Babygirl
Original:Babygirl
Ano:2024•País:EUA Direção:Halina Reijn Roteiro:Halina Reijn Produção:David Hinojosa, Halina Reijn, Julia Oh Elenco:Nicole Kidman, Harris Dickinson, Antonio Banderas, Sophie Wilde, Esther-Rose McGregor, Vaughan Reilly, Victor Slezak, Leslie Silva, Gaite Jansen |
O erotismo e a exploração da própria sexualidade podem trazer consequências para além do prazer. Babygirl (2024) é um thriller erótico e psicológico dirigido por Halina Reijn (Morte Morte Morte, 2022), que dá enfoque ao perigo das dinâmicas de poder e a fragilidade da sensação de controle.
A CEO de sucesso Romy (Nicole Kidman) possui uma vida padrão e rotineira onde tem o controle sobre tudo. É a principal porta-voz de uma grande empresa de tecnologia e vive em extrema dedicação ao seu trabalho. Nos bastidores é a esposa solícita de Jacob (Antonio Banderas), um diretor de teatro que a satisfaz em algumas categorias de sua vida. E também é uma mãe de duas filhas, que cuida, acolhe, e está presente o quanto consegue quando está em casa.
Ao caminho do trabalho, Romy quase é atacada por um cachorro descontrolado, mas é salva por um jovem que mais tarde descobre ser seu estagiário recém contratado Samuel (Harris Dickinson). Desde a primeira interação dos dois no ambiente de trabalho, Samuel é a primeira pessoa a desafiar a posição de poder de Romy, com falas inadequadas e despertando sentimentos de dúvida e desejo.
A partir de então, Romy e Samuel não apenas se envolvem sexualmente, mas criam uma dinâmica de poder e dominação que vira o centro da vida da CEO. Enquanto tenta manter a nova relação sigilosa, começa a perder o controle das outras esferas de sua vida. O controle é um tópico que entra em foco ao longo do filme, fragilizado por Samuel, que é mostrado como um dominador declarado. Ele é quem dita o que Romy vai fazer, ele quem a ameaça colocando em risco seu trabalho e sua família. E Romy vive num conflito interno constante entre o medo de perder tudo e a entrega total para o controle nas mãos de outra pessoa.
Percebemos desde o começo que existe um lado de Romy que quase nunca vem à superfície. Como, por exemplo, logo na cena inicial, após transar com seu marido, ela imediatamente se retira para se masturbar em outro cômodo assistindo pornografia. Com Samuel ela é estimulada a encarar essa parte de si, mas isso vem em doses homeopáticas devido ao seu medo de libertar-se totalmente.
E por uma premissa já escancarada desde os trailers de divulgação, Babygirl é um filme que infelizmente se mantém no raso com ainda outras doses homeopáticas em seu roteiro. Muitas questões são resolvidas rapidamente, outras não explicadas e algumas apenas jogadas ao espectador como se estivessem ali o tempo todo.
A trilha sonora belíssima, do talentoso compositor Cristobal Tapia De Veer (Sorria 2), traduz a diferença dos sentimentos quando Romy está com seu marido ou com seu estagiário. O filme também conta com uma fotografia de destaque, como por exemplo o jogo de cores neutras no cenário e roupas para demonstrar a pureza de Romy em suas cenas mais públicas, em contraste com cores fortes e escuras de quando se encontra com Samuel.
Nicole Kidman é sem dúvida o grande nome do filme, com uma entrega ao papel que ofusca todos ao seu redor, seja bebendo um copo de leite na festa da empresa, dando colo a um dominador anos mais novo ou comendo uma balinha da mão de Samuel ajoelhada como uma “boa garota”. Já Harris Dickinson, apesar de estar ganhando destaque por outras obras e ser um ótimo ator, quase não tem a chance de “brilhar”, sustentando o rostinho bonito e atrevido de seu personagem. Antonio Banderas é o mais injustiçado no longa: seu personagem é bobo, coitado e às vezes até patético.
Apesar de Jacob ser o diretor teatral, é Romy quem vive performando para todos ao seu redor. Até os gemidos de Nicole Kidman evidenciam a diferença nas cenas de sexo, que aqui não são explícitas. O próprio erotismo e jogo de sedução parecem ter pouco tempo em tela e é passado apressadamente. No início do longa, o jogo entre os protagonistas flutua entre rápido demais e a demora para se estabelecer.
A diretora e roteirista explicita pelos diálogos os papéis socialmente esperados por uma mulher mais velha como Romy. Perfeita, que dá conta de tudo, contida, elegante e, principalmente, dentro do padrão. Que faça de tudo para ser admirada e valorizada por seu controle e cuidado para todos ao seu redor. Que até goste de sexo, mas não muito. E é no desrespeito, no desafio da autoridade e na inversão de papéis de poder que ela se atrai por seu estagiário. Com Samuel ela passa para um papel de total submissão, ao ponto que ele pode ter controle sobre estragar ou não tudo que construiu até aqui.
É através desse “role-playing” que Romy encontra em sua jornada pelo prazer a possibilidade de se aproximar de uma versão mais real e menos contida de si. Mesmo envolvendo o outro, é finalmente um espaço totalmente seu e que está disposta a ir até às últimas consequências para preservá-lo. Enquanto todo o controle que assume para sua persona pública continua rotineiramente a destruindo, é no risco da destruição dela em que parece haver um ponto de esperança e solução. Mas o medo sempre está lá a segurando, freando-a e fazendo com que tome decisões errôneas e dicotômicas com o passar da história. E isso funciona bem em cena com o contraste do personagem de Dickinson, já que Samuel é honesto e claro desde o começo, sem culpa ou vergonha de assumir seus desejos e a maneira como expressa quem é.
Samuel mostra a Romy que consegue separar sua relação de “diversão” com ela do resto de sua vida, sendo algo que Romy não tem uma linha clara desse limite que acaba cruzando. Sua relação com Samuel não é apenas um caso extraconjugal pautado no desejo, é também uma catarse de uma libertação em um momento de sua vida, que, por conta de sua idade, lhe é pregado que já não era mais possível. Afinal, nessa altura do campeonato, tudo já deveria estar resolvido e estabilizado.
Com muita vulnerabilidade, desejo e medo, sendo um filme emotivo, acaba pecando em seu desfecho. Em certos momentos do terceiro ato, as resoluções parecem simplistas e rasas comparadas ao peso emocional de sua protagonista e questões focadas ao longo do filme. O próprio fetiche/kink é pouco desenvolvido, dando um ar polarizado com discurso de normatividade e culpa ao mesmo tempo em que tenta ser “sex positive”.
Babygirl está estreando nos cinemas brasileiros hoje. Com uma atuação digna de muitas premiações, Nicole Kidman é o grande destaque em comparação a qualquer elemento relacionado ao longa. Medo e desejo podem andar juntos, mas é abraçando ambos no encontro de si mesmo que existe libertação. É um filme que embarca onde o risco e a perda, apesar de serem grandes, podem nos empurrar para o grande alívio aterrorizante para muitos de nós: a verdade.
Os thrillers eróticos estão de volta com tudo nos cinemas, com uma fórmula parecida como muitos do gênero nos anos 90. Babygirl é um ótimo representante do subgênero, trazendo à tona questões que ainda não se tornaram obsoletas e dando um protagonismo para além do sexual para suas personagens femininas.