Dia dos Mortos
Original:Day of the Dead
Ano:1985•País:EUA Direção:George A. Romero Roteiro:George A. Romero Produção:Richard P. Rubinstein Elenco:Lori Cardille, Terry Alexander, Joseph Pilato, Jarlath Conroy, Anthony Dileo Jr., Richard Liberty, Sherman Howard, Gary Howard Klar, Ralph Marrero, John Amplas, Phillip G. Kellams, Taso N. Stavrakis, Greg Nicotero |
“Ele me quer! Ele quer comida! Mas não tem estômago, não pode nutrir nada do que ingere. Eles estão agindo por INSTINTO!” (Dr. Logan)
Quando a carne humana ainda tinha qualidade e não servia apenas para sub-aproveitar conceitos já estabelecidos, George A. Romero conseguiu justificar com maestria o retorno dos mortos. Com o excesso de contigente, o Inferno expulsava seus hóspedes de volta à vida, desde que resolvessem se alimentar dos vivos, mesmo sem motivos digestivos, apenas como uma crítica a uma sociedade consumidora e vítima dos abusos militares. A noite terminou com um saldo extremamente pessimista, enquanto o amanhecer vinha para comprovar que o inimigo não era que se rastejava em busca de alimento, mas os que não tinham humanidade e não sabiam o significado de cooperação, tendo como alicerce o egocentrismo. Quando o dia despontava no horizonte, era hora de contabilizar as perdas e tentar encontrar um meio de socializar os novos espécimes ao invés de espalhar seu crânio pelo asfalto. Começava assim o terceiro capítulo da trilogia dos mortos…
“Hoje, analisando os três filmes de zumbis, vemos que estão em blocos bem separados. Algumas pessoas não largam do primeiro filme – é o grande amor delas – e outras celebram e fazem festas sobre Despertar dos Mortos por ser o mais ousado dos três, além de ser o mais popular. E também há os ogros que gostam de Dia dos Mortos” (George Romero)
Quase vinte anos depois de A Noite dos Mortos-Vivos, Romero já havia tocado em outros gêneros como o drama vampiresco Martin, um road cyberpunk e tinha conseguido boas críticas com Despertar dos Mortos e Exército do Extermínio. Com o saldo positivo, havia chegado o momento de trazê-los novamente à vida, misturando os zumbis em cores de 78 com a intransigência militar (73), num ambiente claustrofóbico e depressivo. Com o nome já reconhecido em Hollywood, o cineasta só precisava lidar com a censura agressiva e o baixo investimento em filmes do gênero, fatores que fizeram Dia dos Mortos cambalear num roteiro Frankenstein – um resultado bastante diferente das pretensões iniciais.
“Se você é de Pittsburgh, seu sonho é ser um zumbi de Romero. Então nunca houve falta de figurantes.” (Tom Savini, especialista em efeitos especiais)
E o Vento Levou…e trouxe zumbis! Romero queria fazer um filme maior, algo que se aproximasse do clássico de Victor Fleming ou até mesmo, como sugeriu Tom Savini, o de William Wyler, Ben-Hur. Como o Inferno não possui apenas mortos-vivos, mas também boas intenções – enquanto os primeiros conseguiram sair, as demais acabaram ficando por lá – o orçamento estimado em 7 milhões caiu pela metade, obrigando o diretor a fazer alterações no processo já com as filmagens em andamento em Fort Myers, Flórida, onde Romero residia no período e permitiria uma boa economia. Ainda assim, a alta temperatura e umidade da mina utilizada como set atrapalharam a produção, estragando equipamentos e a qualidade das próteses usadas nos efeitos especiais. Para conter despesas, a equipe de produção algumas vezes teve que dormir no local devido ao acesso limitado, e o elenco de zumbis seria composto por cidadãos de Pittsburgh, dando preferência aos que já trabalharam nos filmes anteriores e aceitavam receber um cachê irrisório de um dólar e um boné com os dizeres “I was a Zombie in Day of the Dead“.
“O logo da Mina era uma Medusa com serpentes por todo o lado. Era como entrar num templo de maldição.” (Cletus Andersons, desenhista de produção)
Com a redução do orçamento, o elenco não podia ter grandes estrelas. Um exemplo é a contratação de Joseph Pilato como o intragável Rhodes. Ele teve seu debut numa ponta em Despertar dos Mortos, fez dois anos depois o horror Effects até voltar a trabalhar com Romero em Cavaleiros de Aço, em 1981. Foi fazer um teste e conseguiu de primeira, recebendo a confirmação no ato. “Ele [Romero] rapidamente deu o papel para mim. Eu não sei se ele conversou com outras pessoas, mas foi muito rápido. Apareci e ele disse ‘Você conseguiu‘”, disse Pilatos no documentários Os Muitos Dias de Dia dos Mortos. Com a boa atuação, o ator conseguiria ainda bons papéis, aparecendo em Pulp Fiction (94), O Mestre dos Desejos (97), Someone’s Knocking at the Door (2009) e é o terrível Harry Cooper no remake Night of the Living Dead: Origins 3D (2014).
“Li o roteiro e fiquei apaixonado por ele. Pensei: Vai ser o filme de zumbis mais legal da história.” (Greg Nicotero, ator e especialista em efeitos especiais)
Dia dos Mortos teve sua estreia oficial no dia 19 de julho de 1985, mas foi muito mal recebido, com um box office de apenas 5 milhões. Depois, com o lançamento pelo mundo, chegaria a casa dos 30 milhões, sendo ainda considerado um desastre entre os críticos, tanto que afastaria o cineasta de uma nova continuação por mais vinte anos. As críticas não foram tão favoráveis quanto as dos demais filmes, já que conseguiu apenas em 2013 uma aprovação de 84% no Rotten Tomatoes, enquanto A Noite dos Mortos-Vivos atingiu 96% e Despertar dos Mortos, 94%. Considerado como “depressivo e lento“, até alguns críticos que falaram bem dos outros longas, como Roger Ebert, deram uma baixa avaliação no terceiro episódio. Keith Phipps, do Allmovie, por exemplo, chegou a dizer: “O último – até a data – filme de zumbis de George Romero é o menos interessante, mas não por falta de ousadia“. Apesar desses conceitos negativos, Tom Savini ganhou seu segundo Saturn Award pelos efeitos especiais – o primeiro veio com Despertar dos Mortos -, enquanto Romero não teve problema em dizer abertamente nas entrevistas que Dia dos Mortos é seu filme favorito da trilogia inicial.
“No original, havia perseguições externas. Era um filme maior, mas a censura não iria permitir. Com 3 milhões eu poderia fazer o que eu quisesse. Resolvi fazer como os anteriores, como um grupo familiar no trabalho.” (George Romero)
Então, por que Dia dos Mortos é considerado um clássico filme de zumbis, figurando entre as listas dos melhores do gênero? Na verdade, a avaliação equivocada dos críticos foi muito influenciada pela época da realização do longa. Só para citar um exemplo, A Volta dos Mortos-Vivos, lançado no mesmo ano, é uma das grandes referências do subgênero “zumbis comedores de carne humana“, mas seu conteúdo faz parte do “terrir“, quando o horror tinha parceria da sátira e da comédia. Dia dos Mortos é, sim, extremamente depressivo e lento, mas são qualidades em um período que buscava apenas a diversão descompromissada. Apenas Romero, Clive Barker e John Carpenter conseguiram desenvolver uma atmosfera claustrofóbica e pessimista com alto teor apocalíptico e mórbido na década de 80. Dia dos Mortos pode até ser apontado como o mais fraco da trilogia, mas está bem acima da média do que era feito na época e do que seria realizado nas décadas seguintes.
No contexto do filme de Romero, os zumbis já são uma realidade concebida nos episódios anteriores. A América – e possivelmente o mundo – servia apenas de alimento para uma horda de criaturas sem alma, com o governo americano escondendo os sobreviventes em bases militares. Depois de um pesadelo insano, Dr. Sarah Bowman (Lori Cardille, em seu único trabalho de destaque) acorda num helicóptero ao lado do soldado Miguel Salazar (Anthony Dileo Jr., que trabalharia com Romero em Instinto Fatal, 1988, e Dois Olhos Satânicos, de 1990), do operador de rádio William “Bill” McDermott (Jarlath Conroy, de bons filmes como A Passagem, 2005, e Bravura Indômita, 2010) e do piloto John (Terry Alexander, de A Casa do Espanto III, 1989). Depois que pousam em Fort Myers, encontram um ambiente tétrico e silencioso com o vento elevando jornais com os dizeres “The Dead Walk” – que depois seria homenageado em Resident Evil. Não demora muito para os mortos surgirem no horizonte numa população pútrida e com a pele meio acinzentada meio esverdeada, quando o nome Dia dos Mortos arrepiaria as expectativas em letras garrafais dando ênfase para o rosto de uma criatura deformada.
“Eu não conhecia o George. Eu o vi quando estava na oitava série na estreia de A Noite dos Mortos-Vivos. Meu pai trabalhou no original interpretando a si mesmo, Chilly Billy. Ele er um apresentador de TV nos anos 60 e eu morava em Nova Iorque, fazendo uma peça chamada Reckless. George estava na plateia, então reatamos o contato. Ele gostou da minha atuação e viu em mim a personagem Sarah.” (Lori Cardille, atriz que interpreta Sarah)
Sem alternativas, com o combustível próximo do fim, o grupo retorna para a base militar de Everglades, protegida por uma cerca extensa, com zumbis se amontoando nas redondezas. Sem possibilidade abastecer o helicóptero e com medo da presença atrair mais inimigos, eles descem por um elevador até um nível inferior, onde alguns militares e dois cientistas tentam encontrar meios de evitar a reanimação dos corpos. Dr. Logan (Richard Liberty, de Exército do Extermínio, 1973), conhecido como Dr.Frankenstein devido aos experimentos estranhos, acredita que os mortos podem ser treinados e socializados, contrariando os desejos do terrível Capitão Henry Rhodes (Pilato) e sua trupe: Miller (Phillip G. Kellams), Johnson (o especialista em efeitos especiais Greg Nicotero), Steel (Gary Howard Klar), Torrez (Taso N. Stavrakis, de Despertar dos Mortos, 78) e outros.
“George Romero estava no teste, me deu algumas instruções e eu as segui. Eram coisas bobas. Bub não tem nenhuma fala. Foi tudo feito no improviso. Agi como um zumbi e consegui o emprego. Bub era o mascote da turma e senti que as pessoas do outro lado da câmera torciam por ele. Foi muito legal.” (Howard Sherman, que interpreta o zumbi Bub)
Dr. Logan comprova suas teorias com a mudança de comportamento do zumbi Bub (Sherman Howard, o ator mais bem sucedido do elenco já tendo atuado em mais de 100 produções), capaz de reconhecer ordens, entender o uso de telefone e até arriscar algumas palavras improvisadas pelo ator. Como ele havia sido um militar, não será difícil controlar uma arma e fazer alguns estragos no último ato, tornando-se até mesmo um anti-herói da saga de Romero. Quando Sarah descobre que soldados estão sendo usados em experimentos e até mesmo para alimentação de zumbis, ela inicia um plano de fuga, principalmente quando Miguel é mordido no braço, obrigando-a a cortá-lo, numa cena muito bem realizada. Enquanto a tensão aumenta entre militares e os mocinhos, os mortos são soltos e trazidos pelo subterrâneo por Miguel, gerando uma sangrenta lutar por sobrevivência e tentativa de sair do local.
“O walkman tocando música não estava no roteiro. Um dia estava correndo e pensei: “O que Bub faria com um walkman?” Tive uma ideia, sugeri ao George, o rosto dele se iluminou e ele disse: Vamos filmar para ver.” (Howard Sherman, que interpreta o zumbi Bub)
A sequência final de Dia dos Mortos é bem violenta e gráfica, exibindo corpos sendo rasgados e devorados de forma plenamente realista. Mutilação, degola, voracidade em mordidas sangrentas enchem a tela de um horror vermelho e doloroso. São muitas as cenas de destaque que ficam eternamente registradas na retina do fãs de bons filmes de terror. Só para citar algumas, pode-se lembrar do momento em que um morto ergue-se de sua maca, com o corpo completamente aberto, permitindo a queda de seus órgãos no chão; da cena em que os zumbis descem pelo elevador e surpreendem os soldados numa visão extremamente espantosa; os mortos lutando por pedaços de carne, esticando órgãos como o intestino que até deixam a lente da câmera vermelha; toda a tensão ocorrida no labirinto de cavernas, com os heróis em um ambiente aparentemente sem saída.
“Antes de terminar o roteiro eu já tinha encontrado o local ideal: uma mina de calcário real nos arredores de Pittsburgh. As pessoas guardam seus iates lá. Todos os negativos de Hollywood estão lá.” (George Romero)
Particularmente, tenho um carinho especial por Dia dos Mortos. Foi o primeiro filme de zumbis que eu assisti, além também de ocupar a primeira posição na minha coleção de DVDs, assim que adquiri o aparelho e comprei-o a preço popular no Walmart. Anos mais tarde, seria também o primeiro Blu-ray, recebido como brinde pela revista Blu-Ray News, incentivando a compra do reprodutor. Como um zumbi faminto, devorei o longa na primeira oportunidade que tive, assistindo-o novamente para escrever a respeito. A edição caprichada ainda traz três trailers, três comerciais de TV, entrevistas de áudio do ator Richard Liberty (Logan), comentários em áudio de Roger Avary, George Romero, Tom Savini, Cletus Anderson e Lori Cardille, que está no filme pela boa relação que Romero possui com o pai dela, “Chilly Billy“, que apareceu no clássico de 68. O Blu-Ray também contém dois documentários legendados e super interessantes: “Os Muitos Dias de Dia dos Mortos“, com 38 minutos – cuja reprodução de algumas falas ilustram o texto – e “Por Trás das Câmeras“, com 38 minutos.
“Queria fazer um filme a cada dez anos, mostrando a evolução da raça humana. Na década de 80, as pessoas desistiam de tudo: do exército, do governo, religião e sistemas financeiros.” (George Romero)
Após a realização de Dia dos Mortos, Romero daria um tempo de descanso para os mortos de vinte anos até retornar com força total em Terra dos Mortos (2005), e depois perder o rumo com Diário dos Mortos (2007) e Ilha dos Mortos (2009). Mesmo com o saldo negativo dos últimos exemplares, o cineasta deixaria definitamente sua marca como Pai dos Zumbis e responsável pelo melhor tratamento dado às criaturas. Dia dos Mortos ainda serviria de molde para um remake horrível e uma continuação ainda pior, capaz de fazer os mortos originais revirarem no túmulo e desejarem se alimentar da carne de produtores oportunistas.
Dia dos Mortos pode não ser o filme que Romero sonhava a princípio, mas não perde pontos pela sua qualidade técnica e visual. Depressivo, lento e pessimista como todo zumbi que se preza deveria ser, em sua jornada silenciosa em busca de carne humana para aliviar sua dor…sua dor por estar morto!
Ótimo artigo, acabei de assistir o filme, e achei o melhor da trilogia, vou reassistir o anterior só pra ter certeza se acho isso.
Graças a Deus até clássicos assim são levados para a Netflix e eu estava sem fazer nada e morto de vontade de ver um filme de zumbi.. Particularmente tenho certo receio de ver filmes antigos de zumbis, mas não quando se trata do George, procurei pelo nome dele e encontrei vários e resolvi assistir esse, pois nunca havia visto. Gostei do começo ao fim, tomei susto com o Bub em sua primeira aparição e até pra mim que tem estomago forte pra filmes sangrentos, as sequências de cenas finais foram um prato cheio pra sentir nojo, George realmente sabe quando o assunto é zumbi, mesmo mesmos que o critiquem por seus trabalhos atuais!
Muitos podem achar minha opinião rasa, mas Day of the Dead é para mim o melhor filme de zumbis de todos os tempos, ele não foi o primeiro filme do subgênero que assisti, mas foi meu primeiro contato com a visão de George Romero, que é para todos os efeitos uma das visões mais criativas do gênero, sem falar da combinação perfeita que essa visão faz com a crítica social.
não vi,mas quero,principalmente depois dessa treta nos comentários hahaha.
Um dos melhores filmes de Romero. Assisti em VHS alguns anos e gostei muito. Já havia visto algumas cenas do making of na TV, mas vê-las no filme é outra coisa.
São tantos momentos memoráveis que é difícil dizer qual é o melhor.
Uma pena que se tornou vítima de remake, assim como o primeiro, “Despertar dos Mortos”. O pior não é nem isso. O pior é saber que o remake foi dirigido por Steve Miner, um dos grandes nomes do cinema de terror dos anos 80, responsável pelos “Sexta-Feira 13 – Parte II” e “Parte III”, além de “A Casa do Espanto” e “Halloween H2O – 20 Anos Depois”.
Recomendável assistir as Trilogias de Zumbis de George A. Romero.
OBS: Melhor também assistir ao remake de “A Noite dos Mortos-Vivos”, porque esse, sim, vale a pena.
Assim como o Romero, esse é o meu preferido da primeira trilogia. Ele consegue equilibrar melhor ação, história e tensão. Vocês me desculpem, mas eu acho Despertar dos Mortos muito chato, muito arrastado…
Concordo contigo, cara. Apesar de ser um filme com uma certa “profundidade”, ele é muito lento!
Única parte desse filme que me chama a atenção, é o colapso do telejornal.
O mais fraco da primeira trilogia , mais também é considerado como clássico e tem várias cenas de destaque que marcaram pra mim , portanto tenho ele em vhs e dvd ambos originais .
Dia dos Mortos é um divisor de opiniões , tem gente que gosta e que não gosta , tem defeitos e qualidades , mais não vejo ” depressivo e lento ” como qualidades em filme nenhum .
É questão de opinião. Eu vejo qualidade nesse aspecto nesse filme e em outros como O Exorcista, Bebê de Rosemary e até Halloween, de John Carpenter.
Abs…
Sim é questão de opinião , eu tenho a minha e você tem a sua . Eu tenho absoluta certeza que pra você o melhor filme de Horror na sua opinião , não vai ser o mesmo filme que eu considero na minha opinião !