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Embora tenha iniciado sua filmografia com longas de horror, os ótimos Dog Soldiers – Cães de Caça (2002) e Abismo do Medo (2005), Neil Marshall partiu para o comando de produções épicas, com grandiosas lutas de espada e um bom elenco: assim, fez Juízo Final (2008), Centurião (2010) e episódios de séries como Black Sails (2014) e Game of Thrones (2014). Ainda atrás das câmeras de histórias curtas, voltou aos poucos ao gênero com um segmento para a antologia Tales of Halloween (2015) até realizar o reboot fracassado de Hellboy (2019), com David Harbour como o herói demoníaco. Foi com essa bagagem, principalmente a inicial, que resolvi fazer uma sessão dupla com os dois mais recentes filmes do cineasta, a fim de verificar se ele ainda sabe comandar monstros, destacando um elenco feminino.

Ambos possuem o protagonismo e são co-roteirizados por Charlotte Kirk, oriunda de Kent, na Inglaterra. A atriz já esteve em mais de vinte produções, de gêneros diversos, tendo no currículo inicial a bagaceira Drácula – O Príncipe Das Trevas (2013), de Pearry Reginald Teo, e com destaque para o longa Oito Mulheres e um Segredo (2018). Kirk esteve envolvida em um escândalo em Hollywood quando foram descobertas trocas de favores sexuais entre ela e o CEO da Warner Kevin Tsujihara, em alguns relatos que dizem que foi consensual e outros que envolveu abuso, culminando em investigações e descobertas do chamado “sofá de Hollywood.” Independente dos fatos, ela se casou com Neil Marshall e estabeleceu uma parceria que já conta com os dois filmes analisados aqui, além de dois outros que já estão em pós-produção. É uma boa atriz, mostrando versatilidade para atuar como uma mãe acusada de bruxaria e uma militar no combate a criaturas.

The Reckoning

The Reckoning
Original:The Reckoning
Ano:2020•País:UK
Direção:Neil Marshall
Roteiro:Neil Marshall, Charlotte Kirk, Edward Evers-Swindell
Produção:Daniel-Konrad Cooper, Michael Marks, Esther Turan, Steffen Wild
Elenco:Charlotte Kirk, Steven Waddington, Joe Anderson, Ian Whyte, Sarah Lambie, Leon Ockenden, Emma Campbell-Jones

Ambientado em 1665, durante a Grande Peste que afligiu a Europa, o longa mostra o desespero de Grace Haverstock (Kirk) ao voltar de uma busca por ervas no campo e encontrar o marido, Joseph (Joe Anderson), enforcado. Durante uma passagem pela cidade, ele erroneamente bebeu do copo de uma pessoa contaminada e, percebendo o mal que poderia fazer à família, principalmente por ter uma bebê recente, resolveu se matar. Grace enterra o marido próximo à casa e pretende seguir seu luto, até ser incomodada pelo proprietário da moradia, Squire (Steven Waddington), que tem interesse em favores sexuais – entende-se até como a ideia se desenvolveu nas mãos de Kirk.

Sem ter como pagar o aluguel, Grace viaja à cidade para tentar um empréstimo e tentar entender como o marido se contaminou, indo ao pub em que ele esteve. No caminho, ela encontra a amiga Kate (Sarah Lambie) e seu marido Morton (Leon Ockenden), com quem ela deixa a pequena Abby. Sem sucesso, apenas desconfiada que Squire possa ter feito algo para envenenar a bebida de Joseph, ela retorna para casa, para novamente ser atacada pelo agressivo proprietário. Ele tenta estuprá-la, mas não consegue devido à sua defesa e à ajuda do servo Edwin. Squire, então, resolve espalhar pelo pub que Grace é uma bruxa, e os ajudantes dele resolvem queimar a casa e prendê-la para um julgamento.

A partir de então mais elementos de horror são introduzidos no enredo. Enquanto aguarda a chegada do notório descobridor de bruxas John Moorcroft (Sean Pertwee), ela é assombrada por pesadelos em que vê o marido e a mãe mortos, além de uma visita de Lúcifer (Ian Whyte), tentando seduzi-la. São realmente os melhores momentos de The Reckoning, quando envolve a trama em uma atmosfera de horror comum em produções antigas, até com névoas, um cárcere sombrio e a presença de um louco. Grace terá que resistir aos testes que serão feitos para comprovação de sua influência demoníaca, com atos de tortura e agressão física e psicológica.

Dividindo a trama em narrativas que exploram os dias de Grace na prisão – sem que isso tenha algum fundamento ao enredo -, Marshall tenta transpor uma identidade épica à produção, mas falha pela dramaticidade que compõe a trama, somada à trilha sonora repetitiva, de tons novelescos. Cobre sua obra de elenco coadjuvante, dando os devidos destaques, reservando momentos de cena para uma atualização de seu estado, diante dos horrores testemunhados. É o caso da subtrama de Kate e Morton, ou da ajudante de Moorcroft que sobreviveu à fogueira, além do passado trágico de Grace diante da mãe condenada.

Sem explorar a violência de maneira gráfica – esconde ações de tortura, mas não a cabeça de alguém esmagada por uma carroça – The Reckoning não é a volta triunfal de Neil Marshall, distante de suas produções iniciais, mas é um longa mediano de bruxaria, mostrando a resistência de uma moça ao espetáculo BDSM de um caçador de bruxas, traçando um sutil paralelo aos tempos atuais com toda a subjugação que impera numa sociedade misógina.

Terror no Deserto

Terror no Deserto
Original:The Lair
Ano:2022•País:UK, EUA, Finlândia
Direção:Neil Marshall
Roteiro:Neil Marshall, Charlotte Kirk
Produção:Daniel-Konrad Cooper, Michael Marks, Esther Turan, Steffen Wild
Elenco:Charlotte Kirk, Jonathan Howard, Jamie Bamber, Leon Ockenden, Harry Taurasi, Mark Strepan, Hadi Khanjanpour, Kibong Tanji, Mark Arends, Adam Bond, Alex Morgan

Após a baixa aceitação de The Reckoning, o trabalho seguinte de Marshall foi o terror militar The Lair, que tenta emular algumas boas ideias de Dog Soldiers. Tenta, mas passa bem longe do conflito entre soldados e lobisomens. No enredo, Kirk é a piloto da Força Aérea Britânica Kate Sinclair, cujo avião é derrubado por insurgentes no Afeganistão, juntamente com Terry Johnson (Alex Morgan). Em fuga pelo deserto, após a morte de Terry, Kate é perseguida até um bunker russo, aberto pelo disparo de uma bazuca, e se abriga no local, que se revela um antigo laboratório de pesquisas no subsolo.

Caminhando pelo local, enquanto ainda é perseguida, ela inadvertidamente libera criaturas de um experimento alienígena, e foge dali, sendo posteriormente seguida por elas. Kate chega a um acampamento militar sob o comando do Major Roy Finch (Jamie Bamber), onde convivem o sargento Tom Hook (Jonathan Howard), os cabos Kip Wilks (Mark Strepan) e Jade Lafayette (Kibong Tanji), além dos soldados Dwayne Everett (Mark Arends), Eddie Serano (Adam Bond), Tucker O’Neill (Daniel-Konrad Cooper) e os britânicos sargento Oswald Jones (Leon Ockenden), Dave Bromhead (Troy Alexander) e Vince Hughes (Harry Taurasi).

Inicialmente desacreditada, mesmo tendo roubado um microfilme do laboratório e as falas do refém insurgente Kabir (Hadi Khanjanpour), logo as criaturas chegarão para um confronto sangrento contra todos, exigindo ações de batalha e resistência. Com os estereótipos presentes – o pior de todos é o Major caracterizado como se tivesse fugido de uma produção teen da Disney, além da fácil definição sobre quem vive e morre -, The Lair conduz o espectador a um live action de um jogo de tiro, com falas heroicas, sacrifícios e ideias das mais absurdas, como a de invadir o laboratório enquanto as criaturas “dormem” para salvar uma pessoa aparentemente condenada com a desculpa do “ele faria o mesmo por mim“.

Como acontece em muitas produções similares, até mesmo Dog Soldiers não escapa disso, os inimigos parecem mais brutais nas aparições iniciais – até mesmo um capturado e com órgãos retirados volta à vida. Quando o cerco aperta, toda aquela resistência desaparece e as criaturas tombam facilmente, como uma ameaça comum. Marshall também resolve entrar na dança em uma rara aparição, atuando como um soldado “black ops” apenas para compor elenco e acompanhar sua esposa mais de perto.

Quanto aos efeitos especiais, eles são até aceitáveis, mais até do que a proposta. Os tais alienígenas se configuram como um Venom misturado com o Nemesis de Resident Evil. São soldados alienígenas que conseguem compreender as ações humanas pelo toque de sua língua imensa, e que acaba utilizando a própria Kate como um elo para futuras ações, justificando a captura de um personagem, tendo consciência de uma afeição recíproca.

Distante de retornar ao estilo que o tornou reconhecido, Marshall faz mais uma produção arroz com feijão, sem grande profundidade, sem transmitir as mesmas sensações de claustrofobia. Merece uma nota média pelo nome por trás das câmeras e sua capacidade técnica. Nas mãos de outro diretor, The Lair iria apenas mofar entre tantas bagaceiras, não atraindo nem mesmo a curiosidade do espectador.

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