Ring 0 - O Chamado
Original:Ringu 0: Bâsudei / Ring 0 - Birthday
Ano:2000•País:Japão Direção:Norio Tsuruta Roteiro:Kôji Suzuki, Hiroshi Takahashi Produção:Takashige Ichise, Masao Nagai, Shinji Ogawa Elenco:Yukie Nakama, Seiichi Tanabe, Kumiko Asô, Takeshi Wakamatsu, Ryûshi Mizukami, Kaoru Okunuki, Yasushi Kimura, Mami Hashimoto, Daisuke Ban |
Um dos grandes méritos dos primeiros livros da série literária de Koji Suzuki se estabelecia na condição obscura de sua principal antagonista. Se o primeiro livro teve uma adaptação impressionante em Ring – O Chamado, o segundo não soube despertar a mesma atmosfera aterrorizante, propondo ideias que não foram muito bem aceitas no chatíssimo Ring Espiral até provocar uma segunda continuação oficial, Ring 2: O Chamado, de 1999. Com direção de Hideo Nakata, o filme ficou bem distante do original, mas soube complementar as ideias, resgatando o tom investigativo e ameaçador de uma entidade vingativa conhecida como Sadako.
Não conhecer sua verdadeira aparência, somente os olhos demoníacos pela própria caracterização com longos cabelos sobre o rosto, ajudava a tornar a vilã ainda mais assustadora. Contribuía para o pesadelo o pouco que se conhecia sobre seu passado, sugerindo uma influência sobrenatural como herança de sua mãe. Contudo, a antologia Birthday, de Suzuki, apresentou três contos sendo que um deles, “Lemonheart“, serviu de inspiração para a adaptação Ring 0 – O Chamado, dirigida por Norio Tsuruta, a partir de um roteiro do mesmo responsável por Ring e Ring 2, Hiroshi Takahashi.
A linha narrativa principal de Ring 0 foi descrita pelo diretor como uma tragédia sobre “uma jovem que é oprimida porque é diferente de todos os outros“. É um conceito que vai ao encontro de muitas críticas feitas ao método de ensino no Japão, envolvendo adequação aos padrões e busca pela condição ideal – temas que também seriam abordados na franquia Ju-On. A jovem atriz Yukie Nakama foi escolhida para o papel de Sadako, mesmo tendo um rosto bonito e comum para a personagem, ainda que isso não sejam condições que protejam uma pessoa de sofrer bullying.
Com uma passagem sem muito interesse pelos cinemas japoneses em 2000, Ring 0 foi aos poucos conquistando seguidores em seu lançamento em VHS e posteriormente em DVD. E muitas das críticas estão realmente certas ao apontar semelhanças com Carrie, a Estranha, da obra de Stephen King, e pela tentativa de humanizar a garota, dar a ela uma característica vingativa por valores que vão além da relação que tinha com a mãe. Para que o enredo não abandone seu lado sobrenatural por um drama adolescente, a ideia foi apresentar “duas Sadakos“, uma divisão tão difícil de digerir quanto a ideia da água servir de canalizador de seus poderes de Ring 2.
O filme começa bem, com uma cena se passando no presente em que uma jovem disse ter visto a tal fita amaldiçoada e que anda tendo pesadelos recorrentes mostrando um poço, a queda de Sadako impulsionada pelo Dr. Ikuma e uma casa sinistra nas proximidades. 30 anos antes, Akiko Miyaji (Yoshiko Tanaka), noiva de um repórter que cobriu a experiência trágica com a mãe de Sadako, Shizuko (Masako), e ocasionou a morte de vários jornalistas, resolve investigar o fenômeno nensha, relacionado a Sadako e tentar entender o que aconteceu naquele fatídico dia.
Ao entrevista uma ex-professora de Sadako do primário, Sudo (Kazue Tsunogae), Miyaji fica sabendo de um episódio em que a garota teria previsto a morte de vários colegas durante uma viagem, o que traria o temor de Sadako pela água, justificando o segundo filme. Já com 19 anos, mesmo extremamente tímida e considerada estranha, Sadako entra para o teatro, unindo-se a um grupo de atores liderados por Yusaku Shigemori (Takeshi Wakamatsu), diretor da peça. Sua namorada, Aiko Hazuki (Kaoru Okunuki), e protagonista da peça, não gosta da presença de Sadako, revelando um estranho sonho que anda tendo e passa a destratá-la até, obviamente, tornar-se uma vítima de uma assombração, sendo encontrada morta com um olhar de espanto como a das futuras vítimas da garota do poço.
Sadako assume o protagonismo da peça, saindo-se muito bem nos testes de interpretação, atraindo a atenção do técnico de som, Hiroshi Toyama (Seiichi Tanabe). A atração é mútua para decepção de sua ex-namorada, a figurinista Etsuko Tachihara (Kumiko Asô), que segue o mesmo caminho de Aiko. O elenco começa a desconfiar de algo estranho com a jovem pelo pesadelo em comum e pela aparição de uma garota-fantasma parecida com ela. Etsuko descobre um som estranho registrado na gravação da experiência com Shizuko e pretende expor Sadako durante a inauguração da peça, em uma vingança que poderá trazer consequências.
Como se percebe, a temática do bullying é bastante explorada e justifica a comparação com Carrie. O “banho de sangue de porco” será substituído pela exposição de uma garota comum que ainda não entende seus poderes e nem quem seria essa “segunda Sadako“. As cenas são intercaladas com a investigação de Miyaji, que descobre razões para o suicídio de Shizuko e sua relação com o Dr. Heihachiro Ikuma. Etsuko também irá investigar a garota, entrando em contato com a psiquiatra de Sadako, com mais pistas sobre seus poderes vingativos.
Tudo até que flui de maneira curiosa, mas essa revelação sobre os dois lados de Sadako terem se separado é duro de engolir, assim como seu poder de cura. A Sadako boazinha é apaixonada por Toyama e caminha para ser uma adolescente normal, mantendo escondida nos bastidores uma versão maléfica, disposta a se vingar de quem ameaçá-la, e era mantida por Ikuma no sótão de sua moradia – o autor deve ter se inspirado naquele episódio da antologia “Treehouse of Horror VII“, em que o Bart Simpson descobre que tem um irmão gêmeo chamado Hugo, sendo mantido no sótão. A “junção” das duas Sadakos é que o obriga a um ato fatal antes de atirá-la no poço.
Embora tenha seus momentos assustadores, com fantasmas com a mão estirada como mostrados na fita, Ring 0 – O Chamado peca pelos acréscimos a uma mitologia obscura e funcional. Ver o rosto de Sadako, mesmo não sendo a desinibida de Espiral, foi um dos maiores erros da proposta, assim como a inclusão dessas “novidades” sobre sua infância e adolescência. Vale pela curiosidade de entender os caminhos literários e todo o drama que envolve uma das assombrações mais aterrorizantes da Sétima Arte. Mas não havia necessidade de humanizá-la nem explorar seu passado trágico, como também se equivocou Rob Zombie no trato a Michael Myers.