![]() O Vento Selvagem
Original:Demon Wind
Ano:1990•País:EUA Direção:Charles Philip Moore Roteiro:Charles Philip Moore Produção:Michael Bennett, Paul Hunt Elenco:Eric Larson, Francine Lapensée, Jack Forcinito, Stephen Quadros, Mark David Fritsche, Sherry Leigh, Bobby Johnston, Lynn Clark, Richard Gabai, Mia M. Ruiz, Kym Santelle, Stella Kastner, Tiffany Million, Lou Diamond Phillips |
Na saudosa época dos tijolões, conhecidos tecnicamente como VHS, era divertido esbarrar em produções que talvez você não assistisse, se já não tivesse visto todas as outras opções disponíveis. A disputa pela audiência não dependia dos valores do canal de exibição (os ditos streaming), até porque cada locadora tinha sua própria oferta, cabendo aos distribuidores produzirem capas chamativas, com títulos sonoros, e a evidência do que está sendo oferecido. No caso de O Vento Selvagem (Demon Wind, 1990), o título nacional ruim não ajudava e muito menos a capa, completamente diferente da versão exploitation original, que continha um demônio tosco, desenhado, quebrando uma janela – há até versões da capa em 3D. É provável que a CIC Vídeo tenha evitado confundir o produto com um desenho animado de terror. Para fãs de trasheiras como eu, se a capa fosse igual a original, o filme de Charles Philip Moore teria ficado entre as primeiras escolhas de aluguel.
Quem aprecia o gênero, é um colecionador raiz, e não se importa em ver coisas como O Rato Humano, O Bebê Maldito e O Ataque dos Tomates Assassinos, O Vento Selvagem poderia ser o prato principal. Trata-se de uma evidente homenagem e referência – há quem acredite que seja oportunismo e cara-de-pau – ao clássico A Morte do Demônio (The Evil Dead, 1982), de Sam Raimi. Você pode até considerá-lo uma versão trash de um filme que para muitos já é considerado um – não sou um destes. E parece que o cineasta quis também embeber seu trabalho com doses de A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968) e tudo o que há de mais bizarro no estilo. Se O Vento Selvagem viesse com uma bula com a exposição de seus componentes, o fabricante teria que dizer que o longa possui demônios que vomitam gosmas brancas, mortos-vivos que carregam madeiras e ferramentas, um esqueleto de ode a Satã com uma língua viva e outro crucificado, portais dimensionais, pesadelos e alucinações, personagem se transformando em boneca, um Necronomicon e duas adagas, raios azulados e laranjas, crianças fantasmas, Crazy Ralph, artes marciais, efeitos Chapolin e, claro, uma névoa densa, o tal “vento demoníaco” do nome em inglês.
E tem o informe das contraindicações: O Vento Selvagem não é recomendado para pessoas que procuram narrativas coerentes, boas atuações, efeitos de maquiagem convincentes e aspectos técnicos de qualidade. É um filme amador, com orçamento estimado em meio milhão, mas feito por alguém que viu muitos filmes de terror e quis colocar todos em apenas um, explorando criatividade a despeito do que dispunha. Ainda que muitos considerem o resultado ruim, o longa adquiriu status de cult obscuro, marcando presença entre os colecionadores e arqueólogos de bagaceiras.
Iniciando em 1931, numa casa simples do campo, com símbolos de proteção diversos (uns três quadros de Jesus, velas diversas, pentagramas, selos de proteção, oferendas, boneco vudu…), enquanto um corpo é visto em chamas numa cruz, Regina (Stella Kastner) tenta impedir a entrada de demônios em sua morada, sem saber que seu marido, George (Axel Toowey), já foi possuído por um: cada corte da câmera, seu rosto traz mais erupções na pele, unhas grandes, olhos avermelhados e dentes tortos, além do vômito branco para dar um charme. Ela mostra um globo de neve e diz que enquanto aquilo for conservado, eles estarão vivos. George a ataca, fazendo-a derrubar o item, ocasionando uma explosão em grandes proporções. Uma curiosidade facilmente notada: o mesmo take explosivo será mostrado em outro momento no filme para contenção de gastos.
Regina e George são avós de Cory (Eric Larson), que, depois do suicídio do pai, resolve voltar às suas origens sessenta anos depois do que foi visto no prólogo. Ele traz a esposa Elaine (Francine Lapensée) e um grupo de seis amigos: o valentão Dell (Bobby Johnston) e sua namorada Teeri (Lynn Clark), Jack (Mark David Fritsche) e sua companheira Boonie (Sherry Leigh), o mágico Chuck (Stephen Quadros) e o amigo Stacy (Jack Forcinito). Mais tarde se unirão ao grupo Willy (Richard Gabai) e Reena (Mia M. Ruiz). A atmosfera de horror envolve o filme a todo momento. Durante a chegada até um posto de gasolina, local de encontro dos amigos, uma criança é vista com uma expressão aterrorizante, enquanto aponta para o carro com um pedaço de madeira.
Cory tem um deja vu ao chegar ao posto, mostrando um pesadelo que teve em que estava no mesmo lugar à noite, segurando um estranho livro e é recepcionado por uma Regina demoníaca que diz: “Bem-vindo para casa, Cory“, completando com uma risada maldita. É no posto que ele encontra o “Crazy Ralph” (personagem da franquia Sexta-Feira 13, que avisava os jovens das ameaças de Crystal Lake), um tiozinho (Rufus Norris) que tenta por diversas vezes impedir que os jovens vão para a Fazenda Carter. “O local pertence aos mortos.”
Ignorando os avisos, Cory e os demais chegam às ruínas da fazenda, veem o esqueleto estranhamente conservado na cruz e a entrada para a casa, com apenas uma parede inteira, mas ao cruzá-la eles encontram a morada como era antes da explosão. Tentativas de fugir do local são impossibilitadas pelos veículos que param de funcionar e uma densa névoa que sempre os traz de volta. Um toque no crânio permite – com raios azulados – que Cory veja o passado e entenda o que aconteceu, contando também com a ajuda do diário da avó, com feitiços de proteção e formas de enfrentar um mal que possuirá os jovens, deixando-os presos na casa, com mortos-vivos demoníacos do lado de fora.
“Se eu morrer, não me enterre aqui“, diz Boonie, que depois de ler uns inscritos em latim – “Nunc protesta, Satane vivet” (traduzido pela garota de maneira errônea, sendo que o certo seria “Agora anuncie: Satã viverá“) – desperta os demônios como o gravador de Evil Dead e transforma a garota numa boneca, antes de se incendiar. A criação de Raimi ainda é lembrada com a criatura sedutora (a atriz pornô Tiffany Million) que atrai Chuck e Stacy para uma batalha campal, além das adagas e do livro, mais referenciado em Uma Noite Alucinante 2 (Evil dead 2, 1987). Cercados por monstros gosmentos, os jovens utilizam armas que não acabam as balas e até golpes de artes marciais, contra vários figurantes, incluindo o ator Lou Diamond Phillips em pontinha com altas próteses na pele.
Ainda há tempo para encontrar os ossos de um demônio grande no celeiro e ele soltar sua língua para fazer uma vítima; crianças demoníacas surgirem incomodá-los; além da tosca transformação de Cory numa entidade (parece um alienígena) capaz de enfrentar o líder das criaturas, quando esta finalmente der as caras, com seus golpes de luzes laranjas. Aqueles que morrem retornam como demônios, aparições e pesadelos, numa salada trash de mistura de subgêneros e nojeiras.
O Vento Selvagem emana sua falta de recursos e precariedade a todo momento, seja na trilha incidental que inclui sons de cães latindo na mata e uma sirene que toca quando a casa perde sua proteção azulada, seja nos diálogos muito mal construídos e artificiais (“Uma princesa deve sempre ganhar flores.“, “É por isso que a mantenho por perto.“). É o tipo de porcaria que ainda diverte, representando uma época em que os filmes de terror não se importavam em trazer mensagens sociais, os atores não se importavam de ficarem lambuzados de gosmas, e os efeitos práticos reinavam com seus bonequinhos animatronics e dublagens exageradas, sem uso de CGI e inteligência artificial.
Fora de catálogo e não relançado no Brasil, O Vento Selvagem pode ser adquirido com colecionadores e através de sites de download que resistem à censura digital. Para fãs do chamado “terror de cabana na mata“, conhecer ou revê-lo é essencial!
Esses filmes mereciam ser preservados. Numa época chata em que quase todo filme de terror precisa ter uma crítica social “phoda”, ver essas produções baratas é um alento.