Dentre as ambientações que assombram o gênero, as casas são as que proporcionam os melhores arrepios. Sem a graça da canção de Vinícius de Moraes, são nelas que residem os principais medos que atormentam novos moradores, quando sons estranhos e aparições passam a ser frequentes. Muitas dessas narrativas, conhecidas diante do trepidar de fogueiras em acampamentos ou até em conversas informais na fila do banco, serviram para alimentar a história do horror cinematográfico a partir do subgênero “casas assombradas”. Ora, até mesmo quem não tem intimidade com o estilo conhece uma moradia maldita, seja mencionando o poltergeist da televisão, as criaturas que viviam com a tia de Roger Cobb ou até, para os da tenra idade, a bruxa de Rhode Island. As casas malditas são tantas e diversas que poderiam compor uma cidade própria, em Denver ou Connecticut, sob algum cemitério indígena, com uma passagem por Amityville. Mas, há um endereço aterrorizante, onde pode ser encontrada uma “mansão macabra”, que mais pessoas deveriam visitar.
Foi para lá que a família Rolf buscou novos ares. Ben (Oliver Reed), sua esposa Marian (Karen Black) e seu filho David (Lee Montgomery), de “quase” 12 anos, pareciam estar diante da casa de seus sonhos. Uma mansão, construída no século XIX, com arquitetura neoclássica, disponível para aluguel por apenas US$900 dólares – preço único para todo o verão – trazia a expectativa de bons momentos de descanso, além de permitir que Ben retorne ao hábito de escrever. Precisaria oportunamente cuidar da estufa abandonada, aparar as plantas da entrada, revitalizar a piscina e trocar o espelho da sala de visitas, ainda que o caseiro, Sr. Walker (Dub Taylor), não esteja disposto a ajudar.
“A casa se cuida sozinha.” (Roz Allardyce)
Ben e Marian são recebidos pelos simpáticos proprietários, os irmãos Roz (Eileen Heckart) e Arnold Allardyce (Burgess Meredith), que lhe trazem como única condição de estadia a necessidade de dispor uma bandeja com alimentos três vezes ao dia para a mãe deles, de 85 anos, reclusa em um quarto no sótão, com sua coleção de fotografias “de uma vida”, acompanhada de uma boa música. Observando os retratos na parede, o casal Rolf já percebe uma particularidade: há vários registros da fachada da casa, com imagens que remontam ao século anterior, alternando reformas e revitalizações. Após uma conversa em família, resolvem se estabelecer no local, durante o verão, trazendo a tiracolo a adorável tia Elizabeth (Bette Davis).
Enquanto desempacotam suas tralhas, Marian faz uma visita à Sra. Allardyce para se apresentar como responsável pelos seus cuidados. Nota uma vasta coleção de porta-retratos em imagens em preto e branco de pessoas não sorridentes, mas não consegue qualquer contato visual com a idosa.
Tudo aparenta estar envolto em um clima agradável de mudança, incluindo a geladeira cheia, cortesia dos donos ausentes. O primeiro episódio estranho já acontece nessa descoberta na cozinha, quando Elizabeth tenta acionar o interruptor da despensa e percebe que a lâmpada está queimada. Ben corta a mão na abertura do champanhe, ao passo que o garoto David faz uma nova tentativa no ambiente de guarda de mantimentos, acendendo a luz. Pouco depois, pai e filho estão cuidando da piscina, quando se observa na faxina de Marian que o espelho, que estava rachado na primeira visita deles, agora está intacto. Vasos com plantas mortas voltam a mostrar belas flores, e até a piscina adquire uma aparência melhor da noite para o dia.
Se por um lado a casa deixa vestígios de uma nova condição, por outro, os Rolfs começam a vivenciar situações de estresse. Ben, em um estado de insanidade, quase afoga o filho na piscina; e Marian parece obcecada por uma caixa de música no cômodo próximo ao da senhora reclusa, rejeitando tentativas de aproximação do marido. Sentindo-se mal por ter machucado David, Ben é atormentado por lembranças do funeral de sua mãe, com a presença constante do motorista do rabecão, com sua palidez e risada fantamagóricas. Suas tentativas de abandono do local não são aceitas pela esposa e nem pelos arbustos que circundam a residência, enquanto esta parece sugar lentamente a vitalidade de seus residentes.
Levemente inspirado em um romance homônimo de Robert Marasco, publicado em 1973, a concepção de A Mansão Macabra começou ainda em 1969, com direção inicialmente imaginada de Bob Fosse. Com a publicação do livro, um novo roteiro foi desenvolvido com o acréscimo dos parceiros William F. Nolan e Dan Curtis, que, a partir de então, assumiria o comando. Nolan e Curtis se conheceram através do escritor Richard Matheson, uma das mentes mais férteis do gênero fantástico no século XX, e trabalharam juntos nos filmes The Norliss Tapes (1973), Trilogia do Terror (Trilogy of Terror), com Karen Black, e The Turn of the Screw (ambos de 1974), além de outras produções de outros gêneros.
As filmagens de A Mansão Macabra aconteceram em agosto de 1975 na histórica Dunsmuir House em Oakland, Califórnia, mesmo local onde serão as gravações de Fantasma, do Don Coscarelli, em 1979. É interessante essa conexão entre os filmes, tendo em vista o personagem do chofer do carro fúnebre, interpretado por Anthony James, e que no livro teve pouco destaque, ganhando notoriedade incômoda com Nolan. Na entrevista com o roteirista, no material extra do box Obras-Primas do Terror Volume 6, ele aponta que o personagem seria “a materialização física da maldade da casa”, além de trazer à tona um passado traumático de Ben Rolf.
Nolan também traz outras curiosidades, como a relação conturbada de Oliver Reed e a genial Bette Davis. Ela chegou a pedir para Dan Curtis tirar do elenco o ator, pelo fato dele passar a madrugada no hotel onde estavam bêbado cantarolando músicas irlandesas. Curtis se viu obrigado a mudá-lo de apartamento para evitar novos conflitos, mas não impediu que a atriz também criticasse Karen Black por não ter lhe dado o devido respeito nos sets.
Além desses atritos, a realização de A Mansão Macabra teve a marca de uma coincidência trágica. Na segunda semana de filmagens, a filha de Dan Curtis, Linda Meryl Curtis, de 20 anos, tomou cetamina e fenciclidina (PCP) e achou que podia voar, jogando-se do alto de um prédio em Los Angeles. O diretor parou a produção por um tempo, depois retornou precisando filmar a sequência em que um personagem voa por uma janela. Nolan elogia o profissionalismo de Curtis na realização da cena, um dos momentos mais chocantes do filme.
Mesmo com a boa produção e elenco, o longa não foi bem nas análises dos críticos da época, adquirindo posteriormente uma condição cult. Alguns acharam o filme lento, distante de um terror visceral, com mais proximidade do psicológico. E é exatamente nesses detalhes que situam os principais méritos da produção. A Mansão Macabra não é um terror gráfico, com mortos-vivos se esgueirando de suas tumbas para se alimentar da carne dos vivos ou vampiros com longas presas. Entende-se o posicionamento dos críticos pela época do filme em questão, posterior ao lançamento de Aniversário Macabro (The Last House on the Left, 1972), O Exorcista (The Exorcist, 1973), O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chainsaw Massacre, 1974), entre outros, incluindo A Profecia (The Omen, 1976). Claro que existiam obras voltadas para o psicológico, mas que acabavam embebidas em sangue em profusão e órgãos expostos.
Dan Curtis fez um filme em que o monstro é visível, mas envolto em sugestão. Trabalha subtextos como o materialismo pelo modo como a matriarca se torna obcecada pelo lugar ao ponto de destruir sua família, com toques sublimes de claustrofobia. Há uma absoluta transformação na atmosfera à medida em que os moradores passam a ser consumidos pelo local, passando da alegria do bom convívio na chegada para o cansaço e o desgaste emocional. Uma boa representação dessa mudança pode ser vista na personagem de Bette Davis em dois momentos: assim que chega à moradia, brincando com a família e mantendo o bom humor, e depois para o esgotamento gradual, sem vontade de sair da cama. É a inversão do que acontece com Dorian Gray na obra de Oscar Wilde, o que não deixa de ser mais aterrador do que uma criatura gosmenta em busca de suas vítimas.
Figurando entre as melhores casas assombradas do gênero, A Mansão Macabra precisa ser visitada mais vezes. A cada conferida o espectador irá perceber detalhes não notados anteriormente – o espelho reconstituído, por exemplo, só fui perceber ao revê-lo para escrever esse texto –, e irá também notar a belíssima trilha sonora incidental a cargo de Bob Cobert, que esteve em outros trabalhos de Dan Curtis, como Drácula, o Demônio das Trevas (Dracula, 1973), com Jack Palance.