Sessão 9 (2001)

4.1
(10)
Sessão 9 (2001)
Terror e loucura fazem parte da mesma personalidade!
Sessão 9
Original:Session 9
Ano:2001•País:EUA
Direção:Brad Anderson
Roteiro:Brad Anderson, Stephen Gevedon
Produção:Dorothy Aufiero, David Collins, Michael Williams
Elenco:David Caruso, Stephen Gevedon, Paul Guilfoyle, Josh Lucas, Peter Mullan, Brendan Sexton III, Charley Broderick, Lonnie Farmer, Larry Fessenden, Jurian Hughes, Sheila Stasack

Doutor: Por que você está chorando, Mary?
Mary Hobbes: Eu sinto falta da minha família.. Como eles poderiam me visitar, Doutor?

Está é simplesmente a obra-prima de Brad Anderson. Nascido em 1964, em Connecticut, nos EUA, o cineasta tem uma carreira composta de pouco mais de vinte produções, incluindo o ótimo O Operário (2004) e a tranqueira Mistério da Rua 7 (2010), consolidando seus trabalhos em episódios de séries de TV como Fringe, Fear Itself e The Killing. Pois, em 2001, quando os olhares para o gênero estavam voltados para o excelente Os Outros, de Alejandro Amenábar, Anderson lançava timidamente Sessão 9, a partir de um roteiro seu com Stephen Gevedon, um dos atores do filme em seu único texto.

Mesmo sem toda a popularidade imaginada, o longa concorreu no Festival de Sitges nas categorias Melhor Filme e Melhor Diretor, dando a Brad o merecido prêmio. Já no Brasil, Sessão 9 é quase desconhecido, não tendo tido oportunidades de lançamentos em DVD, nem exibição na TV Aberta, sendo encontrado apenas para download e no site Netflix, o que comprova mais uma vez a ignorância das distribuidoras brasileiras em não enaltecer produções eficientes.

Pode-se dizer, sem medo de exagerar, que Sessão 9 seria O Iluminado se este se passasse numa sanatório abandonado. O imenso ambiente usado na produção é o conhecido Danvers State Hospital, apelidado por um dos personagens como morcegão, devido a sua estrutura que lembra um morcego com as asas abertas. Brad Anderson se inspirou no local para desenvolver o roteiro, pois costumava passar em frente a ele sempre e imaginava quantas histórias macabras poderia contar ali. E esta não foi a única produção ambientada neste hospital, já que a obra de Laurie Faria Stolarz, Project 17, sobre um grupo de adolescentes que resolve passar a noite numa instituição deserta e confronta eventos sobrenaturais, cita, inclusive, o filme de Anderson. Home Before Dark, de 1958, de Mervyn LeRoy, também há cenas ambientadas nas velhas estruturas, apesar do longa não ser de horror.

Doutor: Billy, onde a Princesa vive?
Mary Hobbes: [voz de Billy] Na língua.
Doutor: Por que na língua?
Mary Hobbes: [voz de Billy] Porque ela está sempre falando, senhor.
Doutor: E onde você vive, Billy?
Mary Hobbes: [voz de Billy] Eu vivo nos olhos – e você sabe disso.
Doutor: Então, me ajude a lembrar: por que nos olhos?
Mary Hobbes: [voz de Billy] Porque eu vejo tudo, senhor.
Doutor: E onde Simon vive, Billy? Onde vive o Simon?
Mary Hobbes: [Silêncio]

Sessão 9 é um horror psicológico envolvendo insanidade e desespero. Sua trama complexa, repleta de mensagens subliminares, permite diversas teorias e conclusões, tornando-se melhor a cada conferida. Tive o primeiro contato com o filme em 2002, quando o Boca do Inferno começava a engatinhar, e a reação foi a mesma numa revisitada dez anos depois, constatando facilmente a genialidade da obra que Brad Anderson brilhantemente concebeu. Desde então eu sabia que era preciso compartilhar essa experiência no site, embora não soubesse como expressar de forma adequada para atiçar a curiosidade do espectador acerca de todo o seu conteúdo. Talvez, eu nem consiga fazê-lo agora.

Sessão 9 (2001) (1)

A complexidade do roteiro se deve ao seu leque de possibilidades. Assim como a mente humana ainda é um mistério a ser explorado, vejo Sessão 9 como um desafio àqueles que preferem obras reflexivas. Filmes que fazem pensar, permitem interpretações e tratam da loucura e do horror psicológico sempre trazem bons resultados. Aliás, são os meus preferidos. Donnie Darko, Magnólia, Identidade, Possessão (1981) são exemplos adequados à fórmula. O espectador continua com eles na memória mesmo depois que os créditos surgem, usando-os em suas listas de preferência, mesmo que os ouvintes desconheçam os trabalhos. Sessão 9 faz parte do meu top particular!

No enredo, cinco homens são contratados para limpar o amianto de um hospital psiquiátrico abandonado. Liderados por Gordon Fleming (numa excelente atuação de Peter Mullan) e Phil (David Caruso), o grupo assume a tarefa de cumprir o vasto trabalho em apenas uma semana, já que temem perder o cliente para uma equipe rival. Numa belíssima composição de elenco, os personagens são extremamente reais com seus conflitos internos e amarguras: Gordon, por exemplo, acaba de ter filho e está satisfeito com o seu casamento, embora na primeira noite demonstre que algo estranho possa ter ocorrido durante uma visita – um simples grito feminino acaba se misturando ao som das máquinas, justificando essa possibilidade.

Phil está amargurado por ter perdido sua mulher Amy para o colega oportunista Hank (Josh Lucas), mas sabe que terá que se acostumar com esse fato pelo bem da execução do trabalho. Há também o garoto Jeff (Brendan Sexton III), que sofre de nictofobia (medo do escuro) e é vítima de um momento assustador quando ocorre uma queda de energia, mesmo que isso não sirva para a trama em si. E ainda tem o futuro advogado Mike (Stephen Gevedon), cuja curiosidade por evidências irá trazer à tona o drama da paciente esquizofrênica Mary Hobbes e suas três personalidades sinistras: princesa, Bill e Simon – cada um com sua característica própria, com o último só se manifestando na sessão 9 das terapias realizadas.

Ele veio até o quarto dela à noite vestindo um roupão preto. Ele a pegou e a levou até um local onde seus avós e sua mãe estavam…e todos vestiam roupões pretos. Eles o tiraram dela e a orgia começou…e então, eles trouxeram o bebê dela. Ela foi forçada a assistir sua mãe tirar o coração dele com uma adaga de pedra. Enquanto ela bebia o seu sangue, outros comeram sua carne. O avô e o pai transaram com ela repetidamente. Ela foi forçada a sofrer novos abortos e cozinhar seus fetos. Síndrome dos Rituais Satânicos de Abuso. Era comum nos anos 80.

Numa determinada noite – o filme é dividido em capítulos como O Iluminado -, Hank descobre moedas na câmara de incineração e resolve roubá-las, porém é surpreendido por uma estranha figura que testemunha seu ato. No dia seguinte, mesmo com o sumiço do colega, o grupo insiste na realização da tarefa, embora coisas estranhas comecem a acontecer: Jeff encontra Hank como uma assombração, vertendo sangue pelas mãos enquanto segura uma das moedas que tentou roubar. Mais tarde, ele reaparece sem roupas como um dos pacientes na instituição, num canto escuro do túnel, até o encontro final com sua ferida em exposição.

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Doutor: E onde você vive, Simon?
Mary Hobbes: [voz de Simon] Eu vivo nas fraquezas e nas feridas, Doc.

Ainda que tenha essas visões macabras, a produção está distante de ser um filme de fantasmas. Algo sinistro pode estar acontecendo nos corredores da instituição, e as pistas vão surgindo a conta-gotas, deixando muitas respostas para a imaginação do público. É como se Brad Anderson fizesse do espectador um paciente do hospital, prestes a receber um tratamento de choque no último ato, quando as mortes acontecerem e você tentará entender o motivo disso tudo.

Atenção! Não leia o próximo parágrafo pois traz algumas revelações importantes

As teorias na internet são ousadas: algumas envolvem a possessão demoníaca como um dos causadores de toda tragédia. Na verdade, a tal paciente Mary poderia ter apenas duas personalidades, sendo que Simon seria a manifestação desse demônio ou espírito maligno que habita o local. Quando Gordon entrou no local, foi recebido com um olá, Gordon! antes mesmo da visita que realizou a sua casa e culminou com o acidente doméstico. Até mesmo a escolha do nome Simon já remeteria à velha brincadeira Simon diz…, como uma voz interior obrigando-o a cometer os crimes. Na última frase do filme, é dito que isso acontece com mentes fracas e feridas, o que justifica a possessão devido ao estado sensível do personagem diante do nascimento recente do filho. Ainda há aqueles que apontem apenas a loucura como fator responsável por tudo ou até mesmo a esquizofrenia de uma mente perturbada, desenvolvendo um assassino no interior de um homem comum. Contudo, há pouco a ser explicado sobre a velha cadeira que serve de ilustração para o pôster, aparecendo diversas vezes no filme: seria o local onde Mary teria ficado amarrada durante as sessões?

A belíssima fotografia de Uta Briesewitz dá o tom certo ao ambiente tétrico, com o apoio da trilha mórbida de Climax Golden Twins – assim como Brad, ambas não possuem um currículo repleto de produções conhecidas e dignas, provando mais uma vez o quanto Sessão 9 foi um trabalho único de toda equipe. O mesmo acontece com a produção, a cargo de Dorothy Aufiero (O Vencedor, 2010), David Collins e Michael Williams. Observando a carreira de todos os responsáveis pelo filme, fica realmente difícil acreditar que conceberam algo tão brilhante num acerto isolado de suas escolhas.

Brad Anderson fez um ótimo trabalho de condução em Sessão 9, desde o posicionamento adequado das câmeras até o travelling realizado em duas cenas específicas que transformam a visão do espectador num paciente da instituição. Até mesmo a imagem inicial, invertida, com a cadeira sendo vista no teto, justifica alguma das teorias sobre o que estaria acontecendo ali. Ele também acertou ao explicitar a grandiosidade do sanatório, em tomadas aéreas, como a que acontece na última fala do filme, aquela que pode ser considerada a mais importante.

No fim das contas, Sessão 9 é uma excelente experiência, seja na observação do comportamento humano, seja como um filme de horror pleno, absoluto. É o tipo de produção que merece novas conferidas em sessões isoladas para assimilar todo o seu conteúdo de maneira satisfatória; daquelas que servem de motivação para o gênero, inspiração para os jovens cineastas e uma aula para aqueles que querem fazer um ótimo filme de horror! Pena que Brad não soube seguir as orientações de Simon nos trabalhos seguintes!

Mary Hobbes: [voz de Simon] E então… mamãe e papai não poderiam ficar bravos.
[Simon riu]
Mary Hobbes: [voz de Simon] Eu falei para ela… para cortá-los também.
[Simon ri incontrolavelmente]
Mary Hobbes: [voz de Simon] Havia muito sangue, Doc. Muito sangue… Mas Mary queria fazer isso.. Então, ela fez.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

9 thoughts on “Sessão 9 (2001)

  • 22/02/2024 em 23:05
    Permalink

    Quando vejo 5 caveiras no Boca do inferno, é pq o negócio é bom mesmo. Principalmente quando é o Marcelo Milici o resenhista xD

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  • 01/11/2017 em 20:15
    Permalink

    *SPOILERS*

    Minha gente, a última fala do filme é perfeita demais… extremamente forte. Quando o psiquiatra pergunta onde Simon morava e ele responde “nos fracos e feridos”.
    Muito arretado

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  • 18/04/2015 em 16:48
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    Este filme é uma das fontes da série de jogos Silent Hill, especialmente a cena da cadeira de rodas (elemento utilizado em todos jogos da franquia) e também nos pisos e paredes gradeados. Para quem se interessar, outras inspirações para Silent Hill são “Jacob’s Ladder”, “Carrie” e “The Mist” (o útlimo foi inspirado pelo conto, o filme ainda não havia sido lançado).
    Veja mais: http://silenthill.wikia.com/wiki/Inspirational_works_of_Silent_Hill

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    • 18/02/2017 em 00:29
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      Vc quis dizer que silent hill inspirou esses filmes ne? Pq os jogos surgiram bem antes.

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  • 07/11/2014 em 19:32
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    como faço para assistir há filme session 9

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  • 23/09/2013 em 23:25
    Permalink

    Esse filme é demais, realmente lembra e muito O Iluminado. Minha visao é q Gordon criou toda uma ambientaçao e os personagens para justificar seus atos contra a mulher e a filha, inclusive a personagem Mary, mas preciso rever já q só vi uma vez.

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  • 14/09/2013 em 12:08
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    O Boca do Inferno exercendo sua utilidade pública: sempre tinha visto esse filme no Netflix, mas nunca tinha dado bola. Obrigado!

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