Os Estranhos: Capítulo 1
Original:The Strangers: Chapter 1
Ano:2024•País:EUA, Eslováquia Direção:Renny Harlin Roteiro:Alan R. Cohen, Alan Freedland, Bryan Bertino Produção:Alastair Burlingham, Mark Canton, Charlie Dombek, Christopher Milburn, Gary Raskin, Courtney Solomon Elenco:Ryan Bown, Matus Lajcak, Olivia Kreutzova, Letizia Fabbri, Madelaine Petsch, Froy Gutierrez, Ben Cartwright, Stevee Davies, Richard Brake, Pedro Leandro, Ema Horvath, Janis Ahern |
É um risco mexer com os estranhos em qualquer circunstância, ainda mais quando a intenção envolve algo grandioso demais para uma proposta simples. Em 2008, Liv Tyler e Scott Speedman estavam com problemas no relacionamento e enfrentaram um pesadelo home office com a visita de três jovens mascarados. Escondidos nas sombras, brincando com o medo de suas vítimas, os psicopatas (Dollface, Pin-Up Girl e Man in Mask) agiram com paciência e incômodo, em um horror psicológico de poucos diálogos, ambientação única e um final aterrador. Apesar de não assumida a referência, há quem faça uma comparação entre esse longa de Bryan Bertino com os assassinatos de Keddie, na Califórnia, em 1981, envolvendo quatro pessoas de uma mesma família, vítimas de um crime ainda sem solução. E também pode-se comparar com o excelente terror francês Eles (Ils, 2006), de David Moreau e Xavier Palud.
Em 2018, Johannes Roberts comandou uma continuação do filme intitulada Os Estranhos: Caçada Noturna (The Strangers: Prey at Night), com uma ambientação mais ampla, mais violência e confrontos. Se este filme já não tinha deixado evidências de que o tema não deveria ser retomado – até porque uma das melhores características do filme original era trabalhar com o sugerido, sem necessidade de expor e incendiar corpos -, Renny Harlin viu potencial para uma trilogia. O diretor de O Mistério da Passagem da Morte (2013), Caçadores de Mentes e Exorcista: O Início (ambos de 2004) gravou os três filmes ao mesmo tempo, acreditando que poderia ampliar o universo proposto e partir para um caminho próprio, sem se basear no que já fora feito.
Neste primeiro capítulo, pelo menos, passou longe de suas próprias afirmações. Disse que seria uma produção do mesmo universo, mas não seria um reboot ou remake. Contudo, o longa é exatamente as duas coisas, resgatando os assassinos mascarados e apresentando situações idênticas ao longa de 2008. Não se trata de uma reimaginação como se esperava, mas uma refilmagem, repetindo diversas ideias e apresentando poucas novidades. Há evidências ali, além do final, de que outros personagens vistos em cena serão explorados nos próximos filmes, mas precisa saber se a tal expansão prevista irá fugir do óbvio, algo que nem mesmo Caçada Noturna conseguiu.
Em comemoração pelos cinco anos de namoro, o casal Maya (Madelaine Petsch, de Morte Instantânea, 2019) e Ryan (Froy Gutierrez) atravessam o país, parando na sonolenta e hostil cidade de Vênus, em Oregon. Observados pelos locais quando param em uma lanchonete, logo notam um problema no veículo e pedem ajuda a um mecânico próximo – com a desconfiança do rapaz de que eles possam ter mexido no carro para oferecer o conserto -, sendo obrigados a passar a noite em um Airbnb, com a carona oferecida pela garçonete. Nessa simples parada, uma conversa com um outro casal e a presença ali do xerife Rotter (Richard Brake, de quase cem produções incluindo Noites Brutais e Os Monstros) mostram a intenção de dar mais vozes a esses personagens nas continuações.
Diferente do casal do longa de 2008, Maya e Ryan não estão em pé de guerra devido ao não interesse da garota em assumir compromisso, embora o tema também os incomode. No original, o rapaz vai para a cidade comprar cigarro para a namorada; aqui, a ideia é resgatar uma bombinha de inalação e trazer algo para comerem. A visita de uma jovem estranha, escurecida pela lâmpada da entrada, é igual, assim como seus questionamentos sobre uma tal Tamara – será que até o terceiro filme iremos descobrir quem é ela?
Sozinha, Maya é incomodada por sons, novas batidas na porta e uma aparição no corredor, na volta de seu namorado. Logo o casal perceberá a presença dos três mascarados e terá que lutar para sobreviver, escondendo-se em quartos, na parte inferior da casa e na própria floresta. Outras repetições do original serão notadas, como a morte acidental de uma pessoa, a tentativa de fuga em um veículo, além da famosa cena em que ambos estão sentados diante das três ameaças. Não é difícil prever como irá terminar, ainda mais quando já se sabe que Maya está no segundo filme e provavelmente será a final girl da trilogia.
Pode ser que os filmes seguintes explorem uma cidade maldita, algo que combine religiosidade e sacrifícios. Se partir para algo nesse sentido, pode ser que os próximos capítulos corrijam a picaretagem que se mostrou Os Estranhos: Capítulo 1. Agora, se o filme seguinte apresentar outras pessoas sendo perseguidas, batidas na porta e a pergunta sobre Tamara, então Renny Harlin terá cometido três erros cinematográficos. Esta primeira parte pelo menos não trouxe nada de novo que não fossem ambientações, algumas melhorias nas máscaras e mais personagens. É pouco para se justificar o início de trilogia.
Também não se pode elogiar o casal protagonista. Ainda que em conflito, o de 2008 despertava mais empatia no espectador e até uma expectativa em vão de que poderiam sobreviver à noite maldita. A cena final, das crianças com o folheto religioso, foi a cereja desse bolo de horror psicológico, transmitindo uma sensação de que os tais assassinos são pessoas comuns, que você poderia encontrar na igreja, na fila do mercado ou em algum evento cultural. Eles, assim como os garotos do filme francês, foram àquela casa para buscar uma distração, se divertir ou, como na fala justificada de um dos assassinos, “porque vocês estavam em casa“.
Os Estranhos: Capítulo 1 não soube explorar esse conceito perturbador de normalizar a violência, e ainda não transmitiu muito bem a atmosfera claustrofóbica, um dos pontos altos do original. Se tivesse sido lançado em 2008 e o de Bertino fosse a refilmagem dele, teríamos visto agora um remake enxuto e assustador. No caso, parece que se trata apenas de muita gordura para pouco conteúdo.