente tem seu ápice quase 50 anos depois do lançamento de Massacre at Central High, enquanto este texto é escrito. Outra discussão é o questionamento se o uso da violência para combater a violência é realmente válido, ou se somente resultaria em mais… violência. E não seria esta a justificativa da maioria dos atiradores que invadem escolas mundo afora, uma reação ao bullying e a outras violências cometidas em ambiente escolar?

Por outro lado, apesar do longa trazer nas “entrelinhas” esta cadeia de reflexões importantes, a limitação de orçamento fica evidente quando voltamos a atenção ao elenco, que se resume a jovens atores com pouco carisma e em início de carreira. Mas pelo menos dois rostos serão mais conhecidos pelos fãs do gênero no futuro, o do ator Robert Carradine (membro da famosa família Carradine, irmão menos famoso do David, protagonista série clássica Kung Fu) e que estará em A Vingança dos Nerds (1984) e Fuga de Los Angeles (1996), além de Kimberly Beck, que interpretará a personagem Trish em Sexta-Feira 13 – Parte 4: O Capítulo Final (1984). Aqui cabe igualmente uma curiosidade: por opção criativa ou não, praticamente não há adultos no filme. Para complementar, a sensação de amadorismo nas interpretações é potencializada por diálogos artificiais que beiram o constrangimento, escritos pelo diretor/roteirista holandês, que não tinha fluência total na língua inglesa.

Falta algum capricho também nas cenas das mortes, que embora ocorram das formas mais inventivas e variadas (acidentes de carro, quedas de asa delta, mergulhos em piscinas sem água ou soterramentos), são sempre mostradas a uma distância “segura” e com o mínimo de detalhes, atenuando um visual que poderia atribuir ao filme uma atmosfera ainda mais cruel e pesada; aliás, a violência explícita é uma das características marcantes do gênero nos anos 70, lembrado muitas vezes por obras intensas como A Vingança de Jennifer (1978) ou Aniversário Macabro (1972), entre tantas outras que seguiram esta linha mais extrema.

Em contrapartida, o que falta na exploração da violência, sobra na exploração da nudez e do sexo (outro “padrão” da época): são longas cenas sem propósito e que pouco ou nada agregam ao enredo. Entre os cortes que Massacre at Central High recebeu durante o passar dos anos, esta versão mais hardcore do filme, com cenas quase pornográficas (que incluem um ménage à trois e uma série de nus frontais), foi lançada primeiramente na Itália, já nos anos 80, com o título apelativo de Sexy Jeans.

Ainda em relação ao título, os distribuidores brasileiros optaram por uma tradução quase literal, Massacre no Colégio (excluindo apenas o “Central” do original em inglês). Provavelmente esta escolha seria repensada e evitada hoje, para não ser associado aos já comentados tiroteios ocorridos em escolas do mundo real. Já no Reino Unido, a produção ficou conhecida como Blackboard Massacre, algo como Massacre do Quadro Negro.

É curioso que, embora o enredo lembre um pouco um slasher, Massacre no Colégio não se encaixa completamente no subgênero, mesmo com a extensa lista de mortes. Falta aqui aquele suspense que será herdado dos gialli italianos. Outras ausências notadas são os instrumentos cortantes ou mesmo a figura misteriosa, por vezes mascarada, do serial killer. Contudo, é importante contextualizar, o longa foi lançado nos cinemas em 1976, antes de Halloween – A Noite do Terror (1978) e Sexta-Feira 13 (1980), mas depois de O Massacre da Serra Elétrica (1974).

Outro grande estranhamento é causado pela desarmônica trilha sonora, em especial a melosa canção principal, Crossroads (interpretada por Tommy Leonetti), tocada em sua quase integralidade durante os créditos iniciais e finais do filme. Aliás, estes créditos iniciais devem chamar a atenção pela pieguice: uma montagem, similar a um videoclipe, que intercala cenas que mostram alguns eventos que acontecerão no desenvolver da trama com imagens do protagonista correndo por uma praia.

No entanto, apesar das irregularidades citadas acima, o longa não foi mal recebido pela crítica profissional. Pelo contrário, o famoso crítico norte-americano Roger Ebert classificou a produção como “inteligente e intransigente”. Na opinião sincera deste que vos escreve, Massacre no Colégio poderia ser definido como uma espécie de Vingança dos Nerds sombria fortemente inspirada por George Orwell e sua Revolução dos Bichos.

Para o leitor que planeja conferir o filme, Massacre no Colégio foi lançado em DVD no Brasil pela Versátil Home Vídeo recentemente, como parte do box Obras-primas do Terror: Psicopatas. O pacote traz ainda Os Olhos de Laura Mars (Eyes of Laura Mars, 1978), A Morte Tem Cara de Anjo (Twisted Nerve,  1968), Uma Noite de Pavor (Fright, 1971), Noites de Crime (The Toolbox Murders, 1978), Uma Face Para Cada Crime (No Way to Treat a Lady, 1968).

Enfim, Massacre no Colégio ganhou sua relevância não só por toda sua bem-vinda alegoria político-social e reflexões suscitadas em relação às estruturas de poder baseadas em violência, mas também por uma espécie de clarividência cinematográfica ao antever os incidentes que viriam a ocorrer em ambiente escolar décadas depois. E como acontece com muitos filmes que são redescobertos, o longa acabou virando objeto de culto para os fãs do gênero. Portanto, vale sim uma conferida.

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