Os Órfãos (2020)

2.5
(2)

Os Orfãos
Original:The Turning
Ano:2020•País:UK, Irlanda, Canadá, EUA, Índia
Direção:Floria Sigismondi
Roteiro:Carey W. Hayes, Chad Hayes
Produção: Scott Bernstein, Roy Lee
Elenco:Mackenzie Davis, Finn Wolfhard, Brooklynn Prince, Barbara Marten, Joely Richardson, Niall Greig Fulton, Denna Thomsen, Kim Adis, Darlene Garr

Dentre os calafrios que promovem o gênero, pode-se dizer que o clássico Os Inocentes é um dos mais intensos. Além de sua importância histórica para o estudo do cinema de horror – e há de enaltecer a montagem e sua inovação impressionante com a sobreposição de imagens -, a adaptação ao sombrio texto de Henry James e a relação com a peça “Os Inocentes” deram uma tonalidade profunda a uma aparente simples história de fantasmas, graças à imensa contribuição de Truman Capote. No enrendo, a Srta. Giddens (na melhor interpretação de Deborah Kerr) é contratada para trabalhar em um casarão para cuidar da pequena Flora (Pamela Franklin), enquanto o irmão dela, Miles (Martin Stephens), está na escola. É um pedido de um tio milionário, que quer aproveitar seu dinheiro da melhor forma, sem ser importunado pela criação dos pequenos. Quando o menino volta para casa, após ser expulso, aos poucos a governanta começa a sentir presenças no local, refletidas em janelas ou em aparições discretas, passando a acreditar que as crianças possam estar sendo possuídas pela babá anterior, Srta. Jessel (Clytie Jessop) – também conhecida como a Mulher de Preto – e pelo agressivo Quint (Peter Wyngarde).

Ao mesmo tempo que apresentam sinais evidentes que realmente há fantasmas ali, como na fala da Flora quando ela questiona, “se as pessoas vão para o Céu ao morrer, por que continuam andando por aí?“, o enredo, principalmente o literário, deixa transpor possibilidades de uma loucura da protagonista com sintomas de perversão. Somente ela acredita nessas influências, além da constante insinuação de objetos fálicos e até dos beijos que dá em Miles, o que pode levar a acreditar que tudo pode ter vindo de sua imaginação. Aliás, é a primeira pergunta que o tio (Michael Redgrave) faz a ela, quando vai entrevistá-la, justificando com “a verdade é muito raramente compreendida por qualquer pessoa, exceto pela imaginação.” Esse duplo sentido e outros sinais que transparecem na produção como a mudança do tom do vestido da Srta. Giddens (na última cena ela está de preto, como a solitária assombração do outro lado do lago) fazem de Os Inocentes um filme espetacular e essencial, nunca mais alcançado em outras adaptações do texto original, como o horroroso Os Órfãos, de Floria Sigismondi.

Chega a ser um contraponto relacionar Os Órfãos ao absoluto Os Inocentes. São dois extremos, dentro de uma mesma inspiração. Enquanto o longa de Jack Clayton é de uma profundidade incrível, composto de várias camadas a partir das interpretações até mesmo do elenco juvenil, Os Órfãos é um terror raso, um pires na observação do tema. Atualizado para a década de 90, mais precisamente abril de 1994, como se nota em uma reportagem sobre o suicídio de Kurt Cobain, talvez com a proposta de se esquivar dos celulares, uma vez que isso não faz a menor diferença, no prólogo, a jovem Jessel (Denna Thomsen) está desesperadamente em fuga de uma grande morada, até ser surpreendida por um reflexo.

Surge, então, a professora Kate Mandell (Mackenzie Davis), que está saindo do emprego para trabalhar como governanta no cuidado de uma menina de sete anos. Após visitar a mãe numa instituição mental (não fica claro se esse lugar é na própria escola), que passa o dia com seus desenhos, a garota se despede da amiga Rose (Kim Adis), e parte para o casarão. Lá é recebida pela empregada Sra. Grose (Barbara Marten), que é bem diferente da simpática versão de Megs Jenkins, que confunde ainda mais o público quanto à condição insana da Srta. Giddens. Para dar um tom mais obscuro, a pequena Flora (Brooklynn Prince) é encontrada no estábulo, trazendo alguns dos jumpscares que transbordam a produção.

Tal qual o original, Miles (na interpretação boa de Finn Wolfhard) é expulso da escola. Nesta, a governanta é avisada por telefone, e fica sabendo que o menino estava agindo de maneira agressiva com outros colegas. A chegada do garoto desperta acontecimentos estranhos na casa, como reflexos acompanhados da trilha sonora e sussurros (no original, esses são mais assustadores). Ela é informada pela pequena sobre o lado a ser evitado na casa, o lado leste. É claro que ela acabará se sentindo atraída pelo ambiente, assim como entrará em cômodos onde há manequins assustadores – incluindo o que está no quarto dela -, como elementos que podem trazer alguns arrepios, mas que são apenas clichês do estilo. Até mesmo o jardim em forma de labirinto já não surpreende.

Por alguma razão que não se justifica, a pequena Flora não consegue sair do local, nem para ir à escola, ou sequer para a cidade. Maldição? Ameaça sobrenatural? Ela é um fantasma igual as crianças de Os Outros? Contudo, a governanta, quando se sente acuada pelos pequenos e suas brincadeiras pouco sadias, chega a se afastar da casa para buscar um refúgio, algo que diminui a claustrofobia presente no filme original, ambientado quase que inteiramente no casarão. Tomada por alucinações e pesadelos constantes, ela parece estar psicologicamente “quebrada“, como uma das bonecas de Flora e como sugere a própria Grose ao questionar se a doença da mãe dela não possa ser genética.

Para evitar uma simples cópia do original, as intenções no enredo de Carey e Chad Hayes (de A Casa de Cera e Invocação do Mal) era apenas utilizar a base principal e fazer com que o filme tenha vida própria. Não conseguiu nem relacionar com o da década de 60, quanto menos apresentar um trabalho novo, com muitas repetições de conceitos já vistos anteriormente. Ainda assim, o principal problema está no final. Após apresentar uma ideia simples, mas aceitável, o que é visto simplesmente se transforma numa nova alucinação para que outras possibilidades sejam apresentadas, deixando para a imaginação do público a compreensão. Assim, tudo se conclui de maneira confusa, como se o enredo tentasse se mostrar mais inteligente do que é.

Com a direção acertada no debut de Floria Sigismondi, Os Órfãos não chega nem ao portão de entrada da mansão Bly de 1961. Não funciona como homenagem, nem como uma história de fantasmas, em um desperdício de envolvidos, como a talentosa Mackenzie Davis (O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio), em uma obra sem personalidade e razões para existir.

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Marcelo Milici

Professor e crítico de cinema há vinte anos, fundou o site Boca do Inferno, uma das principais referências do gênero fantástico no Brasil. Foi colunista do site Omelete, articulista da revista Amazing e jurado dos festivais Cinefantasy, Espantomania, SP Terror e do sarau da Casa das Rosas. Possui publicações em diversas antologias como “Terra Morta”, Arquivos do Mal”, “Galáxias Ocultas”, “A Hora Morta” e “Insanidade”, além de composições poéticas no livro “A Sociedade dos Poetas Vivos”. É um dos autores da enciclopédia “Medo de Palhaço”, lançado pela editora Évora.

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