4.4
(5)

O Cemitério das Almas Perdidas
Original:
Ano:2020•País:Brasil
Direção:Rodrigo Aragão
Roteiro:Rodrigo Aragão
Produção:Mayra Alarcón, Rodrigo Aragão
Elenco:Allana Lopes, Caio Macedo, Renato Chocair, Diego Garcias, Clarissa Pinheiro, Markus Konká, Carol Aragão, Roberto Rowntree, Thelma Lopes, Francisco Gaspar

Sendo um nome que, obra após obra, consolida-se como o maior expoente do gênero horror no cinema nacional deste novo século, Rodrigo Aragão é um daqueles cineastas que sempre soube unir a finesse e o rigor necessários à técnica cinematográfica, com o livre espírito criativo nas narrativas de seus filmes. Foi assim desde seus modestos e inventivos curta-metragens Peixe Podre, 1 e 2; e Chupa-Cabras, até os cada vez mais arrojados longas, A Noite do Chupa-Cabras, Mangue Negro, Mar Negro e A Mata Negra, além da coletânea As Fábulas Negras. Nunca tentando copiar qualquer fórmula ou clichê estadunidense, Aragão sempre imprime em suas criações elementos do folclore, dos mitos e das lendas brasileiras. Não é diferente em O Cemitério das Almas Perdidas, seu mais novo lançamento, que dá protagonismo a algo que permeia toda a sua filmografia: O Livro de São Cipriano, obra em forma de “manual” contendo simpatias, pequenos feitiços, e também trabalhos, invocações e maldições.

Orçado em 2,1 milhões de reais (produção mais cara de Aragão até hoje), o longa, escrito também por Aragão, representa a realização de um sonho do cineasta, já que o projeto é gestado há quase duas décadas. A narrativa ficcionaliza como o famigerado Livro Negro de São Cipriano teria chegado às terras tupiniquins vindo da Europa. Na trama, um padre jesuíta fica tomado pelo poder enorme do grimório, que é capaz de salvá-los de tempestades e até mesmo… de trazê-los de volta aos vivos, exigindo, para isso, somente um sacrifício em sangue. Aportando ao Brasil, o grupo liderado pelo corrompido padre (Renato Chocair) realiza um verdadeiro massacre contra uma tribo indígena, porém algo inesperado os aguarda num cemitério instalado no local…

O roteiro, que passeia entre o tempo presente e o passado, mostra como nos tempos atuais um pequeno grupo mambembe de artistas circenses viaja até uma pequena vila para se apresentar e ganhar alguns trocados com a apresentação de seu espetáculo itinerante de horror Mausoleum. Na trupe, liderada por Fred (Francisco Gaspar), também está Joaquim (Caio Macedo), um jovem cujas premonições em forma de sonhos podem fornecer algum vislumbre do que acontecerá com ele e os demais artistas do grupo. Assolados por um público ultrarreligioso que não gosta do que vê, os artistas logo se veem atacados e presos no cemitério local, à mercê dos mortos-vivos colonizadores, o que dá início ao embate entre passado e presente.

O Cemitério das Almas Perdidas é um longa que se constrói nos pequenos detalhes. Além da produção vistosa e dos efeitos visuais interessantes (a aparição sutil da figura do diabo num dos momentos do longa é de causar arrepios nos desavisados), a obra se inicia com uma bem vinda dedicatória a José Mojica Marins, maior cineasta de gênero do país, falecido em fevereiro deste ano, e conta com vários detalhes que remontam à própria vivência do diretor-roteirista: seu pai era mágico e o próprio Aragão montou nos anos 2000 uma “casa de terror” com o nome de Mausoleum, que batiza o espetáculo itinerante deste filme. Além disso, o próprio líder da trupe parece emular a persona de Zé do Caixão, maior personagem de Mojica, quando anuncia a chegada do espetáculo ao público local, entoando um gestual e uma fala típicas daquela personagem.

Quanto ao conflito existente no roteiro, que apresenta uma fluidez bastante interessante, este não se furta de abordar, através da alegoria, a eterna luta dos excluídos nesta terra colonizada. Afinal de contas, que outra leitura podemos fazer de um jovem negro unido a uma jovem índia (Allana Lopes, ótima) lutando contra exploradores europeus liderados por um clérigo? Para além das bem utilizadas alegorias e metáforas, Aragão nos brinda mais uma vez com um verdadeiro banho de sangue com direito à mutilações, degolas e efeitos práticos excelentes. Unindo a excelência técnica ao criativo e politizado roteiro, é um filme que merece a grande tela e, sobretudo, um filme que deixa um gosto cada vez maior de ver do que Aragão será capaz em seu próximo filme.

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