Com a realização do terrível Halloween Ends, encerrando a trilogia desenvolvida por David Gordon Green, houve quem dissesse ter sentido saudades das versões de Rob Zombie. É claro que a comparação imediata serve apenas para mais uma vez desmerecer a realização da refilmagem e ao mesmo tempo elevar a ruindade do novo filme. Contudo, após quinze anos do lançamento de Halloween, será que ele ainda apresenta tantos problemas quanto na época, quando sofreu nas mãos de críticos e fãs do original? Assim, como prestador de serviços do site Boca do Inferno, venho com a árdua missão de dar uma nova chance ao longa do músico e cineasta, em um esforço hercúleo pelo bem do gênero.
A ideia de fazer um novo filme já vinha desde a estreia de Halloween Ressurreição. Havia intenções ousadas de crossovers de universos, principalmente em um embate entre Michael Myers e Pinhead. A ideia era tão doida que até Clive Barker concordou em escrever um roteiro para John Carpenter dirigir, tendo mais uma vez Doug Bradley como o líder dos cenobitas. Não seria um combate como se imaginava, como aconteceu em Freddy Vs Jason ou Alien Vs Predador, mas um conflito que envolveria o psicopata mexendo com a Configuração dos Lamentos, trazendo para o terror da humanidade ambas as entidades como inimigas. Depois de apresentarem um questionamento online e tendo a desaprovação da maioria, Moustapha Akkad finalmente concordou que seria melhor não cutucar esse vespeiro.
Foi quando Rob Zombie, fugido da Casa dos 1000 Corpos e após apresentar seus Rejeitados pelo Diabo, resolveu se oferecer para comandar um remake. A Dimension Films confirmou que Zombie queria um envolvimento absoluto com o universo desenvolvido por John Carpenter, tendo influência no roteiro e música, e assumindo a direção do que ele considerava um Halloween extremo. Depois de ter a autorização de Carpenter, Zombie disse que iria explorar outros caminhos no enredo básico, mostrando um Michael Myers mais violento e assustador, com mais assassinatos e investigação do passado do psicopata – ideias que julgo desnecessárias, como irei comentar mais à frente.
Filmado na mesma localidade que o clássico, as filmagens aconteceram a partir de 29 de janeiro de 2007. Em agosto, o filme já estava em sua versão para a estreia, mas boa parte dos fãs já havia visto através de materiais vazados na internet. As tais workprints apresentavam algumas diferenças em relação ao que foi lançado nos cinemas, e essa era a aposta de Zombie para que o filme não fracassasse na bilheteria. Apesar do vazamento, o longa até que foi bem, conquistando em estreias pelo mundo mais de U$80 milhões, ficando em quinto em comparação aos lançamentos da franquia original e do reboot de 2018. Convertendo os valores em dólares atuais, pode-se classificar assim: Halloween 1978 (U$183 milhões), Halloween 2018 (U$155 milhões), Halloween H20 (U$107 milhões) e Halloween 2 (U$84 milhões).
Quanto às críticas, o longa foi bastante malhado nos jornais e veículos virtuais. Apesar da intenção de Rob Zombie de apresentar um Halloween ao seu estilo, a comparação com o original se mostrou inevitável, perdendo feio na troca do suspense pelo banho de sangue. Toda a trajetória de um assassino frio, representando a maldade humana em seu estado absoluto, foi trocada por experiências traumáticas na construção gradual de seu caráter violento. E a longa duração, com exatas duas horas de filme, também não agradou pelo excesso de sequências que poderiam ter sido cortadas para um dinâmica maior do roteiro de Zombie. Há também problemas na condução e escolha do elenco, sem que o exagero gráfico consiga impedir o longa de justificar o desprezo recebido.
Sem especificar o ano, o filme começa na cidade oficial de Michael Myers, em Haddonfield, Illinois. Com apenas dez anos de idade, Michael Myers (Daeg Faerch) é visto em uma família problemática, onde ofensas, gritaria e insinuações sexuais são constantes, mesmo diante da bebê Boo (Sydnie Pitzer e Myla Pitzer) e da jovem Judith (Hanna Hall). Dentro desse contexto, em que a mãe, Deborah (Sheri Moon Zombie), uma stripper, tem que aguentar os desaforos do namorado Ronnie (William Forsythe), Michael é visto com um ratinho na mão em um momento e limpando sangue de uma lâmina na outra. Sofrendo com valentões na escola, sendo acusado de levar gatos mortos e fotografar animais destroçados, Michael completa o serviço de sua caracterização doentia ao matar um outro adolescente no bosque no dia 31 de outubro.
Com a mãe saindo para trabalhar e a irmã deixando-o de lado para transar com o namorado Steve (Adam Weisman), o garoto, com um apego por máscaras, como a de palhaço que usaria para buscar doces ou travessuras, com a trilha inicial de “Love Hurts“, do Nazareth, resolve matar todo mundo. Amarra Ronnie no sofá e corta seu pescoço, depois arrebenta a cabeça de Steve com um taco de beisebol para então dar um fim na irmã com uma faca. Quando a mãe chega em casa, ele está ensanguentado, com a bebê Boo, do lado de fora, para desespero da vizinhança e incredulidade da polícia local. Ainda que a cena seja intensa, ela se mostra exagerada pela quantidade de corpos, diferente da visão em primeira pessoa de John Carpenter no assassinato de Judith.
Só que Zombie não quer saber de passagem no tempo e mostra o pequeno Michael no sanatório de Smith’s Grove sendo estudado pelo psicólogo infantil Dr. Samuel Loomis (Malcolm McDowell em uma ótima performance). Nas sessões iniciais, o garoto é falante, expressando para a mãe o desejo de ir para casa, sem saber o que fez. A afeição por máscaras de papel machê, para esconder sua “feiura“, persiste, enquanto gradualmente ele vai perdendo sua humanidade e a comunicação com o mundo, com o ápice no assassinato de uma enfermeira. Não suportando mais um acesso de violência do filho, Deborah se suicida, ao passo que Loomis começa a perceber os olhos vazios de Michael Myers. Um prólogo que se estende por 40 minutos, sem que o personagem realmente se mostre como os fãs aguardam com ansiedade.
Quinze anos depois, Michael Myers agora é um grandalhão (Tyler Mane) que continua com sua fixação por máscaras, recebendo o respeito apenas do zelador Ismael (Danny Trejo). Depois que Loomis anuncia que não será mais o médico de Michael, ele é incomodado em seu quarto por dois enfermeiros, Noel (Lew Temple) e seu primo, que estupram uma nova paciente e desdenham de suas máscaras. Myers mata todo mundo, incluindo Ismael, mesmo este tendo sido bom com ele todos esses anos. Ele foge da instituição e, numa parada de caminhões, assassina o motorista Big Joe Grizzly (Ken Foree), roubando, inclusive, suas roupas. E parte para a sua cidade natal, onde Laurie Strode (Scout Taylor-Compton) está com a família, já demonstrando um caráter mais porralouca do que a interpretada por Jamie Lee Curtis.
Conversando sobre rapazes com as amigas Annie (Danielle Harris), a filha do xerife Lee Brackett (Brad Dourif), e Lynda (Kristina Klebe), Laurie começa a se sentir observada por Michael Myers. Sabendo da fuga, o Dr. Loomis visita o cemitério apenas para descobrir a violação no túmulo de Judith para depois tentar convencer a polícia sobre a ameaça, enquanto Michael Myers já dá início a sua trilha de sangue, assassinando os pais adotivos de Laurie, Cynthia (Dee Wallace) e Mason (Pat Skipper), e Lynda e o namorado, na reconstrução da cena do rapaz vestido com um lençol branco e os óculos. E a matança continua à medida em que ele se aproxima de Laurie, em sequências sempre sangrentas, com a imposição física de Michael Myers para exterminar quem cruzar seu caminho.
Como no original, há crianças envolvidas, como o jovem Tommy (Skyler Gisondo) e Lindsey (Jenny Gregg Stewart), que são mantidos protegidos e precisam pedir ajuda à polícia, antes que Laurie seja encontrada. A final girl sofre nas mãos de Michael Myers em um inferno que envolve perseguição, quedas, fraturas, cortes no rosto e no corpo, além de encontrar cadáveres pelo caminho. O assassino de babás atua como uma máquina mortífera, destruindo paredes e resistindo a tiros e golpes, numa caracterização verdadeiramente monstruosa. Se o original deixava uma sensação incômoda de ameaça constante, o Myers de Rob Zombie é imparável, sem compaixão, tendo no corpanzil sua principal arma para destroçar suas vítimas.
Em uma nova leitura, com base ainda na trilogia de David Gordon Green, pode-se dizer que o Halloween de Rob Zombie teve um bom envelhecimento. Antes visto apenas como uma metralhadora sangrenta e suja, na composição de um cenário doentio, o filme agora permite concentrar suas ações na construção de um monstro. Se o filme se chamasse Michael Myers, por exemplo, ele teria uma aceitação maior porque o foco está exatamente nele, diferente do que fora visto em Halloween Ends. E o exagero gráfico, configurado em um slasher raiz, moldado em violência em sangue escuro, é um deleite para os fãs de horror, depois da evolução da geração “pós-horror“, em que quase nada acontece de importante em uma produção.
Se tivesse uma boa edição, deixando de lado o longo começo, e partisse para o que o diretor sabe fazer de melhor, Halloween seria muito mais reconhecido. O filme também perde pontos pela direção complicada de Rob Zombie, ainda sem dominar adequadamente o posicionamento de suas câmeras: com muitos close ups, principalmente na primeira metade, Halloween trespassa uma sensação de qualidade amadora, quase independente, do trabalho original. Outro ponto negativo se concentra no elenco: ainda que tenha muitas participações especiais, como Danielle Harris, vista na franquia original, entre outros, algumas escolhas se mostram equivocadas. Uma delas é o limitado jovem ator que faz Michael Myers aos dez anos (Daeg Faerch) e outra é a própria final girl, interpretada por Scout Taylor-Compton. Escandalosa, a atriz não convence como alguém que poderia bater de frente com o vilão. Ora, estamos acostumados com a resistente Jamie Lee Curtis, que vai além de uma simples fujona.
Com uma impressão melhor deixada, Halloween, de Rob Zombie, diverte pelos exageros com a violência e pelos personagens caricaturais do elenco particular do diretor. Não deve ser comparado ao clássico, que é muito perturbador e interessante, porém apresenta uma visão sangrenta e um Michael Myers consumido por anabolizantes. Vale uma nova oportunidade, principalmente após conferir a nova trilogia.
O melhor filme é o de 1978. Deveriam ter parado aí. Tudo que veio depois é bastante inferior, mas os dois filmes (se é que se pode chamar isso de filme) do Rob são uma porcaria sem tamanho de tão ruim.