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por Hedjan C.S.

Terror e suspense são coisas fantásticas. Você começa lendo sobre uma casa mal assombrada e acaba pesquisando sobre direito imobiliário para tentar entender um pouco mais. E foi assim que eu acabei descobrindo sobre as Jiko Bukken, as propriedades “amaldiçoadas” do Japão. Tá, “amaldiçoado” é meio dramático. Vamos ficar então com propriedades estigmatizadas.

No episódio anterior…

Na última coluna, quando estava falando sobre casas assombradas, mencionei que, no estado de Nova York, onde fica a famosa casa de Amityville, não existe uma lei que obrigue o vendedor a informar sobre crimes cometidos na propriedade ao comprador.  E Nova York nem é a exceção. Na maioria dos estados norte-americanos, os agentes imobiliários não precisam notificar crimes violentos, suicídios ou assassinatos.

Acabei ficando curioso, e fui pesquisar como era aqui no Brasil.

Bom, vamos aos poucos. Por aqui, se a falta de comunicação desse fato afetar a segurança ou o uso do imóvel, o vendedor pode ser responsabilizado civilmente.  Isso porque o Código Civil prevê situações em que o comprador, dependendo das circunstâncias, pode solicitar a rescisão do contrato de compra do imóvel e buscar indenização. Quando o vendedor não informa sobre um acontecimento trágico do local, como um crime violento, por exemplo, ele está indo contra a boa-fé, um princípio fundamental nos contratos, estabelecido pelo artigo 422 do Código Civil. Sem contar que, quando o vendedor oculta informações que poderiam influenciar na decisão da compra, existe o que o artigo 138 chama de vício de consentimento.

Mas existe outra situação: a de que, mesmo sabendo do acontecimento trágico, o comprador decide continuar com a compra e pede uma diminuição do preço do imóvel. Na prática, isso já acontece pelo fenômeno da desvalorização dos imóveis próximos de regiões com altos índices de criminalidade, por exemplo. Nesse caso, não estamos falando de uma única casa. Estamos falando de quarteirões, ruas, bairros… Mas, se estivermos falando de uma casa onde um crime aconteceu, não há uma regra escrita que determine que o preço seja diminuído. Claro que o vendedor do imóvel pode ir diminuindo o valor da venda conforme o tempo passe e ninguém se interesse em comprar. Mas, como eu já disse, não é uma regra.

No Japão é um pouquinho diferente.

Propriedades Amaldiçoadas… Digo, estigmatizadas

No mercado imobiliário do Japão existem propriedades que estão disponíveis para serem alugadas por um preço muito mais baixo do que o esperado, com uma diminuição no valor que pode variar de 30 a 40%. Esse tipo de propriedade chama atenção e desperta interesse de estrangeiros que vão morar no país e de pessoas mais idosas. Só que, quando o motivo do valor baixo é revelado, o interesse pode desaparecer na mesma hora.

Chamadas de Jiko Bukkens (Jiko = acidente; bukken = propriedade), essas residências são marcadas por acontecimentos não tão agradáveis no passado. Estamos falando de casas e apartamentos onde aconteceram assassinatos, suicídios, acidentes fatais, cadáveres em decomposição ou partes de corpos foram encontrados, pessoas adoecidas morreram sozinhas. Elas também podem se referir a locais onde aconteciam recrutamentos para cultos ou quarteis generais de organizações criminosas.

Um dos motivos pelos quais tantas pessoas no Japão tendem a evitar essas propriedades tem a ver com a visão cultural arraigada da morte como algo poluente e, portanto, tabu. O medo do desconhecido, as superstições e as crenças culturais são combustíveis para as Jiko Bukkens. Propriedades onde acontecem mortes repentinas ou em circunstâncias horríveis são vistas como “marcadas”, “sujas”, “poluídas”. Segundo as tradições e as crenças do Japão, locais assim podem fazer com que surjam Yūreis. De maneira extremamente resumida, segundo a crença japonesa, o Yūrei é um fantasma ou espírito gerado por uma morte não natural ou que deixou assuntos pendentes no mundo dos vivos.

Marketing alternativo

No Japão, as leis determinam que o primeiro comprador de uma casa onde uma morte aconteceu deve ser avisado. Esse aviso obrigatório não se estende ao segundo comprador. Também existe o fator tempo. Também pela lei, o informe de que a propriedade se trata de uma Jiko Bukken só é válido por 5 anos. Depois desse tempo, a obrigação desaparece. Como resultado, já ocorreram casos em que famílias compraram ou alugaram imóveis só para descobrir depois que algo horrível aconteceu no passado distante da casa.

Outra faceta desse fenômeno é que existem imobiliárias japonesas que se especializaram em vender ou alugar as Jiko Bukkens, mantendo catálogos e relações específicos dessas propriedades. Os sites mostram imóveis seguindo sistemas de rankings conforme o “nível de tragédia”, alguns descrevendo com detalhes as mortes ou os crimes que aconteceram no local.

Algumas imobiliárias também ensinam a procurar por sinais que podem identificar uma possível Jiko Bukken: casas com históricos de renovação recentes, prédios que mudaram de nome, alugueis baratos demais com relação ao entorno etc.

Mas espere! Tem mais!

Como forma de tentar combater esses problemas de ordem espiritual, algumas imobiliárias possuem equipes especiais para o serviço. Essas equipes realizam uma série de ritos e rituais de purificação e limpeza em uma Jiko Bukken ante dela ser colocada a venda. Em seguida, a própria empresa emite um certificado declarando que o recém-falecido encontrou a paz e não representa mais uma ameaça à paz daquela residência. Além da abordagem espiritual, esse procedimento também impacta no campo psicológico dos potenciais futuros compradores.

Mesmo assim, você resolveu comprar ou alugar

É claro que isso não é um problema para todo mundo. Algumas pessoas mais práticas podem considerar que uma morte no passado não afeta em nada o futuro. Muito menos o presente. O que importa é focar no valor da propriedade. Além do mais, temos que ter medo é dos vivos! Nessa crise mundial, quem vai achar uma casa tão bem localizada, espaçosa e acessível por esse preço? Como dizem por aí, a oportunidade bate na porta uma vez só.

Então deixa eu te contar só duas histórias rapidinhas.

A professora de Tokyo

Em 2015, uma professora de inglês de Tokyo com pouco dinheiro encontrou um apartamento com valor de aluguel que cabia no seu orçamento. Ela ficou surpresa quando foi visitar o local e descobriu que ele era bem diferente dos apartamentos mais baratos de Tokyo, que costumavam ser bem apertados. O lugar era espaçoso, bem servido de transporte público e perto do seu próprio trabalho. Pra não correr o risco de perder a oferta, ela se apressou em assinar logo o contrato sem se preocupar em chamar um tradutor para ler as “letrinhas pequenas”.

No começo foi tudo bem, claro. Tirando um ou outro barulhinho esquisito de noite. Estalos, pancadinhas, leves sons de coisas arranhando. Mas casas fazem barulhos mesmo. Um encanamento, uma parte do piso, dobradiças… Conforme o tempo passa, a gente se acostuma e eles ficam tão familiares que desaparecem.

Só que estes não desapareceram.

Os barulhinhos foram evoluindo e se transformaram em sons de passos, sons de paredes sendo arranhadas. Algumas vezes, ela percebia com clareza que os barulhos vinham de quartos vazios do apartamento. Ela começou a evitar certos cantos da casa e passou a dormir na sala. Com as luzes acesas.

Quando um amigo passou alguns dias com a professora, os sons desapareceram. Isso deixou a coitada um pouco mais tranquila. Talvez os acontecimentos tivessem sido só consequências de uma imaginação superexcitada. Mas essa tranquilidade não durou.

Em uma noite a professora foi acordada pelo som de um baque muito forte dentro do apartamento. Dias depois ela acordou no meio da noite só pra ver uma mulher sentada ao lado da sua cama murmurando alguma coisa. Antes que a moradora pudesse fazer qualquer coisa, a mulher desapareceu.

Nem preciso dizer que a moradora ficou aterrorizada e foi procurar abrigo na casa de uma amiga. Ela decidiu procurar outra casa pra morar, mas ainda precisava pegar as coisas que tinha deixado para trás na fuga. Voltou com a amiga à casa, durante o dia, só pra pegar o essencial. O resto ela deixaria com a empresa de mudança.

Quando chegaram ao prédio, as duas encontraram uma das vizinhas que disse ter escutado sons que pareciam o de alguém correndo pelo apartamento. E, no meio da conversa, a vizinha mencionou o crime que tinha acontecido na casa.

De volta no apartamento da amiga, a professora pesquisou sobre a casa. Descobriu que a antiga moradora havia sido morta dentro da residência em um crime não solucionado. E também descobriu que o apartamento era listado como uma Jiko Bukken.

O casal

Dois jovens recém-casados relataram ter passado pela mesma experiência da professora, em Yokohama. A diferença é que, no caso deles, a casa foi alugada mais de cinco anos após a tragédia. Encantados pelo valor absurdamente baixo do aluguel da casa, os dois não pensaram duas vezes e se mudaram o mais rápido possível.

E as coisas estranhas logo começaram.

O casal relatou que, durante as noites, eles costumavam ouvir sons de vozes e de lamentos que pareciam vir de dentro das paredes da casa. Mas o que mais chamava atenção era um espaço na sala de estar que estava sempre gelado sem explicação aparente. Independente da estação do ano, do clima ou de qualquer estratégia que eles tentassem (aumento da temperatura do aquecedor, aquecedores portáteis, velas), o lugar continuava sempre absurdamente frio.

A resposta veio de uma pesquisa sobre a história da casa. Eles descobriram que um antigo morador da casa havia se suicidado. O corpo tinha sido encontrado exatamente no local da sala de estar que estava sempre frio.

Caviat emptur

Só pra deixar claro, os relatos anteriores foram retirados da internet. Então, sempre existe a possibilidade de que sejam meros relatos narrativos fictícios. Mas, claro, sempre existe a outra possibilidade também. A de que essas histórias realmente tenham acontecido.

A população do Japão costuma preferir imóveis novos não só por questões de ordem prática (materiais novos, arquitetura moderna, sem problemas antigos pra resolver), mas também porque existe a preocupação com as histórias e as energias do passado. Mesmo assim, a crise de moradias no Japão e o aumento de casas desocupadas têm colaborado para a ocupação das Jiko Bukkens.

Só pra finalizar, caso você decida alugar uma residência no Japão e queira se precaver, aconselho a dar uma olhada no site Oshimaland. Ele mostra não só as Jiko Bukkens do Japão, mas as equivalentes em outros países. Tem até algumas no Brasil marcadas. A interface é bem simples, só procurar no mapa e clicar. E, se você ainda quiser mais, existem outros sites pra você se informar como o Oshima Teru ou o Naruboto Real Estate. Informação nunca é demais. E é melhor ter a informação adequada, caso você comece a escutar sons esquisitos no meio da noite na sua nova casa.

Casa assombrada de Jussara Felix fica na Praça Roosevelt em São Paulo

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