Profecia do Inferno
Original:Jiok / Hellbound
Ano:2021-2024•País:Coréia do Sul Direção:Yeon Sang-ho Roteiro:Yeon Sang-ho, Kyu-Seok Choi Produção:Yeon-ho Kim Elenco:Aria Song, Kim Hyun-joo, Kim Shin-rock, Yang Ik-joon, Feodor Chin, Yoo Ah-in, Park Jeong-min, Kim Do-yoon, Ryu Kyung-soo, Jung Ji-so, Won Jin-ah, Victoria Grace, Chase Yi, Jasper Jeon |
Essa formidável e infelizmente pouco comentada série coreana disponível na Netflix gira em torno da seguinte situação: imagine uma pessoa receber de uma entidade etérea uma sentença informando que morrerá em determinado dia/horário e que irá para o inferno! Ao chegar a citada hora, monstruosos anjos caídos aparecem para cumprir o anúncio, de forma brutal e com muita violência, sem qualquer tipo de redenção, queimando seu corpo e levando sua alma para o além. Tudo isso às vistas de qualquer pessoa e, lógico, das câmeras de celulares, cujos vídeos logo viralizam gerando caos e desassossego.
Essa empreitada do diretor Yeon Sang-ho, responsável pelo excelente filme Invasão Zumbi (2016) e pela irregular série Parasyte: The Grey (2024), além de momentos aterrorizantes e muito suspense, é uma contundente crítica social, principalmente à religião, pois essa situação dará vazão ao surgimento de seitas de variados matizes, algumas mais outras menos radicais, sempre explorando e procurando dar alguma explicação para esse fenômeno. O governo inicialmente se mostra fraco, mas também é tentado a ampliar seu espaço enquanto uma organização civil busca trazer certa razoabilidade à balburdia instalada.
A série é muito criativa ao conjugar elementos fantásticos com dramas pessoais e a já mencionada crítica social religiosa. No aspecto técnico, os seres grotescos que chegam para cumprir a sentença são muito bem feitos, há momentos de grande apuro técnico (uma perseguição automobilística que ocorre na segunda temporada é de aplaudir de pé) e a direção consegue criar um clima de constante aflição, visto que acompanhamos, na maioria das vezes, personagens cujo destino já sabemos e é tenebroso.
Na primeira temporada, a escolha narrativa é fragmentada em núcleos divididos nos três primeiros e nos três últimos capítulos (parecendo até duas históricas distintas no mesmo universo), enquanto na segunda temporada há mais fluência entre os personagens e o encaminhamento do roteiro. Contudo, todas as peças postas no tabuleiro serão usadas e eventualmente algum personagem que se perdeu no caminho será resgatado para o fechamento. Isso causa certa estranheza, mas esse recurso narrativo aumenta o suspense e curiosidade quanto ao destino dos personagens que, por sua vez, são bem trabalhados pela direção e roteiro.
Ambas as temporadas são ótimas, mantêm o interesse e proporcionam momentos de tensão, além de fazer pensar… Yeon Sang-ho deixa uma visão pessimista de mundo ao mostrar que as instituições, sejam elas regulares ou não, tem como foco principal a obtenção de poder, independente do certo ou errado, mantendo a sociedade civil sob um cabresto invisível para manutenção do controle. O uso político de crenças e da desgraça alheia é descortinado aos olhos de imbecis, de ingênuos, de crédulos, de aproveitadores, de radicais, ou seja, de uma miríade de seres que não se prestam a serem designados como humanos, pois alheios a dor e sofrimento de seus pares. O mais emblemático desse cenário é pensar que doutrinas se criam do medo e pessoas as seguem copiosamente sem qualquer discernimento, buscando explicações e alento em quem não tem como dá-las.
Apesar da descrença, há momento de luz em personagens que buscam se sobressair no meio de tanta sujeira, como o policial Jin Kyeong-hoon (Yang Ik-june) e a advogada Min Hye-jin (Kim Hyun-joo), além de situações onde a esperança ainda resiste, como àquela relacionada a um bebê (sem mais explicações para não cair em spoiler).
De fato, Profecia do Inferno pode ser muito prazeroso para quem buscar entretenimento e uma boa dose de reflexão, já que une com maestria o terror e discussão de crença/religião. Vale a pena conferir!