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Em novembro, aconteceu a 32ª edição do Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade. De 13 a 24, o festival contou com a exibição de 93 filmes de diversos países, além de programações envolvendo música, jogos, performances e até mesmo workshops. O tema foi “É na luz que a gente se encontra” sendo o maior evento cultural LGBTQIAP+ da América Latina! A essência do festival, segundo o diretor André Fischer, é ser um espaço de resistência e transformação, e por isso, o grande homenageado do ano foi o diretor canadense Bruce LaBruce, com a exposição “Bruce LaBruce Sem Censura”, no MIS. Por utilizar diversos elementos de terror em seus filmes, tivemos a oportunidade de entrevistar Bruce sobre o tema e inclusive sobre seu mais novo filme que foi lançado no festival, The Visitor (O Intruso).

Bruce LaBruce é canadense e além de diretor também é fotógrafo, escritor e artista. Iniciando seus projetos com fanzines, Bruce é considerado um dos pais do Queercore (subcultura dentro do movimento punk voltado ao público LGBT). Passou então a criar curtas-metragens e hoje é aclamado por seu trabalho crítico e subversivo com seus longas, onde mescla cinema alternativo com sexualidade explícita. Participando (e sendo expulso) de vários festivais, Bruce é ganhador de vários prêmios e conhecido mundialmente. Seu longa mais recente, The Visitor, tem inspiração e homenagem a um dos seus diretores favoritos, Pier Paolo Pasolini.

Boca do Inferno: Sexualidade e horror são tópicos que se conversam há muito tempo. Podemos perceber esses elementos retratados juntos e de formas diferentes em sua obra. O que te inspirou a flertar com o horror em alguns dos seus filmes?

Bruce: Sim, em certo ponto eu fiz um segmento em horror com meus dois filmes de zumbis, Otto e L.A. Zombie, e na verdade, O Intruso tem alguns elementos de horror, ou até o filme As Misândricas, com uma cena de reatribuição sexual, que é codificada como uma cena de Frankenstein. Então, eu amo o horror e sou muito influenciado pelo gênero. E o horror é muito político, eu acho. Meu professor da universidade foi Robin Wood, um famoso crítico de cinema que escreveu sobre o subtexto homossexual em muitos filmes mainstream. Ele também escreveu uma antologia, ou editou uma antologia, chamada The American Nightmare, que é sobre os filmes de horror dos anos 70, como os do Wes Craven, John Carpenter, Sam Raimi e Tobe Hooper e toda aquela geração de cineastas. Com uma alegoria política para o fim do Vietnã, de repente, nós estávamos vendo a violência mais grotesca nas notícias de noite, e o gênero de horror deu uma espécie de saída para aquele tipo de medo e terror. Então para mim, o gênero dos zumbis é uma metáfora perfeita para o capitalismo, porque é sobre conformidade, e todos os zumbis são consumidores e conformistas. E, claro, brilhantemente trabalhado em Dawn of the Dead, eles acabam voltando para a loja de compras. Então é uma ótima categoria e eu uso isso de forma contra-intuitiva. Então eu tenho um zumbi sensível, um garoto queer, que não gosta de zumbi. Ele também é um estrangeiro, ao contrário de muitos zumbis, que são conformistas. E foi uma ótima metáfora para a alienação queer e para um jovem adolescente que se sente apaixonado por um mundo homofóbico que sente medo. Então, seu medo e a repressão que ele sente imposta sobre ele, manifesta-se com ele sendo morto, ele parecendo morto. Então eu adoro esse gênero de horror que é usado como uma palavra para muitas coisas políticas.

Boca do Inferno: E você está interessado em fazer mais filmes de zumbis ou trabalhar com outras criaturas e outras alegorias do horror?

Bruce: Sim, O Intruso é quase… é um pouco como o meu filme L.A. Zombie, porque é sobre uma espécie de criatura alienígena que vem de outra dimensão, e um intruso que interrompe a família. Ele se torna um tipo de monstro quando está fazendo sexo. Seu olho se torna branco, quase um zumbi durante o sexo. Mas não é… Então eu pensei em completar minha trilogia de zumbis, mais literalmente, com personagens zumbis. Eu sempre quis fazer uma remake de um filme de Carol Reed, The Third Man, com o James Mason. É sobre a IRA (Irish Republican Army), basicamente, nesse filme. O protagonista é como um homem morto caminhando, ele está machucado no início do filme, e ele tenta escapar das autoridades, e ele passa pelo filme quase meio morto de qualquer forma. É uma alegoria política para os problemas irlandeses. Acho que isso daria um bom filme!

Boca do Inferno: E você poderia descrever O Intruso para aqueles que querem ter contato com seu trabalho pela primeira vez nessa mostra?

Bruce: O Intruso é um pouco “LaBruce avançado”, eu diria. Talvez não seja o melhor título para começar. Esse é um filme feito pra ser mais chocante e assustador para os sentidos. Uso muito música techno com a DJ britânica Hannah Holland, que faz a trilha sonora. Por exemplo, eu revisitei o tema do filme Raspberry Reich, que acabei usando em outro curta chamado Purple Army Faction e o público não é só agredido com sexualidade explícita e a violência, mas também com música e o texto político. Então é pra ser incômodo, é um filme experimental que não é dirigido pelo diálogo, mas sim, desafiando os sentidos.

O Intruso, 2024

Boca do Inferno: E para além dos seus “filmes de indústria” mais famosos, você acredita que suas obras anteriores conseguiriam dialogar com a comunidade queer atual?

Bruce: Eu recebi os créditos de ser um dos fundadores do movimento queercore, que faz parte do movimento punk. Eu tinha uma fanzine chamada JD’s e os filmes vieram daí. Eles eram muito políticos, desde o começo eu criava filmes políticos com conteúdo sexual explícito. Éramos radicais e à frente do nosso tempo, nos interessávamos pela diversidade e possuímos uma forte solidariedade entre lésbicas e homens gays. Pessoas não-binárias também eram bem-vindas. Abraçamos a diversidade racial em nossos fanzines e filmes. E por essas questões estávamos à frente do nosso tempo na época. Então acho que as pessoas… quando você vê um filme como No Skin Off My Ass por exemplo, eu tenho uma cena… tem algumas coisas nesse filme que acabo reiterando de novo e novo em todos os meus filmes desde então. Então você tem uma cena de uma diretora lésbica, um diretor underground, ouvindo Angela Davis. a grade marxista negra, filósofa e ativista. Ela está ouvindo no seu gravador. Tem um pôster do filme Anjo do Diabo com a Anne Margaret na parede. E um Armadilha do Destino do Polanski. E ela está fazendo um remake, um filme chamado Girls of the S.A.L.A  (the Simianese liberation army)… e está fazendo uma versão queer disso. E é isso, toda minha política é meio que encapsulada naquela cena. Todos os meus filmes meio que desde então, possuem essa reiteração da mesma estratégia.

Boca do Inferno: Seus filmes em sua maioria são protagonizados por homens. Como tem sido pra você dirigir mulheres?

Bruce: Faço isso desde o começo e sempre tenho personagens lésbicas muito fortes nos meus filmes. Elas sempre são meio que o cérebro do filme, porque sou um homem gay. Então pra mim homens com frequência são os objetos sexuais. E mulheres ocupam o espaço. Elas quase são meu ponto de identificação intelectual no filme. E muitas vezes elas próprias são diretoras. Feministas. Gostam da ideia do sexo, de terrorismo. Como meu filme As Misândricas, que é sobre um grupo de terroristas lésbicas separatistas. Então pra mim é uma coisa meio “gay old school”, onde homens gays sempre tiveram essa intensa identificação com mulheres fortes e poderosas que precisam lutar contra o machismo/homem ortodoxo e estruturas de poder e tudo o mais. E isso é construído em todos meus filmes.

As Misândricas, 2017

Além de exibido durante o Festival, O Intruso também está disponível na própria exposição do MIS. O mais novo filme do diretor tem como previsão de estreia oficial no país janeiro de 2025. Usando de muitas alegorias, sexo, horror e política, as obras de Bruce LaBruce têm sua própria personalidade e devem ser conferidas até em streamings, como Gerontophilia, disponível no Reserva Imovision.

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