O Farol
Original:The Lighthouse
Ano:2019•País:Canadá, EUA Direção:Robert Eggers Roteiro:Robert Eggers, Max Eggers Produção:Robert Eggers, Youree Henley, Lourenço Sant' Anna, Rodrigo Teixeira, Jay Van Hoy Elenco:Robert Pattinson, Willem Dafoe, Valeriia Karaman |
Quando Robert Eggers concebeu A Bruxa, em 2015, já deixou claro seu gosto particular pelo horror psicológico e pelo simbolismo, o que, para muitos, foi uma refeição indigesta. Promoveu debates sobre a evolução do gênero, e que permitiu o desenvolvimento do controverso termo pós-horror para definir produções que vão além do estilo, e fez muitos almejarem seu próximo trabalho, o já declarado desde então O Farol (The Lighthouse). O que se sabia sobre o seu segundo longa é que ele seria ambientado no final do século XIX em uma claustrofóbica ilha e que seria todo filmado em 35mm, preto & branco. Logo viria a definição do elenco, com o anúncio do já renomado Willem Dafoe contracenando com o vampiro brilhante Robert Pattinson, numa mistura estranha e curiosa.
Foi somente em 2019 que O Farol chegou aos cinemas – no Brasil, em alguns festivais, e com a estreia determinada tardiamente para o início de 2020 -, conseguindo boas críticas e elogios exacerbados para a atuação dos dois atores. Assim, o filme já chega com uma boa moral pela bagagem de opiniões positivas ao mesmo tempo que, tal qual A Bruxa, terá sua cota de depreciadores. Será que O Farol conseguirá repetir o mesmo sucesso da família envolta em uma floresta maldita, mesmo que tenha uma narrativa mais arrastada e ainda mais simbólica que o longa de 2015?
Provavelmente não. A razão principal é a ausência do medo, da repulsa, dos horrores promovidos por uma entidade presente em todo o filme. O Farol funciona em sua proposta reflexiva, mas deixa os arrepios de lado pela tensão psicológica, e a insanidade expressa, que envolve dois personagens em um ambiente reduzido – algo que o gênero já explorou à exaustão. As metáforas presentes são absolutamente interessantes, e pedem algumas doses de conhecimento mitológico para uma apreciação plena, e isso pode enfraquecer a narrativa em caso de uma análise superficial. Enfraquece porque, além do enredo se arrastar em diálogos e discussões e poucas surpresas, a história principal é bem frágil e pouco empolgante.
Thomas (Dafoe) acaba de receber um novo contratado para trabalhar com ele numa pequena ilha; acostumado a lidar com madeiras, o desconhecido Ephraim (Pattinson) aceita esse pequeno trabalho de apenas quatro semanas já pensando nos bons ganhos oferecidos. As funções são árduas e pedem muito esforço físico, uma rotina intensa de limpeza e abastecimento, e a capacidade de ignorar as ofensas proferidas pelo inconstante patrão. Entre bebidas, alimentação simples, e a solidão, ambos os personagens travam uma intensa batalha de egos e responsabilidades: Thomas pede todo tipo de trabalho, alguns que beiram a humilhação, e proíbe a todo custo que Ephraim entre no farol, local que considera único e exclusivo de seus domínios.
O novo funcionário sabe apenas que está substituindo um rapaz que teria enlouquecido na função, visto monstros marinhos e até sereias. Aos poucos, o desgaste psicológico também afetará Ephraim, e a situação perderá o controle depois que ele desrespeitar uma das regras do mar e que é considerada mau agouro. Loucura, visões estranhas, pesadelos, acusações serão a base da destruição da dupla, resultando em confrontos violentos, somados à reação da própria ilha. O que será que existe no farol de tamanha valiosidade? E até que ponto os personagens estão realmente sendo sinceros em suas intenções?
O fio condutor de O Farol é a difícil convivência entre pessoas tão diferentes durante muito tempo em um espaço curto, como o Cinema já confirmou em enredos e gêneros diversos. Além da força entre os diálogos (muito bem constituídos, sendo que alguns até rebuscados e confusos) e a atuação soberba dos dois atores, muito bem caracterizados para a época prevista, o longa se beneficia da belíssima fotografia de Jarin Blaschke (também de A Bruxa), da trilha incidental sem exageros sonoros, dos ótimos posicionamentos das câmeras (as tomadas que apontam para o farol são belíssimas) e do simbolismo proposto. Fluem bem, embora boa parte da qualidade esteja no aprofundamento de seu conteúdo, numa leitura que vai além do óbvio.
SPOILERS
E o que O Farol pode trazer de curioso numa observação mais detalhada? A principal delas é o embate mitológico entre Proteus e Prometeu, confirmado pelo próprio diretor em entrevista. “Bem, Prometeu e Proteus nunca saíram dos mitos gregos antes, mas isso parece ser o que está acontecendo aqui. E Prometeu pode estar assumindo algumas características que ele não tem na história.“, disse Eggers ao site Vox, já assumindo que bebera da fonte, ainda que não em absoluto. Proteus era um ancião marítimo, pastor de rebanhos, dotado de conhecimentos e capaz de metamorfosear em criaturas marítimas. Já Prometeu foi um titã trapaceiro, responsável por roubar o fogo de Héstia e repassá-lo aos mortais. Como se percebe, Thomas simboliza Proteus, enquanto Ephraim, a outra personagem mitológica, que, ao final, “rouba o fogo” (no caso, a luz do farol) e encontra a desgraça. Punido por Zeus, ele é condenado a ficar amarrado a uma rocha, enquanto tem as entranhas devoradas por uma águia (no filme, trocada pelas gaivotas).
Depois que se descobre que Ephraim mentiu sobre seu passado e seu nome também é Thomas, pode-se dizer que ambos os personagens são a mesma pessoa, como se o de Dafoe fosse uma versão envelhecida do de Pattinson, e que ele nunca saiu da ilha, confrontando a si mesmo num ciclo sem fim. No caso, a verdade só é descoberta com a chegada à luz (conhecimento), quando ele percebe que esteve sozinho o tempo todo, sem nunca provavelmente ter saído do Canadá. Assim como a verdade mitológica, ele não suporta o confronto consigo mesmo, e cai pela escada em espiral, na simbologia do Monte Olimpo.
FIM DOS SPOILERS
Diferente de A Bruxa, o novo trabalho de Eggers não é divertido para inspirar múltiplas visualizações. É um estudo sobre personagem, sobre si mesmo, e, principalmente, como a solidão pode influenciar e até enlouquecer àqueles que não são aptos a suportarem. É um trabalho bem realizado e constituído, mas bem distante de sua obra-prima, que, além de profundo, conseguia ser aterrorizante.
Concordo com a crítica quando diz que um dos principais problemas do filme é a falta de um clima de tensão. Claro, vc vai embarcando na espiral de loucura dos dois personagens, com algumas passagens bizarras sinalizando que há mais do que apenas a questão do isolamento, mas, com o desenvolvimento do filme, já não se espera mais um clímax arrebatador. E muito provavelmente essa nem era a intenção dos realizadores do filme. Há a questão dos simbolismos e do final apontando para o mito de Prometeu, mas eu particularmente achei o desfecho anticlimático.
Dito isto, o filme é ruim? Não! E o que me leva a afirmar isso são dois motivos: a fotografia – que é belíssima em seu jogo com as sombras e em sua capacidade de criar um ambiente opressivo – e a interação entre os dois personagens – o nosso querido “vampiro brilhante” e William Dafoe estão ótimos sempre alternando entre momentos de camaradagem e confrontação. Pode não ser o filme de horror do ano (como muitos já diziam antes mesmo da estreia), mas vale muito a pena ser visto.
Bem ansioso pra ver esse filme. Tem uma pegada de Lovecraft também, pelo visto
Mano 1a vez que vejo umas crítica que concordo. 2 coisas desse filme que o pessoal fala: fotografia e a “surpreendente” atuação do vampiro, sendo que já sabia de outros filmes que o cara era bom, só marcado pelos filmes do crepúsculo (não julgo). Fora isso não vi nada demais, isso que fui ver sem saber nada. Dar nota 10 pela crítica me parece ser um delírio coletivo.