
![]() Maníacos
Original:Two Thousand Maniacs!
Ano:1964•País:EUA Direção:Herschell Gordon Lewis Roteiro:Herschell Gordon Lewis Produção:David F. Friedman Elenco:Connie Mason, William Kerwin, Jeffrey Allen, Shelby Livingston, Ben Moore, Jerome Eden, Gary Bakeman, Mark Douglas, Linda Cochran, Yvonne Gilbert |

Se estiver atravessando a zona rural da Geórgia, cuidado com os desvios e evite a todo custo passar pela aparente simpática cidade de Pleasant Valley. Seus moradores são hospitaleiros, recebem os visitantes com muita alegria e festa, propondo boas acomodações e a participação em jogos divertidos como o de acertar o alvo, barril que desce uma ribanceira e corrida de cavalos. O problema seria conseguir sobreviver às brincadeiras, principalmente se você for um ianque. Two Thousand Maniacs! (1964), lançado por aqui com o preguiçoso título Maníacos, é o meu filme favorito do padrinho do splatter e do gore, Herschell Gordon Lewis, uma produção que ajudou a construir a História do Cinema de Horror, servindo de influência para muitas obras como O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974).
Filmado na Flórida, em 12 dias, com um orçamento irrisório de pouco mais de US$60 mil dólares, trata-se de um filme simples e bastante perturbador. Ainda que tenha uma narrativa “leve” com doses de humor e uma agradável trilha sonora do grupo The Pleasant Valley Boys, as intenções dos locais, na comemoração do centenário da cidade, são extremamente perversas, uma vingança histórica incômoda, com requintes de crueldade. Devido à violência, o longa foi bastante mutilado pela MPAA antes de seu lançamento, tendo estreias restritas ou simplesmente proibidas. O sucesso alcançado nas bilheterias, mesmo com passagem limitada nos cinemas, foi suficiente para permitir que Lewis continuasse fazendo seus filmes, e ajudou a tornar a produção ainda mais conhecida.

Com roteiro de Lewis, o longa mostra seis pessoas sendo enganadas por placas de desvios na estrada, na ação dos caipiras Rufus (Gary Bakeman) e Lester (Ben Moore), indo parar na animada Pleasant Valley. São recebidas com bandeiras e festa pelos habitantes, incluindo o prefeito Earl Buckman (Jeffrey Allen), que anuncia que os visitantes são os convidados de honra das comemorações do centenário da cidade. Quartos de hotel de cortesia, além da garantia de alimentação (participar do churrasco) e entretenimento, a partir dos jogos propostos, já trazem o estranhamento dos turistas Terry Adams (Connie Mason), Tom White (William Kerwin), o casal John (Jerome Eden) e Bea Miller (Shelby Livingston), além de David (Michael Korb) e a esposa Beverly Wells (Yvonne Gilbert).
A simpatia dos anfitriões e o galanteio incomum logo terminam com ações de tortura psicológica e física. Bea tem um dos dedos cortados para depois ter o braço decepado e visto posteriormente em um espeto; John é desmembrado por quatro cavalos; David é colocado em um barril cheio de pregos e solto em uma colina; e depois Beverly é deixada amarrada, embaixo de uma gigantesca pedra, enquanto os moradores tentam acertar um alvo que culminará com seu corpo sendo esmagado. Todas as sequências de violência e morte são acompanhadas por crianças, senhoras, pessoas comuns e que participaram do filme sem experiência em atuação. Eles cantam e se divertem com a tortura, mas também alguns evidenciam um certo incômodo por ter que participar dos atos, captados pela fotografia de Lewis.

Vistas hoje, as cenas de morte não trazem os mesmos impactos para o público contemporâneo como na época, mas são bem elaboradas e viscerais, fazendo uso de um sangue extremamente viscoso e vermelho, a partir de corpos destruídos, desmembrados e perfurados. É impossível não torcer pela morte rápida dos turistas, principalmente Beverly, quando percebe seu destino, na lenta tentativa de acerto dos moradores para apreciação de suas vísceras.
Embora Maníacos seja referenciado pela violência de um diretor habituado a mutilar seu elenco, o longa traz interessante contexto sobre as consequências da Guerra Civil Americana. É um retrato já explorado no cinema, principalmente de horror e americano, que mostra o inferno da guerra e a relação que se construiu a partir das diferenças entre os nortistas e sulistas; e que também se pode traçar um paralelo assustador com o convívio conturbado do colonizador e do colonizado, e até buscar para a nossa atual realidade política na divisão de polos. Não irá abrandar as ações dos residentes em Pleasant Valley, massacrados pelos soldados renegados da União, mas permite boas reflexões a respeito.

É claro que o filme, pela sua condição barata, não consegue esconder suas falhas. Além de alguns efeitos não serem tão convincentes e as atuações, em grande parte, serem risíveis, há alguns percalços no roteiro de Lewis como na primeira fuga de Tom e Terry. Eles se escondem dos cidadãos durante a noite, mesmo que em nenhum momento tenham testemunhado qualquer atitude violenta, para depois retornarem ao hotel para dormir, precisando de uma nova fuga. O prefeito e os demais ensaiam uma perseguição e depois relaxam ao saber que os desaparecidos voltaram para seus dormitórios. Em outra cena, o policial (Andy Wilson) demonstra estranhamento sobre a existência de Pleasant Valley para depois, mais tarde, dizer que existem relatos sobre essa cidade maldita.
Ainda bem divertido e profundo, Maníacos mantém sua narrativa incômoda e essencial, mesmo depois de mais de cinquenta anos. O visionário Herschell Gordon Lewis soube cravar mais uma marca de seu cinema azedo e ousado, algo que passaria a acompanhá-lo por toda sua jornada cinematográfica.





















