Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943)

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Frankenstein encontra o Lobisomem (1943) (1)

Frankenstein Encontra o Lobisomem
Original:Frankenstein Meets the Wolf Man
Ano:1943•País:EUA
Direção:Roy William Neill
Roteiro:Curt Siodmak
Produção:George Waggner
Elenco:Ilona Massey, Patric Knowles, Lionel Atwill, Bela Lugosi, Maria Ouspenskaya, Dennis Hoey, Don Barclay, Rex Evans, Dwight Frye, Lon Chaney Jr.

Mary Shelley não imaginava que a sua criação pudesse ir tão longe, sobretudo fosse capaz de encontrar outros monstros do gênero. Naquela noite gótica de 1816, patrocinada pelas tempestades mais ousadas, com descargas elétricas sobre as torres mais escuras, o horror definitivamente encontraria seu alicerce. Estava viva! A Criatura de Frankenstein, desenvolvida a partir de cadáveres mas com o aspecto de Boris Karloff, andaria com as pernas enrijecidas e desconexas e encontraria na Universal sua (de)composição absoluta, com Frankenstein, de James Whale, de 1931 – o monstro já havia aparecido em 1910 e 1921, mas sem a configuração ideal. Sucesso inquestionável, a produtora resgataria a criatura quatro anos depois com a A Noiva de Frankenstein, mesma época da estreia do lobisomem de Henry Hull. Com noiva e filho em 1939, ela descansaria até 1942, assistindo de camarote a oficialização do homem-lobo na pele de Lon Chaney Jr. Esse mesmo herdeiro do “homem das mil faces” ocuparia o lugar de Karloff na quarta aparição do produto de Shelley, intitulado O Fantasma de Frankenstein, de 1942.

Antes do lançamento desse filme, o roteirista de O Lobisomem, Curt Siodmak, que precisava de dinheiro para comprar um carro, brincou durante um almoço com o produtor George Waggner sobre o título de um novo filme da série, aproveitando os nomes exagerados dos longas com a a criatura. Assim, pronunciou com trocadilho o título “Frankenstein Wolfs The Meat Man“, corrigindo imediatamente para “Frankenstein Meets the Wolf Man“. Sem achar graça na brincadeira, Waggner mais tarde chamou o redator em seu escritório e disse: “Vai em frente. Compre seu carro!” Siodmak, então, concebeu seu trabalho a partir do que ele havia feito com o lobisomem em 1941, aproveitando para torná-la uma continuação direta também de O Fantasma de Frankenstein.

Frankenstein encontra o Lobisomem (1943)

A ideia era realmente brilhante! Aproveitar uma franquia de sucesso (Frankenstein) e uma promissora (O Lobisomem) e colocar os fãs de cada criatura na expectativa de um encontro que teria tudo para ser apoteótico. E foi mesmo! Contudo, é provável que tenha agradado mais aos fãs do peludo – que ocupa boa parte da produção -, mas também isso se devia ao fato da Criatura já estar desgastada para um quinto filme. Colocá-la como a protagonista do horror de aldeões, com suas tochas e desespero, seria apenas uma repetição do que já fora mostrado antes. E será que o roteirista conhecia bem a Criatura para usá-la ao seu bel prazer até o encontro com o lobisomem? E outra questão também era levantada pelos fãs: se Chaney Jr. havia interpretado a Criatura e o Lobisomem nos últimos dois anos, quem poderia ocupar a vaga dos monstros, já que Karloff não tinha mais interesse em continuar no papel? Entenda a dança das cadeiras…

Em 1931, Bela Lugosi havia incorporado o vampiro Drácula. Ele era a primeira opção para assumir a Criatura de Frankenstein, mas não aceitou pelo modo como o personagem era apresentado por James Whale: apenas como uma máquina de matar descerebrada e distante do protagonismo que Lugosi almejava em seus papéis. Depois que o cineasta abandonou a Criatura, ele só precisava da permissão de Karloff, atuante nos três primeiros filmes. Em O Filho de Frankenstein (1939), Lugosi ficou próximo disso, interpretando o assistente de Basil Rathbone, Ygor, e apenas acompanhando o ressurgimento do monstro. Ele poderia assumir em O Fantasma de Frankenstein (1942), mas Chaney Jr. foi mais rápido na escolha e havia feito muito sucesso com O Lobisomem – lembrando que Bela Lugosi interpretou o cigano Bela, responsável pela transformação de Larry Talbot! Como a personagem morreu no filme após transferir a maldição, estaria livre para interpretar a Criatura, já que Chaney Jr. voltaria ao papel do homem-lobo! Conseguiu acompanhar? Agora, fico imaginando como seria um filme com Bela Lugosi como o lobisomem-alfa, Lon Chaney Jr. como o amaldiçoado, Basil como Dr.Frankenstein e Boris Karloff como a Criatura de Frankenstein!! Provavelmente muito caro para os padrões da época!

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Outra curiosidade sobre essa troca de papéis resgata novamente O Fantasma de Frankenstein. No longa, Ygor (interpretado novamente por Lugosi) tem seu cérebro implantado na Criatura, vivida por Lon Chaney Jr. Assim, o Monstro ficou com a aparência de Chaney e a voz de Lugosi – melhor impossível! Parece uma forma simbólica de dizer que Lugosi era realmente a futura “alma do Monstro“! Seria impraticável a possibilidade de Lon Chaney Jr. interpretar ambas as criaturas em Frankenstein encontra o Lobisomem, até mesmo porque evitaria o inevitável confronto no final, o que restou a Bela Lugosi a vaga da criação de Frankenstein. Se o ego de Lugosi era tão elevado na época para ele clamar por participações importantes em seus filmes, como ele aceitou ter um papel menor nesse crossover, sem que seu personagem tivesse ao menos uma fala sequer? Seria contraditório, não? Mas, a idade avançada permitia essa humildade!

Além disso, o roteiro original de Curt Siodmak – e que foi realmente filmado -, a Criatura tinha realmente falas e fazia referências ao filme anterior e a sua cegueira, como consequência do transplante. Siodmak afirmou que o primeiro teste de exibição foi negativo, com o público do estúdio ironizando o acento húngaro do Monstro – mesmo contrariando o fato dele ter falado no final de O Fantasma de Frankenstein. Com isso, todas as cenas com fala da Criatura foram apagadas – menos duas, em que podem ser notados os movimentos dos lábios de Lugosi sem áudio. Talvez o lendário ator não tenha reclamado muito pelo fato de sua idade avançada – passado dos sessenta anos – começar a exigir menos de suas interpretações, tanto que muitas cenas foram realizadas com dublês, incluindo sua versão congelada e a luta com o lobisomem no final.

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De todo modo, com os percalços comuns nas produções da Universal, Frankenstein encontrou o Lobisomem. Teve início numa noite fria de ventania e Lua Cheia, quando dois estranhos invadiram o cemitério de Llanwelly com o objetivo de assaltar um cadáver. Momento que inspirou Jason Vive (1986), eles caminham pelas tumbas de estúdio e arrombam a cripta da família Talbot. No Mausoléu, é possível ver outros parentes da criatura como John Talbot (o pai), Martin Talbot (falecido em 1837), Elizabeth Talbot (falecida em 1845) até encontrar o que procuram: Lawrence Stewart Talbot, com o curioso epitáfio: “Morreu na Tenra Idade dos 31“.

E se não o enterraram com dinheiro?“, questiona um dos invasores. “Todo mundo na aldeia sabe. Há um relógio, anel de ouro e dinheiro.“, responde o segundo, conhecido como o ladrão Freddy Jolly (Cyril Delevanti, ator com inúmeros papéis não-creditados). “Fico arrepiado, Que aparência ele terá depois de tantos anos?“. De acordo com as personagens, passaram-se quatro anos desde a morte de Larry Talbot, vista em O Lobisomem (1941). “Só ossos e uma caveira oca.” Apesar dessas suposições os fracos atores nem conseguem se espantar pelo morto, coberto pelas plantas Aconitum lycoctonum (conhecida como mata-lobo ou wolfsbane), ainda não aparentar decomposição alguma. “Ele parece estar dormindo.

Mesmo um homem de coração bom e que reze todas as noites pode se transformar num lobo quando o mata-lobo floresce“. Com o braço agarrado pelo cadáver de Larry, Freddy diz com uma tranquilidade que transparece sua interpretação falha: “Ele me agarrou. Socorro. Socorro.” O outro ladrão foge desesperadamente pelo cemitério, deixando o parceiro à mercê do morto ressuscitado. Dias depois Larry (Lon Chaney Jr.) é encontrado nas ruas de Cardiff, Londres, e é levado ao Queen´s Hospital, sem identidade. Com uma recuperação acelerada, ele surpreende os médicos, principalmente o Dr.Mannering (Patric Knowles, que fez outro papel em O Lobisomem), além do Inspetor Owen (Dennis Hoey, que faria também o Inspetor Lestrade em filmes do Sherlock Holmes de Basil Rathbone).Frankenstein encontra o Lobisomem (1943) (4)

Assim que Larry confirma sua identidade, o inspetor entra em contato com a cidade natal do paciente e fica sabendo que ele morreu há quatro anos. Acreditando se tratar de algum delinquente mentiroso ou que esteja sofrendo de esquizofrenia, o Inspetor e o médico iniciam uma investigação, enquanto, na mesma noite, Larry se transforma em lobisomem, num bom efeito de sobreposição de imagens, e mata o policial que o havia encontrado nas ruas. No dia seguinte, Larry assume a autoria do crime, mesmo com o descrédito do médico:

Você não entende. Há uma maldição em mim. Eu me transformo em lobo.“, diz Larry mostrando a cicatriz da mordida. “Eu o matei. Agora eu me transformo quando há Lua Cheia. É verdade. Pergunte a Maleva, a cigana“. Apesar das declarações, o médico avalia o fato dele saber do assassinato do policial a um poder psíquico adquirido com o choque sofrido (!!!). “Às vezes, lesões no cérebro abrem portas para poderes paranormais. Ele é um licantropo, um homem que pensa que é lobo.

Nas investigações, incluindo o assassinato no cemitério de um dos ladrões, o inspetor e o médico – que parecem não ter mais nada para fazer – ficam sabendo sobre a criatura que atacava na região, sugando o sangue pelo pescoço. John Talbot achou que havia matado o monstro, mas descobriu que assassinou o próprio filho, ocasionando sua morte por desgosto um tempo depois. Nesse interim, Larry foge do hospital mais uma vez e vai ao encontro de Maleva (Maria Ouspenskaya, que fez o mesmo papel em O Lobisomem), dizendo que ainda possui a marca do lobisomem, o tal pentagrama.

Para quem não viu o clássico, Frankenstein encontra o Lobisomem continua resgatando informações do enredo. “Seu filho Bela também era um lobisomem“, diz Larry, “Ele atacou e me transformou num monstro.” Maleva, numa interpretação fraca como no original, sabe de uma pessoa que pode ajudá-lo com a maldição, possibilitando a morte do lobisomem. Ambos viajam a Vasária atrás, é claro, de Dr. Frankenstein, alguém que entende de vida e de morte. Ao chegar à cidade, o barman Vazec anuncia a morte do doutor, apontando o seu sepultamento nas ruínas de seu castelo.

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Irritado, Larry foge do pub e se transforma mais uma vez na criatura, levando à morte uma garota, e intrigando o povo, que imagina que a Criatura de Frankenstein possa ter voltado, apesar de ambos terem morrido queimados. Nas ruínas, enquanto foge dos aldeões enfurecidos, Larry cai num buraco, onde encontra a Criatura congelada, facilitando seu retorno à vida. Em busca do diário do famoso doutor, Larry se disfarça do milionário Taylor e vai ao encontro da filha, a baronesa Elsa Frankenstein (Ilona Massey), uma personagem desnecessária no longa, apenas presente para exibir sua beleza. Ela se unirá ao médico para ajudar a encontrar os monstros, principalmente a Criatura de Frankenstein, que resolve invadir a vila para causar terror.

Como é facilmente notado, Frankenstein encontra o Lobisomem deveria ter um título inverso. Além da Criatura aparecer em poucas cenas, Larry assume o protagonismo e comanda todas as ações. Ele manipula o Monstro, evitando sua ira e destruição, mesmo que saiba que há algo irracional dentro de si, esperando o momento certo de agir. O roteiro de Siodmak não explora adequadamente a cegueira da Criatura de Frankenstein e nem justifica o confronto na sequência final, embora seja interessante vê-los se agarrando e atirando o oponente de um lado para outro nas ruínas do castelo.

Não foi tão bem nas críticas quanto Frankenstein (1931) ou O Lobisomem (1941), embora tenha se saído melhor do que os últimos exemplares da Criatura. Mesmo assim, sem explorar adequadamente a trajetória do Monstro e com a interpretação rasteira do elenco de apoio, o filme é bem divertido, com alguns bons momentos de horror envolvendo os assassinatos e a angústia da maldição de Larry Talbot, em busca da morte como alívio para seu sofrimento eterno. Depois desse encontro com a Criatura, o lobisomem de Chaney Jr. ainda veria outros monstros em A Casa de Frankenstein (1944), A Casa de Drácula (1945) e na comédia Abbott e Costello encontram Frankenstein (1948), até encontrar o descanso merecido. Ou não.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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