O silêncio precede o massacre
Uma cantora de ópera está em frente ao microfone, paralisada, sob uma soturna luz vermelha. O público entra no teatro, e lá no palco está ela. Um cheiro de cravo paira no ar, aos poucos os espectadores se ajeitam nas cadeiras. O estranhamento causado pela presença da cantora, imóvel, elegante, se agrava quando outros personagens entram em cena. A luz baixa nos permite ver silhuetas paradas ao lado, enquanto a marcha fúnebre ecoa ao fundo. A bela abertura da peça de teatro Ópera Massacre já dá o tom da atmosfera angustiante que está por vir.
A trama envolve parentes que precisam preparar o velório da matriarca da família, a cantora de ópera Dolores. A notícia da morte de Dolores gera conflitos entre os irmãos, que expõem, nesse momento, todas as suas diferenças, com julgamentos, acusações e conflitos de interesses. Esses conflitos se intensificam quando eles descobrem que, na verdade, Dolores não está morta.
O modo como os filhos reagem a esta situação dá o tom do Teatro do Absurdo, proposto pelo escritor e diretor Gustavo Des. O espetáculo foi escrito durante a pandemia, e a angústia crescente, provocada pelos momentos mais dramáticos, se tornou inspiração. A peça cria uma atmosfera existencialista, com aflições que permeiam o mosaico de personagens, e vão desde a perda de cabelos ao desejo incontrolável de se sentar. Por mais que o espetáculo traga alívios cômicos, estão ali, inseridas em metáforas, críticas ao egoísmo, ao machismo, à ganância, ao abandono, à falta de sanidade mental.
Ópera Massacre é um vislumbre visual, sensorial – cenário, figurino, iluminação, trilha sonora estão em perfeita harmonia com o incrível elenco. O ator paulista Tom Garcia interpreta com maestria Dolores, e, mesmo sem dizer uma palavra, constrói uma personagem angustiada, que passa quase todo o tempo ali sentada, sem conseguir reagir aos absurdos que escuta de seus parentes. A angústia está em seu rosto. Clarisse Carvalho, como a filha Briene, representa a mulher oprimida, taxada de louca, sempre sendo colocada de lado nas decisões. “A Briene tem muito de mim”, disse o diretor Gustavo. Todo o elenco é bem construído e compõe bem esse mosaico de personagens, cada um com sua aflição, cada um com seus interesses, cada um por si…
Fã do horror, na literatura, no cinema, no teatro, Gustavo ainda reserva várias referências ao gênero. Mário Bava, David Lynch, entre outras, enriquecem a peça. Mas o horror de Ópera Massacre não está apenas nessas referências. Dá as caras quando os personagens mostram suas faces mais bestiais, trazendo à tona o pior de cada um. A motosserra pendurada acima dos personagens reflete a fala de Donnie: “O silêncio precede o massacre“. De tempos em tempos, durante o espetáculo, todos param e olham o objeto, e aí percebemos que algo de muito ruim está por acontecer. O grito que surge no fim é o de todos nós. É a expurgação de toda dor, da angústia, dos absurdos que nos assolam em tempos sombrios e de esperança de só assim, quem sabe, poder descansar.
Direção e texto: Gustavo Des
Elenco: Axwell Godoi, Clarice Carvalho, Gabriel Oliveira, Laura Damada, Lucas Michielini, Thiago Latalisa e Tom Garcia.
Cenário: Anderson Ferreira
Figurino: Laura Vexisto
Coreografia: Deborah Leal
Iluminação: Rafael Bertolacini
Produção: Ramon Moreira
Assessoria de Imprensa: Naza Music
Serviço:
Teatro Feluma – 25 e 26 de junho
Local: Alameda Ezequiel Dias, 275 – sétimo andar – Centro, Belo Horizonte.
Ingressos:https://bileto.sympla.com.br/event/73086
Instagram: @opera_massacr3
Email: opera.massacr3@gmail.com